"Para ter eleições democráticas precisamos manter 'Abaixo o golpe' como lema fundamental"
Para ativista, apenas um "ritual democrático" como a Constituinte de 1988 não resolverá os problemas do país; somente uma "democracia de fato" interessa à população
Eduardo Vasco, Pravda.Ru
Em meio à iminente destituição do presidente Michel Temer, que assumiu o cargo após o impeachment de Dilma Rousseff em um processo que pode ser caracterizado como golpe de Estado institucional, discute-se qual o melhor caminho para se resolver a atual crise política no Brasil.
Grandes manifestações já foram realizadas para pedir o "Fora Temer" e eleições gerais, relembrando o movimento das Diretas Já que pedia eleições diretas para presidente da República no final da ditadura militar, em 1984. Também pedidos de impeachment de Temer estão sendo protocolados no Congresso Nacional.
Para o cientista social e ativista de esquerda Leandro Monerato, "a derrota do golpe virá das ruas". E, para que isso ocorra, os movimentos sociais e a população devem dar prioridade à luta contra o golpe de Estado e pela retomada do segundo mandato de Rousseff, interrompido em 2016.
"O golpe foi a derrubada de Dilma; ser contra o golpe significa, por princípio, a devolução de seu mandato", aponta o também editor do jornal antifascista "O Homem Livre", que denunciou movimentações e atentados de extrema-direita contra sindicatos e partidos de esquerda durante o crescimento dos protestos que ajudaram a derrubar a ex-presidente da República.
Ainda há esse perigo fascista?
Nesse momento, falando numa terminologia mais precisa, diríamos que o perigo maior é uma ditadura de tipo bonapartista, comandada pela burocracia estatal (Forças Armadas, Judiciário). Mas essas ditaduras na América Latina assumiram sempre caracteres fascistoides, e não será diferente. O fascismo é sim um perigo que emerge da crise atual, não só no Brasil, como no mundo.
Então você teme que a queda de Michel Temer possa dar lugar a um governo assim?
Difícil afirmar com certeza qual variante o processo assumirá. Mas a derrubada de Temer iniciada pela Globo, dada uma situação crítica que o golpe atravessa, não se mostrou algo tão simples como, provavelmente, os golpistas pensaram que seria. As lutas internas da burguesia, a dificuldade de um setor impor-se decisivamente sobre o outro, está desmoralizando completamente o regime político como um todo. A derrubada de Temer, por sua vez, mostra que o Congresso por mais reacionário que seja é um obstáculo aos planos golpistas; a burguesia discute todos os dias se este regime que aí está não será capaz de levar a frente os planos de destruição do país. O uso cada vez mais frequente do exército como árbitro da situação política é um sinal claro disso.
O que virá imediatamente após a queda de Temer dependerá muito da velocidade que conseguirão realizar a manobra. Quanto maior a demora, maior o desgaste e maior a probabilidade de uma saída de força.
Eleições diretas poderiam impedir isso?
Por si só não. Não acredito em soluções mágicas, principalmente na luta contra um golpe de Estado que cartelizou toda a imprensa e controla todos os aparelhos do Estado. O que pode impedir isso é a mobilização das massas trabalhadoras e progressistas que imponham uma derrota ao golpe, seja via eleição direta, seja via anulação, etc.
A derrota do golpe virá das ruas. Mesmo uma eleição realmente democrática será subproduto de um choque de força entre as classes.
Seria como as Diretas Já de 1984?
Acho difícil qualquer comparação com 1984. A situação era outra. A ditadura havia sido colocada na lona pelo movimento operário. As Diretas Já de 1984 ocorreram no cume de um processo que havia sido dirigido pelo "Abaixo a Ditadura".
O problema é que as Diretas Já agora confundem aqueles que querem derrotar o golpe, a ditadura, e os próprios golpistas que querem se disfarçar.
Ou seja, para que tenhamos eleições democráticas precisamos manter "Abaixo o golpe" como lema fundamental.
Pois para que isso ocorra precisaremos derrotar os golpistas e não conciliar com eles.
Mas parece que essa palavra de ordem ainda tem baixa adesão... Vários setores da esquerda consideram que isso significa uma volta aos governos petistas e não querem isso.
Isso poderia ser discutido se ela tivesse sido levantada realmente pelas lideranças das organizações de massas que participam na luta contra o golpe. Após o impeachment, muitos setores se deram por vencidos, as lutas parciais predominaram por um período, o "Fora Temer" como vemos não toca no ponto nevrálgico do problema. O que mais se aproximou de uma luta frontal contra o golpe foi a ocupação de Curitiba contra a Lava Jato e o capacho Sérgio Moro.
Essa posição desses grupos é uma posição oportunista. Querem aproveitar o golpe da direita para avançar interesses particulares. O golpe foi a derrubada de Dilma. Ser contra o golpe, significa, logicamente, ou seja, por princípio, a devolução de seu mandato.
Em todos os lugares que levantamos "Abaixo o golpe" a aprovação é enorme. As bases entendem e desejam a queda de todos os golpistas. Se PT, CUT, UNE, MST, toda a esquerda levantar em uníssono a palavra de ordem tenho certeza que ela teria muito mais apelo do que "Diretas". A experiência das eleições municipais de 2016 é muito recente.
A desmoralização do regime político é profunda nas massas. Ninguém acredita mais num pacto com as forças golpistas e reacionárias que dominam o país há séculos.
Não queremos cometer os mesmos erros de 1988; não queremos apenas um ritual democrático, queremos democracia de fato.
A luta contra a possível prisão do ex-presidente Lula é fundamental nesse processo? Aqueles que querem a prisão de Lula mas também querem a saída de Temer não estão entendendo o que está acontecendo, são ingênuos?
A luta contra a prisão de Lula certamente é central. Uma ditadura para se impor não começa por liquidar setores revolucionários inexpressivos, mas setores democráticos que são uma alternativa real, que podem canalizar a luta contra esta ditadura de modo imediato.
Não acho que se trata de ingenuidade. A formação de uma opinião pública é um processo muito complexo. Como disse, acredito que se perguntados de forma correta todos desejam não a queda de Temer, mas do Congresso que realizou aquele espetáculo de horror, o STF que acoberta o golpe, enfim, a queda de todo o golpe. O problema do "Fora Temer" é que permite que setores que defendem a prisão de Lula, como PSTU, saiam às ruas juntos. Ou seja, a questão não é da palavra em si, mas da dinâmica real das forças na luta de classes. E não se pode esperar que todos compreendam isso de forma imediata. Mas a experiência, o desenrolar da luta, mostrará que aquilo que une antigolpistas e golpistas só pode favorecer os últimos. Devemos atuar aí e ajudar esse processo.
Essa luta também é uma luta contra a subordinação do Brasil aos EUA? Há diversas denúncias de que a Lava Jato atua a serviço dos EUA. Por que os EUA teriam interesse de impedir o PT de governar?
Com certeza. O golpe é uma iniciativa do imperialismo que utiliza seus vassalos locais (PSDB, DEM, etc.). A equipe da Lava Jato esteve em turnê nos EUA tempos atrás relatando os seus feitos. Eles estão abrindo mercados bilionários para os norte-americanos no Brasil.
A vida é complexa. Vemos em várias partes do globo ex-aliados do imperialismo serem derrubados por ele sem cerimônia. A burguesia não casa por amor. Nesse momento, o colapso econômico está obrigando o imperialismo a adotar uma política muito agressiva contra os países atrasados. Nem mesmo uma mísera concessão é permitida. Por isso o PT está sendo derrubado. Mas não se trata de um mero saque de mão. Eles querem reformular todo o regime, excluir qualquer participação popular no Estado, para poder extrair daqui e de todo o continente o nosso sangue e nossa riqueza por décadas. O imperialismo está jogando uma partida estratégica em todo o continente.
O nacionalismo burguês de um modo geral, ou seja, mundial, está ameaçado. Veja-se a Turquia, Egito, Rússia, etc.
E Lula e o PT são um obstáculo a essa dominação?
A classe operária organizada sobre a qual eles se apoiam são o obstáculo. Qualquer coisa que não seja representante direta do imperialismo está descartada.
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