Sim, nós podemos mudar foi o mote da campanha eleitoral do presidente Barack Obama, de cuja sinceridade e idealismo poucos então duvidavam, e uma maioria depositava em sua figura expectativas muito além das possibilidades humanas.
Ao contrário de Lula da Silva no início do primeiro mandato, quando criticá-lo era considerado sacrilégio ou mera demonstração de preconceito contra o homem que veio de baixo, chegou lá, e ainda mantinha a aura de santidade que, afinal, revelar-se-ia falsa, o presidente americano, apesar da singularidade de sua figura, não tardou a ver sua popularidade minguar.
Embora tenha errado ao passar a mão sobre as cabeças dos torturadores da CIA e censurado a divulgação de duas mil fotos de prisioneiros americanos maltratados em cárceres no exterior negando suas belas alocuções sobre transparência e o dever de prestar contas de seus atos, a tal accountability a realidade demonstra que Obama paga não só por seus pecados, mas pelas virtudes.
O homem mais poderoso do mundo, descontados os seus pecados, tem se esforçado em cumprir sua principal promessa eleitoral, a reforma do sistema de saúde pública, ameaçada pela força dos interesses contrariados.
Milhões estão sendo gastos com lobistas na tentativa de minar qualquer mudança substantiva na saúde. Há seis lobistas registrados para cada parlamentar, e a indústria faz generosas doações a políticos para sabotar a nova legislação.
Seguradoras, hospitais e companhias farmacêuticas flexionam sua musculatura financeira para, em detrimento dos mais de quarenta milhões de americanos sem cobertura de saúde, preservar seus lucros escandalosos.
Beira os 400 milhões de dólares, só nos últimos meses, o investimento do lobby, cuja munição é farta nessa batalha desigual. Prática legal nos Estados Unidos, embora nem sempre moralmente defensável, como é o caso, o lobby às claras permite à sociedade ver as coisas além das aparências. E, se Obama muito provavelmente falhar na tentativa de promover a reforma, terá naufragado, como vários de seus antecessores, sob o peso de generosas contribuições a parlamentares e enormes dispêndios em propaganda.
O democrata Max Baucus, presidente do comitê do Senado que projeta a nova lei, é o maior beneficiário de doações do setor de saúde, e fiador da irredutibilidade nos preços dos medicamentos ‑ uma das formas de o governo baixar os crescentes custos do sistema de saúde.
Defender interesses não é crime, como disse José Antônio Toffoli, mas as regras desse jogo, tão antigo, imutável e desigual quanto a humanidade, são um paradoxo nos sistemas democráticos.
Quem almeja altos e duradouros índices de popularidade jamais haverá de arriscar-se na luta por reformas contra tudo isso que está aí, como pregava Lula, que logo percebeu bem mais vantajoso não ser contra nem a favor de mudanças, muito pelo contrário.
Luiz Leitão
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