Como notou o ex-secretário de defesa dos Estados Unidos, Donald Rumsfeld, existem duas Europas: a Velha, que consiste nas principais potências do continente e que fundaram a União Européia (Reino Unido, França, Itália, Alemanha, Holanda, e outros países na parte ocidental); e a Nova, países que eram do bloco socialista e que recentemente entraram na OTAN e/ou na UE (Polônia, Rep. Tcheca, Hungria, Lituânia e outros da parte oriental).
Embora o termo tenha sido cunhado pelos políticos conservadores dos EUA com um forte sentido pejorativo à Velha Europa, sem dúvida a distinção entre dois tipos de países no continente europeu é válida e útil para entender muito do que ocorre aí. A diferença entre as duas Europas é bastante acentuada, não apenas em termos econômicos e sociais, mas principalmente em relação às suas políticas exteriores, tema do presente artigo.
A Velha Europa é constituída por países que buscam uma maior autonomia diplomática e estratégica, não para confrontar os EUA, mas sim para ser mais independentes e ter maior influência sem necessidade de acatar tudo o que a principal potência mundial impõe. Isto ficou bem claro quando da recusa de muitos países da Velha Europa (excetuando o Reino Unido, Itália e inicialmente Espanha) a apoiar a invasão do Iraque pelos EUA em 2003.
Outro aspecto importante da busca de autonomia européia é a maior aproximação com a Rússia, que lhes pode oferecer matérias-primas, petróleo, gás, e também parcerias importantes nos setores aeroespacial, nuclear e de tecnologia militar. A Alemanha e a França são, neste sentido, os países mais paradigmáticos da Velha Europa, os que mais buscam autonomia em relação aos EUA e mais cooperam com a Rússia. A única exceção na Velha Europa é o Reino Unido, que insiste em apoiar incondicionalmente os EUA (mesmo quando a maioria de sua população é claramente contrária).
Os países da Nova Europa são, em sua grande maioria, russófobos e radicalmente pró-EUA, e com isso minam os esforços da outra parte para conseguir maior autonomia. Foi um grande erro estratégico da UE permitir a entrada dos países da Nova Europa: eles são iguais à maioria dos países centro-americanos, pequenos, pouco desenvolvidos, e incapazes de dizer não aos EUA (os poucos que ousaram, como Cuba e Nicarágua, pagaram um alto preço). São verdadeiras repúblicas de bananas, sem verdadeira soberania e condenados a aceitar tudo o que os estadunidenses lhes ordenam.
Vários fatos o demonstram: Polônia e República Tcheca permitiram a construção de um sistema anti-mísseis dos EUA em seu território, apesar da oposição de vários países da Velha Europa e das ameaças estratégicas a seu território, pois é claro que este sistema anti-mísseis é direcionado contra a Rússia, que já declarou que irá reagir. Vários destes países estão sob suspeita de ter instalações secretas onde os EUA detém e torturam prisioneiros da guerra contra o terror, versões em menor escala do campo de concentração de Guantánamo.
A Nova Europa também se opõe completamente à cooperação européia com a Rússia: em 2006 a Polônia vetou a negociação de acordos entre a UE e a Rússia, em retaliação ao embargo russo à carne polaca por questões sanitárias. A reunião de cúpula entre a Rússia e a UE, que está ocorrendo agora na cidade russa de Samara, também não poderá negociar novos acordos, graças outra vez à intervenção da Polônia, agora apoiada pela Lituânia e a Estônia. Três países, com economias pequenas e pouco desenvolvidas, conseguem assim bloquear os interesses de todo um continente.
Alguns países da Nova Europa chegam mesmo à russofobia descarada: Letônia e Estônia proíbem o uso da língua russa aos membros desta etnia nem lhe dá cidadania (em flagrante violação aos direitos garantidos às minorias na Carta da União Européia), desmantelam monumentos à vitória soviética e constróem outros aos nazistas (como fez a Estônia). E a Polônia retirou de Auschwitz, o maior campo de extermínio nazista convertido em museu, a exposição dedicada à URSS, país que liberou este campo (e vários outros) e assim salvou milhares de pessoas.
A única honrosa exceção da Nova Europa é a Eslováquia: é favorável a maiores acordos comerciais, políticos e técnicos com a Rússia, criticou a decisão de instalar o sistema anti-mísseis norte-americano, e deplorou o desmantelamento do monumento aos soldados soviéticos na Estônia.
Permitir o ingresso destes países foi um grande erro de cálculo da UE, que prejudica a estabilidade e segurança da Europa, provocando a Rússia sem motivos (como a construção do sistema anti-mísseis e a demonização da participação soviética na Segunda Guerra Mundial) e reiniciando a Guerra Fria com uma nova cortina de ferro, agora instalada nas fronteiras da Rússia. A Europa não ganha nada: perde a oportunidade única, surgida depois do fim da Guerra Fria, de união completa e fim de todas hostilidades no continente, além de excelentes possibilidades de cooperação com a Rússia. O único beneficiário é os EUA e seu plano de hegemonia global: cerca a Rússia de países hostis, tentando impedir que este país retome seu status natural de superpotência; e mantém a Europa sob seu controle, impedindo que esta seja uma potência autônoma e independente dos EUA.
Carlo MOIANA
Pravda.ru
Buenos Aires
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