Até os mais pessimistas ficaram surpresos com os resultados positivos da Conferência Nacional de Comunicação, ocorrida em Brasília de 14 a 17 de dezembro. Com garra, firmeza de princípios e extrema habilidade, os setores sociais que há muito lutam contra a ditadura midiática instalada no país emplacaram inúmeras vitórias. O processo em si já tinha sido surpreendente, envolvendo quase 30 mil pessoas em suas etapas preparatórias a Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj) estima em cerca de 60 mil participantes , num esforço pedagógico sem precedentes na história.
Mas a Confecom foi além do saldo político. Logo na abertura, ela ainda correu risco de implodir, em função de mais uma chantagem da bancada empresarial vinculada à Associação Brasileira de Radiodifusores (Abra) que reúne a TV Bandeirantes e a RedeTV!. Mas, em um novo gesto de flexibilidade para garantir a participação democrática deste setor e dar legitimidade ao evento, os obstáculos foram removidos e os debates de conteúdo contagiaram os 1.684 delegados dos três segmentos 20% dos poderes públicos, 40% dos movimentos sociais e 40% dos empresários.
672 propostas aprovadas
Após quatro dias de acalorados embates, a 1ª Confecom aprovou 672 propostas 601 nos grupos de trabalho e 71 mais polêmicas na plenária final. No seu conjunto, elas são bastante avançadas e sinalizam para importantes mudanças nos meios de comunicação do país. Elas servirão de baliza para iniciativas do Executivo e para projetos do Legislativo. No seu programa semanal de rádio, o presidente Lula se comprometeu em transformar várias propostas em projetos de lei. Vamos trabalhar no Congresso Nacional para que a gente tenha o marco regulatório condizente com as necessidades de democratizar, cada vez mais, os meios de comunicação no Brasil, prometeu.
Uma das propostas mais marcantes da Confecom é a que indica a criação do Conselho Nacional de Comunicação Social, vinculado ao Poder Executivo e composto de forma tripartite. Ele teria a finalidade de contribuir na regulamentação e regulação do setor e contaria, pela primeira vez na história do país, com a participação de representantes dos movimentos sociais. O governo Lula já sinalizou que deverá instituir o órgão ainda em 2010. Também foi aprovada a idéia do Conselho Federal de Jornalismo para disciplinar o exercício da profissão e barrar a sua desregulamentação. Uma nova lei de imprensa, que elimine a atual libertinagem no setor, passou quase por consenso.
Avanços das rádios comunitárias
Outro avanço histórico se deu com a assinatura de uma carta de intenções entre representantes do governo e a Associação Brasileira de Rádios Comunitárias (Abraço), que sinaliza para o fim da odiosa criminalização do setor. Entre outros pontos, ela indica a criação da subsecretaria de radiodifusão comunitária, agilização na tramitação dos processos de outorga, revogação da legislação que considera crime a operação de emissoras sem autorização, aumento do número de canais destinados às emissoras comunitárias e destinação de publicidade institucional.
A Confecom ainda aprovou a criação de um programa nacional de banda larga, visando enfrentar a exclusão digital; a destinação de recursos da publicidade oficial para veículos comunitários e alternativos; maior rigor nas outorgas e concessões para redes privadas de rádio e TV; redução do capital estrangeiro nos meios de comunicação de 30% para 10%; proibição do controle por determinado grupo de mais de 25% da grade de programação em qualquer plataforma; criação de um observatório de mídia e direitos humanos, entre outras dezenas de propostas avançadas.
A gritaria dos barões da mídia
O caráter progressista da Confecom é evidente. Tanto que ela gerou violenta gritaria dos barões da mídia que se acovardaram e não participaram da conferência, revelando toda a hipocrisia do seu discurso em defesa da liberdade de expressão e da democracia. A prepotente Associação Brasileira de Emissoras de Rádio de Televisão (Abert), teleguiada pela TV Globo, considerou o resultado da conferência preocupante, um retrocesso. Até o Jornal Nacional foi acionado pela família Marinho para questionar a legitimidade do evento e para atacar suas resoluções.
No mesmo rumo, a decrépita Associação Nacional dos Jornais (ANJ), que reúne Folha, Estadão, O Globo e outros jornalões oligárquicos, também esperneou. Em editorial, o Estadão rotulou as propostas de ideologicamente enviesadas que, se transformadas em lei, restringiriam a liberdade de informação e criariam obstáculos à ação da iniciativa privada no setor, a pretexto de promover o controle público, social e popular das atividades jornalísticas. Para o rancoroso Estadão, as ominosas propostas aprovadas pela 1ª Confecom... expressam a vontade de grupelhos políticos, corporações profissionais e máquinas sindicais azeitadas à custa de dinheiro público.
Organicidade e pressão social
A reação hidrófoba das máfias empresariais que sabotaram o evento comprova que a pressão será brutal para impedir que suas resoluções sejam aplicadas. Em tom de ameaça, típica de um jornal golpista que não tem compromisso com a democracia, o Estadão chega a sugerir que o presidente Lula jogue na lata de lixo as propostas aprovadas. Como argumenta Bia Barbosa, integrante do Coletivo Intervozes, a 1ª Confecom representou importante vitória dos movimentos sociais, mas de uma luta que promete ser dura e prolongada. Venceu-se uma batalha, mas não a guerra!
Será necessário reforçar a organicidade da militância que luta contra a ditadura midiática e elevar a pressão social para garantir que as propostas democraticamente aprovadas sejam, de fato e com o tempo, aplicadas e não virem letra morta. As comissões pró-conferência criadas em todos os estados da federação demonstraram capacidade para aglutinar vários setores sociais, tornando-se um espaço de unidade na diversidade e garantindo amplitude ao movimento pela democratização da comunicação. O ideal é que elas sejam mantidas e tenham uma agenda permanente de ação.
Pautar a sucessão presidencial
Outras articulações que floresceram neste rico processo da Confecom como a dos blogueiros e a dos empresários progressistas da imprensa alternativa também podem e devem ganhar maior organicidade, somando-se aos movimentos já existentes, como o das rádios comunitários, Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC), Fórum de Mídia Livre e tantos outros. O fortalecimento destas organizações, respeitando-se a pluralidade de seus atores, será decisivo para garantir a aplicação das propostas aprovadas inclusive a convocação da 2ª Confecom.
Este movimento unitário terá papel fundamental na nova realidade criada com a conferência de Brasília. Muitas propostas aprovadas não dependem de votações no Legislativo, o que seria uma temeridade num ano eleitoral. O governo Lula pode, de imediato, instituir o Conselho Nacional de Comunicação ou adotar medidas para descriminalizar as rádios comunitárias. Além disso, a batalha da sucessão presidencial permite que o tema estratégico da democratização dos meios de comunicação seja pautado para todos os candidatos. Ou seja: há muito que fazer no próximo período! Organicidade e pressão social são as palavras-chaves para a nova fase que se abre.
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