A Guerra Fria 2.0 atingiu a América do Sul com um estrondo - colocando os EUA e esperados lacaios contra os quatro pilares-chave da integração em andamento da Eurásia: Rússia, China, Irã e Turquia.
Artigo publicado originalmente no Strategic Culture/Moscou
Tradução: Olivia Ramos
Pepe Escobar é jornalista e correspondente de várias publicações internacionais
A Guerra Fria 2.0 atingiu a América do Sul com um estrondo - colocando os EUA e esperados lacaios contra os quatro pilares-chave da integração em andamento da Eurásia: Rússia, China, Irã e Turquia.
É o petróleo, idiota. Mas há muito mais além do que se consegue ver.
Caracas cometeu o derradeiro pecado capital aos olhos do Exceptionalistan*; negociação de petróleo ignorando o dólar dos EUA ou as bolsas controladas pelos EUA.
Lembre-se do Iraque. Lembre-se da Líbia. No entanto, o Irã também está fazendo isso. A Turquia está fazendo isso. A Rússia está - parcialmente - a caminho. E a China acabará comercializando toda a sua energia em petroyuan.
Com a Venezuela adotando a petro-cripto-moeda e o soberano bolívar, já no ano passado o governo Trump havia imposto sanções a Caracas isolando-a do sistema financeiro internacional.
Não é uma surpresa que Caracas seja apoiada por China, Rússia e Irã. Eles são a verdadeira troica da pesada - a "troika da tirania" estilo desenho animado de John Bolton - lutando contra a estratégia de domínio de energia do governo Trump, que consiste essencialmente em visar o bloqueio total do comércio de petróleo em petrodólares, para sempre.
A Venezuela é uma peça-chave na máquina. O assassino psicótico Bolton admitiu isso no registro: "Será uma grande diferença para os Estados Unidos economicamente se pudermos ter companhias petrolíferas americanas investindo e produzindo as capacidades petrolíferas na Venezuela." Não se trata apenas de deixar a ExxonMobil assumir as enormes reservas de petróleo da Venezuela - as maiores do planeta. A chave é monopolizar sua exploração em dólares americanos, beneficiando alguns bilionários das grandes petrolíferas.
Mais uma vez, a maldição dos recursos naturais está em jogo. Não se deve permitir que a Venezuela lucre com sua riqueza em seus próprios termos; assim, o Exceptionalistan determinou que o Estado venezuelano deve ser quebrado.
No final, trata-se de guerra econômica. Observe que o Departamento do Tesouro dos EUA impõe novas sanções à PDVSA que equivalem a um embargo de petróleo de fato contra a Venezuela.
Revivendo uma guerra econômica
A esta altura, está firmemente estabelecido que o que aconteceu em Caracas não foi uma revolução cromática, mas um antigo golpe promovido pelos Estados Unidos usando elites intermediárias locais, instalando como "presidente interino" uma grandeza desconhecida, com sua cara de coroinha de Obama parece mascarar extrema credenciais de direita.
Todos se lembram da frase "Assad deve ir embora". O primeiro estágio da revolução da cor da Síria foi a instigação da guerra civil, seguida por uma guerra por procuração via mercenários jihadistas multinacionais. Como Thierry Meyssan observou, o papel da Liga Árabe é agora desempenhado pela OEA. E o papel dos Amigos da Síria - agora na lixeira da história - atualmente é realizado pelo grupo de Lima, o clube dos vassalos de Washington. Em vez dos "rebeldes moderados" de al-Nusra, podemos ter mercenários colombianos ou uma variedade de "rebeldes moderados" treinados pelos Emirados.
Ao contrário das notícias falsas da imprensa corporativa ocidental, as últimas eleições na Venezuela foram absolutamente legítimas. Não havia como adulterar as máquinas de votação eletrônica de Taiwan. O Partido Socialista, no poder, obteve 70% dos votos; a oposição, com muitos partidos boicotando, obteve 30%. Uma séria delegação do Conselho de Especialistas Eleitorais da América Latina (Ceela) foi inflexível; a eleição refletiu "pacificamente e sem problemas, a vontade dos cidadãos venezuelanos".
O embargo americano pode ser cruel. Paralelamente, o governo de Maduro pode ter sido extremamente incompetente por não diversificar a economia e investir na autossuficiência alimentar. Os principais importadores de alimentos, especulando como se não houvesse amanhã, estão se dando muito bem. Ainda assim, fontes confiáveis em Caracas dizem que os barrios - os bairros populares - permanecem em grande parte pacíficos.
Em um país onde um tanque cheio de gás ainda custa menos que uma lata de Coca-Cola, não há dúvida de que a escassez crônica de alimentos e remédios nas clínicas locais obrigou pelo menos dois milhões de pessoas a deixar a Venezuela. Mas o principal fator de execução é o embargo dos EUA.
O relator da ONU para a Venezuela, especialista em Direito Internacional, e ex-secretário do Conselho de Direitos Humanos da ONU, Alfred de Zayas, vai direto ao ponto; muito mais do que se envolver na demonização proverbial de Maduro, Washington está travando uma "guerra econômica" contra uma nação inteira.
É esclarecedor ver como o "povo venezuelano" vê a charada. Em uma pesquisa conduzida por Hinterlaces antes mesmo do sonho molhado do golpe/mudança de regime do governo Trump, 86% dos venezuelanos disseram que eram contra qualquer tipo de intervenção dos EUA, militar ou não.
E 81% dos venezuelanos disseram que eram contra as sanções dos EUA. Tanto esforço por parte da interferência estrangeira "benigna" em nome da "democracia" e dos "direitos humanos".
O fator Rússia-China
Análises de observadores informados, como Eva Golinger e, acima de tudo, do coletivo Mision Verdad são extremamente úteis. O que é certo, no verdadeiro modo Império do Caos, é que o manual americano, além do embargo e da sabotagem, visa fomentar a guerra civil.
Os "grupos armados" desonestos têm estado ativos nos bairros de Caracas, atuando na calada da noite e ampliando "inquietação social" nas mídias sociais. Ainda assim, Guaidó não tem absolutamente nenhum poder dentro do país. Sua única chance de sucesso é se ele conseguir instalar um governo paralelo - aproveitando a receita do petróleo e mandando Washington prender membros do governo com acusações forjadas.
Independente dos sonhos molhados neoconservadores, os adultos do Pentágono devem saber que uma invasão da Venezuela pode de fato se metastatizar em um atoleiro tropical estilo Vietnã. Hamilton Mourão, homem forte brasileiro na espera, vice-presidente e general aposentado, já disse que não haverá intervenção militar.
O truque do noticiário do assassino psicótico Bolton sobre [o envio de] "cinco mil soldados para a Colômbia", é uma piada; esses não teriam chance contra os indiscutivelmente 15 mil cubanos que estão encarregados da segurança do governo de Maduro; os cubanos demonstraram historicamente que não estão interessados em entregar o poder.
Tudo volta ao que a China e a Rússia podem fazer. A China é o maior credor da Venezuela. Maduro foi recebido por Xi Jinping no ano passado em Pequim, recebendo US$ 5 bilhões em empréstimos e assinando pelo menos 20 acordos bilaterais.
O presidente Putin ofereceu seu total apoio a Maduro por telefone, enfatizando diplomaticamente que "a interferência destrutiva do exterior viola descaradamente as normas básicas do Direito Internacional".
Em janeiro de 2016, o petróleo caiu a ponto de chegar a US$ 35 por barril; um desastre para os cofres da Venezuela. Maduro então decidiu transferir 49,9% da propriedade estatal na subsidiária norte-americana da PDVSA, a Citgo, para a russa Rosneft por apenas um empréstimo de US$ 1,5 bilhão. Isso tinha que enviar uma onda de luzes vermelhas pelo rodoanel; esses "malvados" russos eram agora donos dos principais ativos da Venezuela.
No final do ano passado, ainda precisando de mais recursos, Maduro abriu a mineração de ouro na Venezuela para empresas de mineração russas. E tem mais; níquel, diamantes, minério de ferro, alumínio, bauxita, todos cobiçados pela Rússia, China - e os EUA. Quanto a US$ 1,3 bilhão do ouro da Venezuela, esqueça repatria-lo do Banco da Inglaterra.
E então, em dezembro passado, veio a gota d'água que arrasou com o Estado Profundo; o voo de amizade de dois bombardeiros russos Tu-160. Como eles ousam? No nosso próprio quintal?
O plano diretor de energia do governo Trump pode ser de fato anexar a Venezuela a um cartel paralelo "Nasapec", capaz de rivalizar com a história de amor da Opep + entre a Rússia e a Casa de Saud.
Mas mesmo que isso tenha se concretizado, e acrescentado uma possível aliança conjunta de GNL EUA-Catar, não há garantia de que isso seria suficiente para garantir a preeminência dos petrodólares - e da petrogás - a longo prazo.
A integração energética da Eurásia vai ignorar principalmente o petrodólar; isso está no cerne da estratégia dos Brics e da SCO. Do gasoduto Nord Stream 2 ao gasoduto natural TurkStream, a Rússia está fechando uma parceria energética de longo prazo com a Europa. E o domínio petroyuan é apenas uma questão de tempo. Moscou sabe disso. Teerã sabe disso. Ankara sabe disso. Riad sabe disso.
Então, e o plano B, neoconservadores? Prontos para o seu Vietnã tropical?
Subscrever Pravda Telegram channel, Facebook, Twitter