Fascistas sempre podem, sim, chegar ao poder pelo voto

O colunista e fiscalizador de 'fatos' do Washington Post, Glenn Kessler, atribuiu àquela fala seus temidos "quatro Pinóquios". Gosto muito de Kessler e gostei de trabalhar com ele quando estive no Post. Mas dessa vez Kessler errou feio.

O argumento de Kessler resume-se ao fato de que quando Adolf Hitler concorreu pessoalmente à presidência do Reich em 1932, perdeu para o então presidente Paul von Hindenburg que concorria à reeleição. Mas evidentemente Sanders não se referia a esse evento. 

Sanders falou do fato de que o Partido Nazista, sob a liderança de Hitler tornou-se o partido da maioria no Reichstag, a câmara baixa do Parlamento da Alemanha, em julho de 1932. E, apesar de o partido ter perdido assentos em novembro, mesmo assim manteve a posição de maior partido.

A isso se chama, até hoje, "vencer a eleição". Por exemplo:


- Em 2008, Stephen Harper venceu a eleição no Canadá, não porque tenha obtido o lugar do sudoeste de Cargary no Parlamento do Canadá, mas porque o Partido Conservador obteve vários lugares e formou um governo da minoria, com Harper como primeiro-ministro.

- Em 2015, David Cameron venceu a eleição britânica, não porque tenha derrotado o eleitorado de Witney na Casa dos Comuns, mas porque o Partido Conservador obteve a maioria dos assentos e continuou a controlar o governo.

- Em 2013, Angela Merkel venceu eleições alemãs, não porque tenha obtido os votos do eleitorado de Vorpommern-Rügen - Vorpommern-Greifswald 1º -, mas porque seu Partido da Democracia Cristã obteve votos suficientes para liderar a coalizão que então se constituiu.


É verdade que ganhar muitos assentos não assegura que seu partido lidere o governo. Mas falando em termos gerais, o partido que obtém mais assentos que qualquer outro partido é o partido que vence aquela eleição, e o líder desse partido é o vencedor.

Como funciona o governo parlamentarista 

Tudo isso interessa, porque a Alemanha da era de Weimar não era sistema puramente presidencialista como os EUA. A meta era ser sistema predominantemente parlamentarista, com o líder do Reichstag- o/a chanceler - na função de chefe de governo. O presidente supervisionava o processo de formação do governo no Reichstag, e servia como chefe de estado, mas o poder, em última instância devia caber ao chanceler. Na prática, o caos que reinou no período de Weimar levou o presidente a assumir poderes consideráveis. 

De 1930 a 1932, a Alemanha foi governada pelo que veio a ser conhecido como "governo presidencial", no qual o chanceler, Heinrich Brüning, implementou quase todas as suas políticas, não porque tenha conseguido aprová-las no Parlamento, mas porque Hindenburg as impôs como decretos de emergência.

Mas mesmo assim o chanceler era quem propunha as políticas que visavam a arrancar a Alemanha, da recessão. Foi seu governo que representou a Alemanha nas negociações sobre reparações da 1ª Guerra Mundial. Brüning era o líder alemão, exatamente como Angela Merkel, não o presidente da Alemanha, Joachim Gauck, é hoje a líder alemã. O presidente de Weimar tinha consideravelmente mais poderes que o atual presidente, mas seu poder não chegava nem perto do poder, digamos, do presidente dos EUA.

Assim sendo, como, então, Hitler ter-se-ia tornado chanceler e líder alemão? Ora! Porque venceu eleições. É sem dúvida verdade que o Partido Nazista usou de violência e intimidação para obter votos nas duas eleições de 1932. Para isso serviam os camisas-marrons doSturmabteilungSA [Divisão de Assalto] do Partido Nazista. (...) Mas a questão aqui não é que os nazistas eram antidemocráticos. Por sorte, parece que todos concordamos nesse ponto. 

Bernie Sanders não disse "Hitler chegou ao poder em eleições livres e limpas, caracterizadas pela total ausência de violência, e portanto mereceu tornar-se chanceler." Sanders disse que Hitler foi eleito. E foi.

Além do mais, Hitler jamais teria chegado ao poder se os nazistas não tivessem obtido muitos assentos parlamentares em 1932. Hindenburg resistiu contra entregar a chancelaria a Hitler; foi porque se recusou a aceitar governo liderado pelo Partido Nazista, que forçou eleições em novembro, depois da eleição de julho. Mas mesmo então, Hindenburg ainda resistiu durante meses. Só quando ficou claro que qualquer governo de direita liderado por outro que não Hitler seria jamais possível, dada a formação do Parlamento, é que Hindenburg afinal deixou que Hitler assumisse a chancelaria, em janeiro de 1933.

O que realmente importa hoje é que esses eventos históricos bizarros subrepuseram-se e nos afastaram do que Sanders realmente disse; de fato, coisa bem simples: que sempre importa quem vença as eleições, e isso é evidenciado pelo fato de que, sim, os nazistas ascenderam ao poder em não pequena parte, porque obtiveram os votos necessários para pôr representantes seus no Reichstag. Podemos debater o dia inteiro sobre o poder relativo do presidente do Reich versus o poder do chanceler do Reich, mas ninguém em sã consciência deixará de reconhecer que Hitler não teria chegado ao poder se os nazistas não tivessem vencido as eleições parlamentares de 1932.

"Portanto, em minha modesta opinião, o meio para Trump (ou outros demagogos fascistas) chegarem ao poder, é elites & fraude norte-americanas trabalharem a favor dele, como fraude & elites alemãs cooperaram com Hitler".*****

28/8/2015, Dylan Matthews, Vox

 

Subscrever Pravda Telegram channel, Facebook, Twitter

Author`s name Timothy Bancroft-Hinchey