No final de 1983, numa pequena reunião com alguns secretários e assessores, o governador Franco Montoro expôs sua idéia de convocar um comício a favor de eleições diretas para presidente da República. Data: 25 de janeiro de 1984.
Tomei a iniciativa de ponderar: "Governador, pode não dar certo. Dia 25 é feriado, pois é aniversário de São Paulo. A praça da Sé é muito grande e, por mais gente que compareça, vai parecer vazia. O comício do PT na frente do Pacaembu mobilizou apenas de 2.000 a 3.000 pessoas. Vamos escolher outro lugar e pensar melhor sobre a data". Ponderações semelhantes seriam feitas por muitos. Montoro respondeu, porém, com seu sorriso típico, que misturava gentileza pessoal, firmeza política e nenhuma arrogância: "Não, nós vamos fazer o ato, minha sensibilidade diz que vai dar certo".
E o ato deu tão certo que deflagrou a maior seqüência de grandes manifestações populares já ocorrida no Brasil. Eram tempos de unidade pela democracia, e falaram no comício da Sé, entre outros líderes, além de Montoro, o então (grande) prefeito da cidade, Mário Covas, o deputado Ulysses Guimarães, os governadores José Richa, Leonel Brizola e Íris Rezende, o senador Fernando Henrique e o presidente do PT, Lula. É preciso não minimizar a ousadia dos governadores citados, pois o país ainda vivia sob um regime autoritário e os Estados dependiam administrativamente do governo federal até mais do que hoje.
É verdade que a ditadura, sem o AI-5, enfraquecida pelas eleições diretas estaduais, acossada pela superinflação e pelo desemprego em alta e, ainda por cima, chefiada por um presidente abúlico, estava abalada. Mas o desfecho final e a transição democrática foram definidos pelo impulso que veio da praça da Sé.
O movimento pelas Diretas-Já confirmou que as grandes transformações sociais exigem, além do amadurecimento, dois requisitos políticos: a sensibilidade para definir objetivos centrais e aglutinadores e a capacidade de mobilizar e concentrar as energias da maioria da população na conquista desses objetivos. Foi assim que a democracia foi restabelecida e foi assim que a superinflação foi derrotada, uma década depois.
Nestes 20 anos desde 1984, apesar das dificuldades e dos vaivens, o Brasil progrediu. O regime de liberdades civis e políticas foi consolidado, a corrupção na vida pública diminuiu, a inflação foi domada e indicadores sociais fundamentais melhoraram, entre eles a mortalidade infantil, a esperança de vida e a escolaridade.
No entanto, a democracia e as liberdades, por si sós, não aceleraram o desenvolvimento econômico e a geração de empregos, como muitos participantes do movimento pelas Diretas-Já acreditavam. E vamos ter claro: sem mais desenvolvimento e empregos, as melhorias sociais não avançarão muito mais e poderão até retroceder.
É preciso que a vontade política nacional se mobilize, agora, em torno desses desafios e exija do poder público, medidas claras e consistentes para alcançá-los. Governos se movem sofrendo pressões, mas governos não realizam grandes mudanças só na base de discursos e de publicidade, com retórica vazia, fisiologia, oscilações de prioridades, medidas contraditórias. É preciso que haja coragem, clareza de objetivos, perseverança nos alvos escolhidos e disposição para batalhar no dia-a-dia, no cotidiano, até atingi-los. José Serra é presidente do PSDB
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