Milton Lourenço (*)
SÃO PAULO Em 2008, a Argentina foi o segundo maior parceiro do Brasil, logo depois dos EUA, com uma corrente de comércio que acumulou a cifra recorde de quase US$ 31 bilhões, valor que representou uma expansão de quase 25% de 2007 para 2008. Mas, em pouco mais de seis meses, tudo isso está indo por água abaixo, com as exportações brasileiras para a Argentina perdendo, de maneira acelerada, espaço para os produtos chineses.
Só no primeiro trimestre deste ano a retração foi de 39%, enquanto a China não pára de ampliar sua participação, em detrimento das vendas brasileiras, especialmente nos setores de papel, calçados, produtos farmacêuticos, instrumentos fotográficos, óticos, médicos e musicais, brinquedos e acessórios de vestuário. No caso de têxteis e vestuário, por exemplo, o Brasil vendia 40% a mais do que a China no primeiro trimestre de 2008, relação que se reverteu neste ano, com o país asiático vendendo cerca de 20% a mais que o Brasil, segundo dados da empresa de consultoria argentina Abeceb.com.
O avanço chinês também é realidade no mercado brasileiro. Em abril deste ano, a China ultrapassou os EUA e já é o principal parceiro comercial brasileiro 12,9% das exportações do Brasil são para a China. O nó górdio da questão é que as nossas vendas concentram-se em matérias-primas, pois os produtos manufaturados representam 8% de tudo o que o País exporta para a China, ao passo que as importações que fazemos daquele país são, praticamente, de produtos manufaturados. Nesse ritmo, o Brasil corre o risco de voltar a ser um país fornecedor de matérias-primas, como no século XIX.
Apesar disso, até agora, não se ouviu uma voz dentro do governo brasileiro sobre a perda de um tradicional mercado como a Argentina. Um silêncio que só prova duas coisas: 1 que o governo brasileiro tem sido de muito discurso, mas pouca ação; e 2 que os produtos industrializados brasileiros não são competitivos, pois, gravados por tributos escorchantes e pela falta de infra-estrutura, chegam mais caros ao mercado vizinho que os chineses, que são produzidos a milhares de quilômetros de distância.
Culpa dos chineses? É claro que não porque, na era da globalização, a competição é a norma. Portanto, o que o Brasil deveria fazer era trabalhar para melhorar a competitividade de seus produtos, em vez de colocar a culpa nos produtos estrangeiros. Como o governo não se dispõe a buscar alternativas que passem pela desoneração de tributos, não se tem boas perspectivas para o desempenho brasileiro no mercado argentino.
Por isso, a idéia que fica é que as negociações entre Brasil e Argentina pouco têm servido, exceto para a troca de acusações mútuas de protecionismo. Veja-se, por exemplo, o setor têxtil brasileiro, que tem 131 itens sujeitos a licenças não automáticas pela Argentina, forma pela qual as autoridades locais administram o que entra no país. É certo que essas licenças são válidas para todas as nações, inclusive para a China, que também enfrenta entraves como preços mínimos e processos antidumping, mas, no caso específico do Brasil, atingem 14% das nossas vendas e costumam superar o prazo de 60 dias, tempo-limite estabelecido pelas normas da Organização Mundial do Comércio (OMC).
Também a indústria brasileira de brinquedos acusa o governo argentino de utilizar barreiras informais para restringir a entrada de seus produtos, apesar do Mercosul. Para esse setor, nada representam as políticas de atração de investimentos e apoio dos dois governos ao investimento estrangeiro direto e às exportações, como as linhas de financiamento pré e pós-embarque do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).
Igualmente o setor de calçados pouco se tem beneficiado dessas ações. Afinal, viu a sua fatia no mercado argentino cair de 71% em 2005 para 45% neste ano. Em 2009, as importações argentinas de calçados da Ásia já chegaram a 2,6 milhões de pares, ao passo que o Brasil vendeu 2,2 milhões para aquele mercado.
É verdade que, em 2004, quando o Mercosul já carregava treze anos de existência, o valor das transações entre Brasil e Argentina foi pouco superior a US$ 11 bilhões. E que, em menos de cinco anos, Brasil e Argentina triplicaram sua corrente de comércio, com boa qualidade e diversidade na pauta exportadora de cada um dos países. Sem contar que, em 2008, cerca de 90% do valor total das exportações brasileiras para a Argentina foram de produtos industrializados, do mesmo modo que quase 85% do valor total das exportações argentinas para o Brasil foram de produtos industrializados, segundo dados do MDIC.
Tudo isso, porém, pode virar pó, se não houver entre os dois governos mais espírito de integração que resulte em estratégias comuns para enfrentar a concorrência chinesa.
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(*) Milton Lourenço é presidente da Fiorde Logística Internacional e diretor do Centro de Logística de Exportação (Celex), de São Paulo-SP.
E-mail: [email protected] Site: www.fiorde.com.br
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