A cinco dias do nono aniversário da morte do líder palestino Yasser Arafat, os cientistas que analisaram tecidos retirados de seu corpo, exumado um ano atrás, confirmam que houve envenenamento por polônio 210, elemento radioativo mortal.
Por Baby Siqueira Abrão*
Cientistas do Centro de Medicina Legal da Universidade de Lausane, na Suíça, descobriram que os restos mortais do líder palestino Yasser Arafat (1929-2004) continham um nível 18-36 vezes maior do que o normal do elemento radioativo polônio. O anúncio foi feito hoje pelos jornalistas David Poort e Ken Silverstein, da rede Al-Jazira, que obtiveram com exclusividade o relatório de 108 páginas elaborado pelos especialistas da universidade (1) .
Com a cautela característica, os cientistas que realizaram os exames garantem que há mais de 83% de certeza de que Arafat foi envenenado. Mas Dave Barclay, cientista forense renomado e detetive aposentado do Reino Unido, ouvido pela Al-Jazira, não tem dúvidas do envenenamento: afirmou estar convencido de que houve assassinato. "Arafat morreu em consequência do envenenamento por polônio. Encontramos a arma que o matou", afirmou Barclay. "O nível da substância nas costelas do líder palestino é de 18 a 36 vezes a média normal, dependendo da literatura consultada", completou.
Em 27 de novembro de 2012, cientistas suíços, franceses e russos retiraram tecidos do corpo de Arafat, exumado, a pedido da viúva Sura Arafat, do mausoléu onde foi enterrado, em Ramala, na Cisjordânia. Também foi ela que encaminhou ao jornalista Clayton Swisher, da Al-Jazira, a mala com as peças de roupa que Arafat carregava quando foi levado, já muito doente, da Palestina para o Hospital Militar de Percy, na França. Swisher entregou esse material, bem como radiografias e relatórios médicos, ao Centro de Medicina Legal da Universidade de Lausane em 3 de fevereiro de 2012. Alguns meses depois o resultado dos exames confirmava um nível "inexplicável e insuportável de polônio 210" - elemento radioativo potente e mortal - "nos objetos pessoais do sr. Arafat", como explicaria à época François Bochud, diretor do Centro.
Yasser Arafat começou a sentir-se mal na noite de 12 de outubro de 2004, depois do jantar. Ele estava detido desde 2002 na Muqata, o conjunto de prédios que abriga a presidência da ANP. Cercados pelo exército israelense, sob bombardeio diário, os edifícios da Muqata foram praticamente destruídos, além de terem cortadas a água e a energia elétrica. Arafat só conseguiu sair dali porque seu estado de saúde se agravou, levando-o à França para tratamento. Ele morreria em solo francês, aos 75 anos, em 11 de novembro de 2004, sem que os médicos que o atenderam - tunisianos e egípcios em Ramala, franceses no hospital de Percy - conseguissem fechar um diagnóstico sobre a causa da morte.
Na Palestina, porém, sempre se falou em envenenamento. E os palestinos sempre acusaram Israel como responsável pelo assassinato. Apontam uma entrevista de 2001, dada ao jornal israelense Maariv pelo então primeiro-ministro Ariel Sharon, em que ele diz textualmente que "se arrepende" por não ter "liquidado" Arafat quando Israel invadiu o Líbano, em 1982 - ano em que Sharon era ministro da Defesa e Arafat vivia em Beirute, capital libanesa. Em 2003, Ehud Olmert, o segundo da coalizão governamental comandada por Sharon, afirmou à rádio do exército israelense que o assassinato de Arafat era "definitivamente uma opção", segundo noticiou Eric Silver, do jornal The Independent (2).
Além disso, Israel tem um longo histórico de assassinatos e de tentativas de assassinatos contra os palestinos, tanto autoridades como cidadãos comuns (lembremos os ataques a Gaza e suas milhares de vítimas), e comprovadamente tem e usa o polônio 210. Richard Silverstein, do site Tikun Olan, lembra um evento ocorrido em 1957 no laboratório do Instituto Weizmann, operado pelo Comitê de Energia Atômica de Israel. A liberação acidental de polônio 210 matou vários cientistas israelenses (3)
Em 9 de janeiro de 2013, Shimon Peres, atual presidente de Israel, deixou escapar, numa entrevista ao jornal The New York Times, que Arafat fora realmente assassinado. Dei a notícia do jornal Brasil de Fato, e ela foi republicada pelo site de um jornalista famoso. Pressionado por sionistas brasileiros - os quais alegavam que a informação era inverídica -, ele acabou retirando a postagem. Mas os sionistas estavam enganados, como prova o trecho da entrevista em que Peres afirma o assassinato do líder palestino:
Ronen Bergman, entrevistador: O senhor não acha que Arafat devia ser assassinado.
Peres: Não. Eu achava que era possível negociar com ele. Sem ele, foi muito mais complicado. Com quem mais teríamos fechado os acordos de Oslo? Com quem mais conseguiríamos concluir o acordo de Hebron? [...] (4)
Como se vê, Peres caiu na armadilha contida na pergunta do repórter. O New York Times só não publicou que ele pôs a culpa do assassinato em agentes de Israel, mas o editor do site Hispantv, Abu Talebi, em correspondência eletrônica enviada a mim em 22 de janeiro deste ano, confirmou que Sharon dera essa informação em entrevista a uma rádio israelense, ouvida por repórteres do jornal árabe Al-Quds Al-Arabi, publicado em Londres.
Não é de estranhar. Os sionistas, apesar de invariavelmente controlarem todos os governos de Israel, de 1948 até hoje, compõem diferentes correntes de opinião. Obter algum consenso é sempre uma experiência difícil, como demonstra a demora na composição do atual gabinete do primeiro-ministro Benjamin Netanyhau. Essas diferenças, já existentes logo após a formação do movimento sionista judeu, no século 19, estão na base dos distintos pontos de vista defendidos pelos políticos israelenses. Isso explica por que Peres era contra o assassinato de Arafat, enquanto Sharon e Olmert consideravam essa possibilidade.
Não importa o que tenha acontecido, a história mostra que mais cedo ou mais tarde os mistérios mais complicados acabam sendo resolvidos.
Notas:
(1) (veja aqui, em inglês: https://s3.amazonaws.com/s3.documentcloud.org/documents/815515/expert-forensics-report-concerning-the-late.pdf).
(2) (artigo reproduzido aqui: http://www.arabnews.com/node/237347).
(3) (http://www.richardsilverstein.com/2012/07/07/israels-lethal-history-with-polonium/).
(4) (http://www.nytimes.com/2013/01/13/magazine/shimon-peres-on-obama-iran-and-the-path-to-peace.html?_r=0&pagewanted=all.)
Baby Siqueira Abrão* é jornalista, foi correspondente no Oriente Médio para Brasil de Fato e Carta Maior
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