Para realizar um levantamento sobre a situação, conversar com atores locais e coletar dados de campo, o ISA participou da quarta expedição de fiscalização ao entorno do PIX, organizada pela Associação Terra Indígena Xingu (Atix), em maio desse ano. Esse trabalho está descrito no especial Xingu na mira da soja, que traz ainda mapas, dados estatísticos, entrevistas e informações privilegiadas, perfazendo um panorama da crise socioambiental que a soja tem imposto ao parque e que compõe o quadro da falta de transversalidade das questões ambientais nas políticas de governo.
Quem olha o mapa do Parque Indígena do Xingu, se surpreende com o verde que predomina em seus 2,8 milhões de hectares de extensão. O mesmo mapa revela, no entanto, um entorno degradado por desmatamentos e queimadas associados à formação de lavouras e pastagens, que já encostam nos limites do parque. Os povos indígenas xinguanos estão atentos e, de tempos em tempos, a Associação Terra Indígena do Xingu (Atix) promove expedições de fiscalização de fronteiras. Os índios querem evitar que o lugar onde vivem, e que preservam, seja invadido e prejudicado pelo desastre ambiental que ocorre na área do entorno. A última dessas expedições, realizada em maio, foi a quarta organizada pela Atix. Saiu de Canarana, onde está a sede da Atix, em direção à Terra Indígena Wawi, fim da linha no rumo norte, passando pelos limites a leste do parque. A equipe vai constatando, ao longo de 1800 quilômetros percorridos em estradas de terra, os desmatamentos, as queimadas e os assoreamentos de nascentes e córregos. O quadro se repete na região de entorno ao sul do parque.
Ao mesmo tempo, observa-se o crescimento de lavouras de soja, tanto em áreas onde antes se criava gado, como onde havia floresta em pé. Tais constatações são reforçadas pelo líder da equipe da expedição, Winti Suyá - coordenador do projeto Fronteiras (veja texto abaixo) da Atix, que percorre a região com freqüência.
A equipe que Winti coordena é composta por Tamaluí Mehinaku, chefe do Posto Indígena de Vigilância (PIV) Tanguro, Vanité Kalapalo, do PIV Culuene, e integrantes do Instituto Socioambiental, parceiro da Atix nessas e em outras empreitadas: a analista de geoprocessamento Mônica Takako Shimabukuro, o jornalista Ricardo Barretto, e a bióloga Rosely Sanches.
Das áreas de florestas e cerrados da região, descritas no último trabalho de campo realizado pelo ISA e pela Atix em 1999, muitas desapareceram e outras áreas foram intensamente alteradas. Mudanças confirmadas por informações que constam nos mapas elaborados pelo Instituto Socioambiental em 2000.
Fazendo um retrospecto do período 1994-2000 pode-se verificar que os desmatamentos em toda a região, excetuando-se o Parque Indígena aumentaram cerca de 40%. Passaram de 23,8 mil km2 para 33,7 mil km2. No período considerado perdeu-se um terço da cobertura vegetal dessa região.
Dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) mostram que em 2000, o desmatamento de áreas de floresta na Bacia do Rio Xingu, localizadas fora de áreas protegidas, somou 2,9 milhões de hectares, o equivalente a pouco mais que um Parque do Xingu. Embora, daí em diante, os números estejam baixando, ainda são alarmantes. Em 2001, por exemplo, o Inpe registrou um índice de 238 mil hectares e no ano passado, o desmatamento em áreas de floresta alcançou 131 mil hectares. (clique aqui para saber mais sobre o desmatamento na Amazônia Legal).
Menos gado, mais soja À medida que a equipe avançava em seu percurso, observava que a maioria dos desmatamentos era recente - principalmente na área de floresta de transição entre o Cerrado e a Amazônia - e tinha relação com a abertura de novas áreas para o plantio da soja. Segundo a Empresa de Assistência Rural do Estado do Mato Grosso (Empaer), o cultivo da soja tornou-se a atividade agrícola predominante em todo o leste mato-grossense, que envolve parte da bacia do Rio Xingu e parte do Vale do Araguaia, rio que delimita a fronteira com Goiás.
Apesar desse avanço, que acontece também sobre áreas de pecuária, a soja não conseguiu ainda desbancar a pecuária, que ocupa mais de 50% das terras produtivas do leste do Mato Grosso, de acordo com a Empaer. A substituição do boi pela soja se explica por várias razões:queda de produtividade da pecuária devido à degradação do solo; disponibilidade maior de crédito; facilidade de manejo do cultivo; produtividade; rentabilidade. O preço das sacas de soja é determinado pelo mercado internacional, pela bolsa de Chicago, pelo mercado interno e pela cotação do dólar. Em setembro de 2003, o valor da saca estava em torno de R$ 34,00 (ou US$ 11).
"O preço da soja está no auge de uns dois anos para cá, está muito bom. O produtor que consegue colher 50 sacas por hectare tem um retorno de cerca de 35%", explica Vericimo Pucheta, gerente da Bunge Brasil, em Canarana, uma das empresas compradoras e armazenadoras do grão." Já o retorno da pecuária é da ordem de 10%, segundo dados da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa).
Esse fenômeno é reflexo do que acontece em todo o Estado do Mato Grosso e no território nacional. De acordo com o último levantamento da safra 2002/2003 realizado pela Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, no Mato Grosso a soja teve um aumento de 20% na produção, passando de 3,8 milhões de toneladas em 2001/2002 para 4,6 milhões em 2002/2003.
Fiscalização no Xingu
Não é de hoje que os índios estão preocupados com o que se passa nos limites do Parque Indígena do Xingu. Ali vivem 14 etnias diferentes, com culturas e costumes diversos. As operações de fiscalização tiveram início em 1989, quando começaram a ser instalados os postos indígenas de vigilância (PIVs) junto a alguns rios. A meta principal dos PIVs era controlar a invasão da área do Parque por pescadores e caçadores. Com o tempo, veio a idéia de vigiar os limites do parque, fora do alcance dos rios. A expedição de maio foi a primeira com o objetivo de mapear os efeitos da expansão da soja no entorno do parque.
Alguns integrantes da Atix acabaram se tornando fiscais colaboradores do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama). Essa parceria rendeu apoio do órgão federal a algumas expedições, ao mesmo tempo em que os índios auxiliam os funcionários do Ibama com o conhecimento que possuem da região.
Mairawë Kaiabi, presidente da Atix, considera que a parceria pode gerar resultados mais significativos, já que a ação local do Ibama ainda é tímida e acaba não barrando irregularidades, como a derrubada de mata fora dos limites estabelecidos por lei. A Atix também está em contato com a Polícia Federal e a Fundação do Meio Ambiente do Estado do Mato Grosso (Fema), com o objetivo de proteger e fiscalizar o entorno do parque.
Ricardo Barretto, ISA BRASIL
Por Ricardo Barretto, com colaboração de Eduardo Utima, Flávio Soares, Maria Inês Zanchetta, Mônica Takako Shimabukuro, Rodrigo Castardo, Rose Rurico e Rosely Sanches.
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