Posse do Presidente Lenín Moreno no Equador: A Derrota da Grande Mídia e da Direita Regional
Especialistas equatorianos procurados pela reportagem analisam a campanha presidencial no Equador, os desafios do novo governo para seguir com as conquistas da Revolução Cidadã e a importância da vitória de Aliança País para a América Latina
por Edu Montesanti
Lenín Moreno assumiu a Presidência do Equador no último dia 24 para o período 2017-2021, sucedendo Rafael Correa que esteve à frente da Revolução Cidadã desde 2007, a qual promoveu a denominada Década Ganha na nação andina após uma sucessão de governos neoliberais desastrosos que, apenas entre o final dos anos de 1990 e início de 2000, levou cerca de um milhão de equatorianos a deixar o país, de um total de 10 milhões de habitantes à época de uma das piores crises econômicas de sua história que mergulhou o país na miséria e nos mais altos índices de violência da América Latina.
"Sou presidente de todos, é minha obrigação para com todos e respeito a todos", afirmou na solenidade de posse Moreno, diante de dezenas de chefes de Estado, prometendo mais subsídios para os pobres e um importante programa social de construção de casas que criaria milhões de empregos. "Vou trabalhar para que absolutamente ninguém seja esquecido".
O novo presidente equatoriano e seu companheiro de chapa por Aliança País, o vice-presidente Jorge Glas, venceram uma campanha suja perpetrada pela direita e pela grande mídia local em segundo turno realizado no dia 2 de abril, com 51,16 por cento de votos contra 48,15 por cento do sufrágio em favor do banqueiro Guillermo Lasso do movimento CREO-SUMA (o que representa apenas 600 mil votos de diferença), apoiado pela direita venezuelana e também preferido de longa-data de Washington, segundo revelações de cabos secretos da Embaixada dos Estados Unidos em Quito liberados por WikiLeaks. Ao final do pleito houve, uma vez mais, amplo reconhecimento internacional ao sistema eleitoral equatoriano enquanto os partidários de Lasso prometiam agredir fisicamente os adversários e atacar órgãos públicos do país.
Enquanto Lasso prometia uma volta ao passado, isto é, a privatização em larga escala, cortes drásticos nos investimentos sociais e abertura da economia e das riquezas naturais ao capital estrangeiro, as promessas de Moreno centram-se no seguimento às políticas de seu antecessor através de um Estado atuante baseado em políticas inclusivas, e ao avanço da agenda de direitos humanos e de integração latino-americana.
Moreno traçou um esquema de atenção social e de apoio ao desenvolvimento produtivo, que inclui saúde e educação gratuitas, a geração de 200 mil empregos para reaquecer a economia, e o oferecimento de créditos preferenciais a jovens empreendedores e empresários que se invistam em setores estratégicos. Além do mais, o governo Moreno manterá o asilo político a Julian Assange na Embaixada equatoriana em Londres, já que Quito tem considerado a luta do jornalista australiano fundamental em favor da liberdade de expressão e liberdade de imprensa, enquanto Lasso prometia expulsar Assange dali tão logo assumisse a Presidência.
"A eleição de Lenin Moreno desfaz o discurso do 'fim da era progressiva na América Latina', incentivando tanto os movimentos sociais progressistas internos quanto regionais para que continuem fazendo com que o Estado mantenha sua razão de existir", afirma a esta reportagem a equatoriana Gina Chávez Vallejo, doutora em Direito, Ciências Políticas e Criminologia pela Universidade de Valência na Espanha, e decana do Centro de Direitos e Justiça do Instituto de Altos Estudos Nacionais, sediado em Quito.
Porém, os desafios não são poucos para o novo presidente do Equador diante de uma longa e acentuada crise econômica mundial, da vertiginosa queda do preço do barril do petróleo, do terremoto de 7,8 graus na escala Richter em abril do ano passado, maior tragédia dos últimos 70 anos no país andino que matou 671 vidas, destruiu milhares de residências e espaços públicos e causou prejuízos econômicos de mais de 3,3 bilhões de dólares, fazendo o país decrescer 0,7 por cento economicamente. E mais: tudo isso dentro de uma economia sem moeda nacional, dolarizada desde janeiro de 2000.
Quem é Lenín Moreno
Administrador público e escritor de 64 anos com estudos em Medicina e Psicologia, como vice de Correa entre 2007 e 2013, Lenín Moreno, criou o programa Manuela Espejo, padrão mundial, para atender pessoas portadoras de deficiência física, com doenças paralisantes e menores contagiados pelo vírus HIV. Moreno também promoveu a entrega de moradias a este setor da sociedade e a aprovação de uma lei que obriga as empresas a contratar pessoas com necessidades especiais.
A missão solidária Manuela Espejo levou Moreno a ser o enviado especial do secretário-geral das Nações Unidas para Deficiência e Acessibilidade, de onde o então vice de Correa fez com que os países assinassem a Convenção sobre os Direitos das Personas com Deficiência, um marco nesta área ao exigir a garantia à acessibilidade, à liberdade de movimento, à saúde, à educação, ao emprego, à habilitação e reabilitação, à participação na vida política, e à igualdade e à não discriminação.
Nascido em Nuevo Rocafuerte, região amazônica do Equador e criado em família de docentes, Moreno tornou-se paraplégico em 1998 devido a um tiro após ter sido assaltado na cidade equatoriana de Guayaquil. Desde então movimentando-se apenas em cadeira de rodas, Moreno tem ministrado palestrar motivacionais sobre deficiência física, além de todos os trabalhos práticos reconhecidos dentro e fora do país. Um de seus livros leva o título Ser Feliz É Fácil e Divertido, de 2012, o que lhe valeu indicação ao Prêmio Nobel da Paz no mesmo ano.
Campanha Suja à Direita
"Em cerca de 30 anos após o retorno à democracia no Equador, não se sentia tanta tensão e expectativa em relação às eleições presidenciais, nem se sentia tanta virulência e agressividade em discursos e estratégias de campanha [por parte da direita]", ressalta Gina Chávez, apontando um cenário eleitoral bastante familiar dos países latino-americanos nestes últimos anos, no que diz respeito à direita do espectro político regional.
Tanto a doutora do IAEN quanto outros especialistas procurados pela reportagem como Diego Pérez, doutor em Ciências Políticas pela Universidade de Belgrano de Buenos Aires e mestre em Relações Internacionais pela Universidade Andina Simón Bolívar de Quito, e também docente do IAEN, além do economista e ex-presidenciável Alberto Acosta consideram que o nível da campanha foi baixo de todos os lados no que diz respeito ao debate de propostas. "A disputa apresentou muito barulho e pouco conteúdo por parte da oposição, predominando denúncias de fraude amplificadas pela mídia, claramente forças tentando tirar proveito de um estado de alarme", diz Gina, quem acrescenta que a cidadania desempenhou importante papel, apesar de certa apatia e disputa de emoções mais que de propostas".
Por parte de Lasso, dono do segundo maior banco do Equador - o Banco de Guayaquil - a precariedade foi além dos limites dadas as promessas irrealizáveis e, como nem poderia ser diferente, sem apontar meios de alcançá-las, tais como a de gerar um milhão e meio de empregos - sem dizer como e com um detalhe: o número de desempregados entre cidadãos economicamente ativos no Equador, país com menor taxa de desemprego na região (5,4%), é de 410.411.
Publicamente, o candidato neoliberal negava a prioridade em privatizações enquanto a página 48 de seu plano de governo previa a privatização da saúde e a 47, da educação. Enquanto isso, Lasso acusava a oposição governista por dizer que se eleito presidente privatizaria exatamente as áreas mencionadas em seu plano de governo. O candidato dos banqueiros cortaria em 150 por cento os investimentos públicos em saúde, 80 por cento na área da educação, privatizaria áreas verdes, a serem entregues ao setor privado enquanto Lenín Moreno sempre insistiu que elas pertencem ao povo, que a biodiversidade é um recurso estratégico e não para uso de uns poucos.
A Constituição equatoriana aprovada no primeiro ano de Correa no Palácio de Carondelet garante exatamente educação, saúde e os recursos naturais do país como direito, mas o preferido de Washington insistiu em se referir a seus usuários com clientes, e às áreas mencionadas como negócio segundo a lógica de livre-mercado irrestrito. Lasso ainda prometia eliminar 14 impostos e despedir cerca de 200 mil servidores públicos entre policiais, professores, médicos, etc. Quanto à sede da Unasul em Quito, o candidato pró-Washington também propunha fechar e vender o edifício.
Além de Lasso ter comprado os institutos de pesquisas Cedatos e Participação Cidadã que, seguidos pela mídia comercial do país, maquiaram os números desde o primeiro turno até à boca de urna no segundo turno, comprovado documentalmente, e fraudado o sufrágio em diferentes zonas eleitorais no primeiro turno, houve muita agressão verbal, física, uma ameaça de morte - contra a candidata a deputada transexual Diane Rodríguez por Aliança País, e a carta-bomba à parlamentar governista Gabriela Rivadaneira, conforme abordado por Caros Amigos em entrevista com a deputada. "O que aconteceu de 2 a 8 de abril demonstra que o objetivo do ex-candidato Lasso era vencer a qualquer custo: preparou uma estratégia orquestrada entre certos canais de TV, 4 e 8, concretamente, e pesquisadores, Cedatos e Participação Cidadã, concretamente, que atuaram de forma coordenada para declarar às 17h, após o encerramento da votação, o triunfo do Lasso", observa Gina.
Os institutos de pesquisa comprados pelo candidato do CREO-SUMA chegaram a apontar margem de vitória de até oito pontos do candidato banqueiro, enquanto os grandes meios de comunicação bombardeavam a opinião pública concedendo muito mais espaço a Lasso, sempre exibido através de imagens rodeado de gente sorrindo, enquanto Moreno era sempre focalizado sozinho - grande parte dos meios equatorianos ainda são privados, mesmo com a Lei de Comunicação aprovada em 2013.
No dia da votação em primeiro turno, em 19 de fevereiro no qual Moreno deixou de se tornar presidente sem necessidade de segundo turno por apenas 0,7 do total de votos - mais um fator que pode muito bem revelar a integridade do Conselho Nacional Eleitoral (CNE) equatoriano -, o vice de Lasso, Andrés Páez apareceu diante das câmeras de TV denunciando uma suposta cédula falsa: uma aproximação televisiva mostrou ser, contudo, um documento de identidade.
Lasso, contra quem na reta final acabou provada a posse de ao menos 49 empresas em paraísos fiscais, desde o início da campanha disse que não aceitaria os resultados que não lhe dessem vitória, e quando se confirmou a eleição de Moreno, incitou a violência de seus partidários nas ruas do país e a recontagem de votos, logo aceita por Aliança País e pelo CNE: o banqueiro acabou negando-se a participar da recontagem pública nos dias subsequentes à realização do segundo turno, que apenas confirmou a vitória governista. E as promessas do candidato banqueiro de agredir seus opositores em caso de derrota, cumpriram-se violentamente por todo o país.
Sobre os gritos histéricos da direita de que houve fraude, Gina aponta que eles foram absolutamente evasivos. "Tratou-se de uma estratégia agressiva contra a democracia e a coesão social do Equador orquestrada pela direita nacional, tanto local e que se refugiou em Miami, com ligações à direita internacional, setores empresariais muitos deles beneficiários das políticas públicas, mas que veem ameaçados seus privilégios com políticas de redistribuição, os meios de comunicação mercantilistas e certos setores sociais cujos líderes mantiveram acordos eleitorais com Lasso".
O pleito presidencial equatoriano contou con mais de 200 observadores eleitorais de diferentes organismos, nacionais e internacionais, "o que revela uma democracia em pleno e cabal funcionamento", pontua Gina. "Isso é consequência de dez anos de estabilidade democrática, quando se desenvolveram dez processos eleitorais que incluem três consultas populares sem que nenhuma força política coloque, objetivamente, em dúvida a transparência e a eficiência do sistema eleitoral". Para a missão da Unasul, cujo chefe foi o ex-presidente uruguaio Pepe Mujica, o pleito equatoriano deste ano foi, seguindo os padrões anteriores, exemplar apontando para a impossibilidade de fraude, assim como a ONU manifestou não ter identificado nenhuma anomalia no processo..
Questionada sobre a polarização existente na sociedade equatoriana hoje, Gina é enfática ao apontá-la como subproduto da oposição de direita em seu país. "É o novo estilo político das direitas a nível global que abandonam o campo da política, para disputar a liderança do caos - o caos das redes sociais e das pessoas que estão dispostas a dar corda a suas mesquinhas paixões. O objetivo é colocar em xeque aos governos que propuseram uma revolução permanente, através de uma estratégia de geração de caos permanente. As guarimbas na Venezuela e a Primavera Árabe são expressão mais clara dessa estratégia". Para Pérez, a polarização decorrente do estado de tensão desenvolvido pelos atores políticos poderia ter sido evitada também pelo governo e seu candidato.
Gina considera que a vitória de Lasso desmontaria o eficiente Estado equatoriano, levando-o de volta a um neoliberalismo que deterioraria os serviços públicos e privatizaria os setores mais rentáveis para o país, tais como o de hidrocarbonetos, o setor elétrico com as hidrelétricas construídas pelos governos Correa que exportam energia a países vizinhos, seguridade social, educação, saúde e segurança nacional."Neste sentido, o projeto neoliberal de nova geração é ainda mais agressivo que o implementado nas décadas de 1980 e 1990, e no meu modo de ver aponta não apenas à apropriação do Estado e dos recursos públicos como também à destruição da coesão social para governar no caos social".
Para a docente, a agressividade reacionária contra políticas sociais nestes tempos supera à do fascismo no século passado. "A direita está demonstrando uma intolerância contra o social não vista nem sequer no fascismo, que aplicou uma estratégia de extermínio de caráter racial mas não social. A construção da sociedade, do cidadão como inimigo, é a aposta política mais desequilibrada e atemorizante que já se experimentou até os dias de hoje".
Para a socióloga equatoriana Carol Murillo Ruiz, através das últimas eleições presidenciais "o mundo está vendo que no Equador, não há ditadura".
Os Governos Correa
"Cheguei em 2001 ao país. Encontrei um país completamente desmoralizado, decomposto, desesperançado.Causava muita frustração ver o que estava acontecendo, ver no país como se davam as medidas... absolutamente equivocadas, não em função do bem-comum, não em função do país, mas em função dos grupos de interesses: dos banqueiros, pelos politiqueiros, da burocracia do Banco Central, das burocracias internacionais. Talvez a melhor palavra que defina a situação que encontrei o país é 'decomposição'", afirmou Rafael Correa no documentário Ecuador, Diez Años Después.
Correa, desde os primeiros dias no Palácio Carondelet, denunciou o neocolonialismo norte-americano. "O que os Estados Unidos oferecem é a ditadura do neoliberalismo", sempre insistiu o mandatário. Quando o antecessor de Moreno elegeu-se presidente pela primeira vez em 26 de novembro de 2006 com 56,6 por cento dos votos em segundo turno, disputado contra o direitista Álvaro Noboa, o Equador era um dos países mais pobres da América Latina, e onde os índices de criminalidade eram muito altos. O país praticamente não existia no cenário internacional para hoje, através da estabilidade e do crescimento econômico com forte inclusão social e garantia dos direitos humanos, ser coluna vertebral da América Latina. Segundo Correa, havia ao menos cinco canais de televisão no país andino diretamente relacionados aos grandes bancos nacionais. Era necessário modificar as estruturas do poder", afirmou o novo presidente.
Logo, Correa desfez dívidas com FMI e Banco Mundial - o representante deste último, expulso do país conforme promessas de campanha: "Não aceitaremos chantagem de ninguém", disse Correa. Expulsou também a base militar estadunidense de Manta: "Não há nenhum problema em ter uma base militar norte-americana no Equador, perfeito! Podemos dar permissão para que instalem essa base, sempre e quando nos derem permissão para instalar uma base militar em Miami; se não há nenhum problema, vão aceitar!". Na América Latina hoje, há mais de 80 estadunidenses instaladas devido á permissão de regimes locais fantoches de Tio Sam.
Correa também expulsou a embaixadora estadunidense Heather Hodges de seu país em 2011, pois segundo cabo secreto emitido pela Embaixada norte-americana em Quito naquele ano, liberado por WikiLeaks, a "diplomata" tratava de influenciar o chefe de policia através de factoides de que havia corrupção generalizada na corporação.
Foi igualmente revelada ingerência da CIA na Embaixada dos EUA, quem controlava servilismo em determinados setores da Inteligência e nas Forças Armadas equatoriana através do pagamento a funcionários mercenários, além de ter usado ONGs, uma das quais a Fundamedios, financiada pela USAID, Segundo as revelações WikiLeaks, houve também reuniões em Miami entre banqueiros para conspirar na tentativa de golpe e magnicídio contra Correa em 30 de setembro de 2010, quando o então presidente equatoriano foi sequestrado e a oposição ocupou espaços públicos tais como a Assembleia Nacional, o aeroporto, estradas e outros locais públicos.
Sobre a postura anti-imperialista de Rafael Correa, considerou o renomado analista norte-americano Noam Chomsky: "Trata-se de medidas significativas nas relações internacionais, o destino da América do Sul realmente tem mudado". Não sem motivo, logo a grande mídia, equatoriana e em todo o mundo sustentada exatamente pelos grandes bancos, pela indústria petrolífera e grandes corporações internacionais, passou a atacar o governo de Correa, tachando-o de "fascistoide", "autoritário","totalitário", "contrário aos direitos humanos" e outras qualificações mentirosas que, curiosamente, não gera o mesmo espanto midiático quando se trata de aliados dos Estados Unidos, tais como Arábia Saudita, Israel, Colômbia etc.
Questionado em entrevista à TVE da Espanha sobre suposto cerceamento à liberdade de expressão no Equador, o que realmente não existe, o então presidente equatoriano respondeu diante de uma irritada e claramente tendenciosa jornalista ibérica; "Vocês se creem donos da opinião pública, mas não são; são donos da opinião publicada. Donos da opinião pública são nossos povos e a eles devemos responder, não a vocês".
Sobre isto, Gina aponta que a grande mídia substituiu os partidos políticos em crise, principalmente nos anos de 1980. "Por suas ligações com setores de atividade e financeiros, locais e globais, e para manter esses mesmos interesses econômicos, não apenas a mídia atua como porta-vozes dos setores de interesse como os grandes meios funcionam também como verdadeiros atores políticos, defendendo, orientando, dirigindo e conduzindo o debate político e a construção de atores políticos, e mantendo um estado de opinião favorável a seus próprios interesses e aos interesses que representam".
A pesar da crise do capitalismo mundial, durante a Revolução Cidadã o PIB equatoriano cresceu em média 3,9 por cento entre 2007 e 2015, comparado com os 2,9 por cento da América Latina segundo a Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal). Isso permitiu que o governo tenha investido cerca de 9% do Produto Interno Bruto (PIB) em investimentos sociais, o dobro do período dos dez anos anteriores aos governos Correa. Neste período, o salário mínimo mais que dobrou no país andino, e a qualidade dos serviços públicos foi melhorada significativamente.
Em 2009 e 2013, Correa venceu esmagadoramente as eleições presidenciais já no primeiro turno enquanto fazia do Equador referência mundial em políticas inclusivas, direitos humanos e esforços pela integração latino-americana. Através da Constituição de Montecristi aprovada através de referendo popular em 2008, a Revolução Cidadã estabelece o cidadão como sujeito da história, a igualdade em todos os segmentos da sociedade e leva o Equador a ser o primeiro país do mundo a reconhecer, constitucionalmente, os direitos da natureza, livre da exploração do ser humano em nome do desenvolvimento econômico.
Neste sentido, Correa enfrentou nada menos que a multinacional petrolífera Chevron Corporation, segunda mais importante dos Estados Unidos e sexta do mundo, denunciada por múltiplos casos de contaminação ambiental em diversos lugares do planeta. Em setembro de 2013, a Chevron foi expulsa da região amazônica equatoriana exatamente pela degradação ambiental - segundo Correa, a multinacional era "inimiga do país", tendo sido obrigada a pagar uma indemnização de 9,5 bilhões de dólares por ter causado um dos maiores desastres ambientais do mundo no país andino, entre 1964 e 1990.
A soberania nacional, então, passa a ser o norte da política equatoriana, e o país andino desempenha agora papel cada vez mais importante na integração latino-americana especialmente através da Unasul, da Alba, da Celac e do Banco do Sul. Logo Correa também rejeitou o Tratado de Livre Comercio com os Estados Unidos.
O Equador tinha os piores sistemas viários da região antes da Revolução Cidadã; hoje, graças aos investimentos sociais, possui os melhores e entre os destaques mundiais, de acordo com o World Economic Forum. Segundo o Instituto Nacional de Estatística e Censos do Equador, a pobreza caiu de 62 por cento para 44 por cento da população entre 2007 e 2016, e a pobreza extrema caiu seis pontos percentuais no mesmo período, ficando em 10 por cento em março de 2016. Os fortes investimentos em saúde levaram o Equador a ser o único país da América hispânica a possuir hospitais públicos reconhecidos internacionalmente, especialmente pela Accreditation Canada International.
Para a Unesco, o Equador é o segundo país que mais avançou educação na região, e não sem razão: é o que mais investe em educação superior em toda a América Latina. Em 2006, um professor recebia um salário que variava entre 90 e 200 de dólares por mês; hoje, varia entre 600 e 1.600 dólares. Entre as escolas de ensino básico, 53 por cento possuem biblioteca: em 2011, essa porcentagem era de 13 por cento. Foi estabelecido um sistema de crédito e certificado universitário ocasionando o fechamento de 17 universidades que não cumpriam as normas exigidas. Isso tudo evidencia que o governo equatoriano está preocupado com qualidade, mais que com quantidade. Atualmente, mais de 4.200 docentes cursam mestrado nas melhores universidades do mundo. No período de 2007-2015, foram oferecidas bolsas de estudo para mestrado dentro do país para 14.276 estudantes, diante de 237 que conseguiram entre 1995 e 2006, além de 11 milbolsistas de graduação no exterior. Certamente como consequência destes fortes investimentos em educação somados à melhora na qualidade de vida e à maior eficiência da Polícia nacional, mais bem equipada e com salários muito melhores em comparação a governos anteriores, os índices de violência no país baixam consideravelmente, sendo o Equador hoje uma das nações mais seguras de toda a América Latina
Questionado no documentário Diez Años Después sobre do que trara o Socialismo do Século XXI, Rafael Correa respondeu: "O Socialismo do Século XXI pode ser resumido em justiça, justiça em todas as dimensões: justiça social, justiça de gênero, justiça étnica, justiça intergeracional, é o que mais precisa o mundo, acredito eu, e especialmente a América Latina, região mais desigual do planeta. Não vejo outro caminho para a América Latina. O neoliberalismo do 'salve-se quem puder', da liberdade dos neoliberais, da não-intervenção: quando você tem gente no topo de cima com todas as oportunidades e todas as capacidades, e outros tantos na parte inferior que nunca tiveram nada... isso é um massacre. O Socialismo do Século XXI trata da não-dominação, e lutamos passa isso: que ninguém seja dominado, para que todo mundo goze da plena e verdadeira liberdade".
Em matéria de direitos humanos, o Equador tem sido premiado constantemente pelos mais diversos organismos internacionais, valendo destacar: o reconhecimento do Comitê contra os Desaparecimentos Forçados da ONU em março deste ano, pelo esclarecimento de Quito em relação aos casos de desaparecimentos forçados ocorridos durante as décadas de 1980 e 1990 no país, além do esforço em se localizar outras vítimas de desaparecimento; em outubro do ano passado, o brasileiro Roberto Caldas, presidente da Corte Interamericana de Direitos Humanos destacou o Equador como exemplo em boas práticas de direitos humanos: "Eu diria que as mudanças da justiça convertem o Equador em um dos países que mais mudou no mundo em termos de justiça nos últimos tempos", afirmou então Caldas.
Em termos de ajuda humanitária, os governos Correa também colecionam exemplos, sendo que os mair recentes envolvem as torrenciais chuvas no Peru que, em março deste ano, deixaram 70 mortos e 100 mil desabrigados; em favor das vítimas de incêndio no Chile em janeiro, que causou 11 mortes e 3 mil feridos; para as vítimas do terremoto de 7, graus na escala Richter no Haiti em janeiro de 2010.
Levando-se em consideração que do período que se estende de 1997 a 2007 o Equador teve nada menos que dez presidentes, apenas o fato de Correa ter permanecido dez anos no Palácio de Carondelet cumprindo os dois mandatos do início ao fim, retratam inequivocamente a estabilidade política no país. Recentemente, o Conselho Econômico e Social das Nações Unidas nomeou o ex-presidente equatoriano Rafael Correa melhor presidente do mundo em 2016.
Contudo, entre intelectuais de esquerda os governos Correa também são motivo de críticas, como no caso do economista Alberto Acosta, um dos formuladores da Constituição de Montecristi e candidato à presidência equatoriana em 2013 através de uma aliança entre movimentos sociais, incluindo indígenas.
O economista critica fortemente o que aponta como leniência excessiva do governo de Quito com a corrupção, o uso da força para abafar movimentos sociais críticos à sua administração e considera que, ao optar pelo neodesenvolvimentismo, isto é, a utilização da tecnologia exaustiva para a exploração dos recursos naturais promovendo uma sistemática ação depredatória da natureza, o governo tem traído os princípios do Bem Viver contido na Revolução Cidadã e na Constituição de Montecristi que, projetado exatamente por ele e outros intelectuais locais ao propor uma alternativa ao modelo econômico desenvolvimentista, levou Rafael Correa à Presidência do Equador.
Em um caso pontual, o economista e ex-presidenciável aponta a corrupção das empresas brasileiras Odebrecht e a estatal Petrobras em seu país: através de uma reunião entre Correa e Lula, ambas saíram impunemente do Equador.
Acosta, contudo, não acredita que Moreno possa superar a crise global e retomar o crescimento econômico sem explorar a natureza, devido ao que considera falta de preparo do novo presidente.
Outra deficiência reconhecida amplamente no Equador inclusive por governistas, já mencionada nas entrevistas com o economista Jorge Orbe e com a então presidenta da Assembleia Legislativa do país, Gabriela Rivadaneira, a reforma agrária não saiu do papel, e não há propostas concretas para efetivá-la.
Perspectivas
Para Pérez, a prioridade de Moreno deverá ser a recuperação econômica. "Como os preços do petróleo não atingiram os valores anteriores, o Equador enfrentará um período de ingressos restringidos, com a contração dos intercâmbios econômicas renda habitual. A situação vai levar o presidente eleito Moreno a ter que ser criativo com as medidas para uma provável recuperação econômica".
Para o cientista político, o grande desafio é colocar em prática os investimentos sociais em prática, dada a atual conjuntura internacional desfavorável. Gina concorda, ressaltando que "cumprir essas promessas terá impacto, entre outras coisas, sobre a qualidade do ensino superior se a percentagem da despesa pública não for aumentada das provisões até o momento". E acrescenta: "Também impactará as finanças públicas e obras públicas se nenhuma receita do governo aumentar. E ainda maior impacto sobre a credibilidade social, se algumas dessas promessas não forem cumpridas, não só porque o governo do presidente Correa é caracterizado por cumprir o que diz, mas porque a oposição não parece recuar da contender com o novo governo".
A eleição de Moreno significa a manutenção de organismos como Alba, Celac e Unasul e reconfiguração do cenário geopolítico latino-americano diante do agressivo avanço imperialista norte-americano, apoiado sempre nas entreguistas elites nacionais e em uma baixa guerra comunicacional. A América Latina, ainda região mais desigual do planeta exatamente pelas políticas neoliberais impostas pelo suposto "Consenso de Washington, sobre o que Correa aponta, "que consenso sem que a maioria dos líderes regionais o tenham aceitado?". Por outro lado, a região tem sido considerada pela ONU a que proporcionalmente mais avançou combate à pobreza, graças aos governos progressistas já que tal consideração das Nações Unidas coincide com o momento histórico que essas forças entraram em cena na América Latina, em cada um de seus países com amplo apoio popular.
"Talvez o elemento mais importante na eleição de Lenin Moreno neste momento histórico da América Latina é a preservação de um projeto de esquerda em um momento em que, depois do que aconteceu na Argentina e no Brasil e do bloqueio institucional na Venezuela, possa exercer pressão sobre projetos progressistas iniciados em 1998", pontua Pérez. E acrescenta: "No sentido simbólico, abre-se um período de esperança mas também da possibilidade de opção, que permite a projeção do Equador como líder regional no projeto político que conseguiu sobreviver a uma ampla gama de adversidades".
Internamente, apesar de algumas poucas mas profundas divergências e diante de todos os desafios que se colocam, alguns deles bastante delicados, certamente mais esta vitória da Revolução Cidadã proporciona novo alento às políticas inclusivas locais e aos direitos humanos, sem dúvida outra importante conquista do povo equatoriano em face das mesquinhas classes dominantes, locais e internacionais.
Edu Montesanti
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