Atenção: inferno saudita à vista

Atenção: inferno saudita à vista

Caia fora, Peter O'Toole! Chegou o Charles da Arábia. O príncipe Charles entrou em modo Lawrence, quando fofocava e dançava em Riad, 3ª-feira passada, com os nativos.[1] E, certinho como relógio, dia seguinte a empresa BAE Systems - principal fabricante de armas da Europa - já anunciava que a Grã-Bretanha e a Casa de Saud haviam acertado "novos preços" em negócio extremamente sumarento: 72 jatos Eurofighter Typhoon.

O jato Eurofighter é concorrente direto do espetacularmente invendível Rafale francês e dos extraordinariamente caros F-35s e F-16s norte-americanos. A Associated Press incluiu devidamente na notícia - repetida em praticamente todos os jornais impressos do planeta - o meme impingido por Washington segundo o qual "a Arábia Saudita e outros países do Golfo estão reforçando suas capacidades militares para fazer frente à ameaça já identificada,  de rivais regionais, especialmente do Irã." Como se Teerã fosse bombardear a Casa de Saud amanhã cedo.

O Eurofighter, porém, já foi usado contra irmãos árabes - por exemplo, no bombardeio humanitário contra a Líbia, pela Organização do Tratado do Atlântico Norte, OTAN, até converter a Líbia em estado arruinado. Está aberto o debate sobre se a Casa de Saud pode ser tentada a usá-lo também contra o inimigo interno: mulheres em luta para obter licença para dirigir.

Brandindo a desculpa oficial de que o quase nonagenário rei Abdullah não teve condições de saúde que lhe permitissem recebê-lo, Charles da Arábia não discutiu com a Casa de Saud a situação escandalosa dos direitos das mulheres, dos direitos dos trabalhadores migrantes, e, no que tenha a ver com direitos, de todos os direitos humanos no reino. Claro que não. Só se fala de direitos humanos quando se trata de demonizar Rússia, China e/ou Irã.

Além do mais, Charles da Arábia não poderia mesmo agitar demais mais as penas, porque os franceses também se estão posicionando como concorrentes no jogo-show de Aconchegue-se-aí-com-um-saudita, do complexo industrial-militar (total de mais de US$70 bilhões, só nos anos mais recentes). O presidente francês François Hollande - nulidade abissal em casa, mas Grande Libertador da África e da Síria - visitou Riad em dezembro, tentando empenhadamente roubar dos anglo-americanos uma fatia significativa do mercado. O problema de Hollande é que ninguém, no perfeito usufruto das próprias faculdades mentais, jamais cogitaria, que fosse, de comprar um Rafale.

Aí está a grana. Passe p'rá cá a minha bomba

Significa que a Casa de Saud está armazenando toneladas de armas. OK. O príncipe sauditas da Arábia Bandar bin Sultan, codinome Bandar Bush, continua solto, financiando/armando seu exército sempre crescente de mercenários no Levante. OK. E a Casa de Saud está arquitetando alguma com seu aliado Paquistão. OK.

Apenas um dia antes de Charles da Arábia desembarcar em Riad, o ministro da Defesa saudita - e, o que é importantíssimo, príncipe coroado - Salam bin Abdul Aziz estava em Islamabad. A alma do negócio foi - e o que mais poderia ser - um "pacto de defesa".[2]

Crucialmente importante, há também aí uma reverberação para o Oleogasodutostão. Em meados de 2013, o primeiro-ministro do Paquistão Nawaz Sharif andava excitadíssimo por causa do gasoduto Iran-Paquistão (IP), que, teoricamente, entraria em operação em 2015. Agora, já não tem muita certeza. Não é preciso ser o perspicaz Charles da Arábia para farejar pegadas dos sauditas em tudo isso - desmontando ativamente a parceria energética Irã-Paquistão.

A paranoia da Casa de Saud em torno do Irã não tem similar no sistema solar; e a 'mudança de regime' na Síria é elemento chave no cenário da retribuição. Por mais que Washington negue-sem-negar, sempre repetindo o mote do "não estamos envolvidos", a rede de Bandar Bush em breve já estará fornecendo armamento antiaéreo às gangues mercenárias no Levante.

E adivinhem quem está correndo nas pegadas de Charles da Arábia rumo a Riad, mês que vem? Ele. O presidente Barack Obama. Como parte do ataque de vários braços pela Casa de Saud, o rei Abdullah praticamente suplicará a Obama (da Arábia?) que dê um empurrão decisivo para a 'mudança de regime' na Síria.

Entrementes, a Casa de Saud tenta reunir a maior quantidade possível de "conselheiros" paquistaneses, para treinar seus paus alugados na Síria. A negativa-sem-negar oficial do Paquistão é que eles não mandarão aqueles exércitos à Síria.[3] Mas, numa operação remix do Afeganistão durante a jihad dos anos 1980s, um pequeno punhado de "conselheiros" experientes será mais que suficiente.

E há também a cena nuclear da Casa de Saud. Já em 2012 andaram anunciando o ímpeto para construir nada menos que 16 reatores comerciais, que começariam a operar em 2030, e, como se não bastasse, foi assinado um acordo de cooperação técnica com Pequim.

A Casa de Saud gastou muito dinheiro no programa de armas atômicas do Paquistão. Não se trata sequer de "adquirir tecnologia nuclear" contra o Irã (demoraria tempo demais). Dependendo do resultado das conversações do grupo P5+1 com o Irã, a hiper paranoica Casa de Saud pode fazer chover cataratas de dinheiro sobre os cofres hiper quebrados de Islamabad e, simplesmente, comprar uma daquelas bombas atômicas.

Afinal, Riad acaba de oferecer secos 3 bilhões de dólares ao exército libanês, para que compre armas da França - movimento que franceses super excitados interpretaram imediatamente como um "divórcio tático" dos sauditas, separando-se do governo Barack Obama.

Seja qual for o ângulo pelo qual se examine tudo isso, há inferno provocado pelos sauditas, aí, logo à frente. Até em Teerã já há preocupação em torno da (in)sanidade dos sauditas - e o gabinete do Supremo Líder Aiatolá Khamenei sabe tudo o que há para saber sobre a paranoia cósmica, o velho rei Abdullah, 89, encaminhando-se rumo ao ocaso, a furiosa guerra pelo trono que advirá em seguida e, daqui até lá, a furiosa ofensiva de guerra de Bandar Bush.

O que nos leva de volta ao perspicaz Charles da Arábia. Ele com certeza percebeu que há um continuum direto que liga o wahabismo medieval e um certo Osama bin Laden. Até recentemente, todos e quaisquer líderes de qualquer gangue de islamistas linha-duríssima partilhavam três traços comuns: estudaram na Arábia Saudita; foram financiados por fontes sauditas (pública ou privada); e alcançaram a "maturidade" no Afeganistão. Hoje, a paisagem jihadi está mais diversificada. Cabe então a Bandar Bush arregimentar a nova geração jihadi-Google, para suas "Frentes Islâmicas".

Mas para a Casa de Saud, a agenda nunca muda: demonizar o Irã; fazer o serviço de menino de recados da superpotência e de "poderes" menores ocidentais; e comprar quantidades oceânicas de armas. Não surpreende que Charles da Arábia tenha dançado tão satisfeito, conforme aquela música; afinal, aqueles bons velhos amigos são os "nossos" filhos-da-puta medalha de ouro. ***


21/2/2014, Pepe Escobar, Asia Times Online
http://www.atimes.com/atimes/Middle_East/MID-03-210214.html

 


[1] http://news.sky.com/story/1213951/prince-charles-joins-sword-dance-in-saudi

[2] 17/2/2014, The News, Pak-Saudi defence cooperation agreed.

[3] Pakistan Refuse Saudi Demand to Send Pakistan Army in Syria, Pakistan TV.

 

 

Foto: A praça das torturas (cortar as cabeças às pessoas)

 

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Author`s name Timothy Bancroft-Hinchey