A Bolha

A BOLHA

por Raul Longo(*)

 

As aberrações proferidas por Damares Alves para adultos e crianças participantes de culto religioso terão inflado ou murchado a bolha pseudocristã, bolsonarista? Há que se discutir se determinadas seitas pentecostais são de fato religiosas, mas isso é assunto para teólogos e cristãos realmente interessados na manutenção dessa linha religiosa em degeneração pela ação de cabos eleitorais e/ou criminosos travestidos em sacerdotes. Verdadeiros evangélicos já se mobilizam em tentativa de resgate dos que chamam de “desigrejados”, referindo-se aos que desacreditaram de seus “irmãos” de fé e de supostos pastores, alguns até do cristianismo, por terem sido expulsos de suas congregações que por anos frequentaram em família.

Excomungados por discordar do uso da bíblia como plataforma política e da pretensão de transformar Jesus em cabo eleitoral, vários desses “desigrejados” foram pauta de matéria recentemente publicada pela BBC News, com depoimentos de desiludidos com suas igrejas nos mais diversos estados do país. Muitos nem eram lulistas e possivelmente até fossem bolsonaristas, mas depois de renegados por discordar da transformação de cultos religiosos em comícios eleitorais, mudaram inclusive de propensão política.

No entanto, a real consciência religiosa não atinge os desajustes dos fundamentalismos. Assim como fundamentalistas islâmicos não correspondem às determinações do Alcorão de proteção aos povos dos livros sagrados (Torá, Bíblia e o próprio Alcorão), fundamentalistas cristãos não correspondem às determinações de todos serem iguais como pregam os evangelhos. E o fundamentalismo doentiamente escatológico da pastora Damares Alves, não tem nada de cristão ao criar infernais mentiras que não pôde sustentar. Ela teve de desmentir aquilo que afirmou como sendo o teor de um documento autêntico, e em seguida mudou para "conversa de rua", a fim de não comprometer ainda mais o débil poder executivo.

Não há o que garanta maior coesão num grupo humano do que o medo, e não há maior medo do que produzido por ameaças imaginárias. Quando uma ameaça é real, sempre será possível planejar uma estratégia de defesa ou contra ataque, mas como se defender ou atacar uma quimera? Com medo de bicho-papão toda criança se esconde atrás da saia da mãe, por mais que a mãe seja severa ou o amor maternal evidentemente falso.  Portanto, não seria mesmo de se imaginar que entre os evangélicos a bolha bolsonarista murcharia a cada pesquisa de intenções de voto do Data Folha, de uma semana para outra.

A bolha bolsonarista não se limita ao segmento dos evangélicos, há também o das milícias, do crime organizado, dos fascistas etc. Mas não há nada que esvazie nenhum desses segmentos, nem mesmo a ameaça concreta da evolução do arsenal que põe em risco a liberdade e a vida, já havendo casos de tiroteios e balas perdidas porque um morador se sentiu incomodado com o ronco do motor do carro do vizinho ao lado. Afora as que chegam aos noticiários, inúmeras são as denúncias de milicianos e marginais que utilizam “laranjas” inscritos como Colecionadores, Atiradores esportivos ou Caçadores, os tais CACs, para municiamento de exércitos do crime organizado. As próprias Forças Armadas Brasileiras admitem que o arsenal dos CACs já supera o de todas as PMs do país e do próprio exército. Porém, em meio à bolha bolsonarista, nada disso afeta a crença de que população armada é população livre; ainda que, em verdade, não o sejam nem mesmo dentro de casas arrombadas e invadidas para o roubo de suas coleções bélicas. 

Foi retirado o pino da granada que já pipoca com o aumento de 474% de armas distribuídas em todo o país. Quando finalizado o levantamento, em 1º de julho deste ano, verificou-se que, de 11.467 em 2018, pulou para 673.818. Isso são apenas os números oficiais. Mas, com esse vaivém de armas nas mãos de qualquer criança, sabe-se lá a quanto vai o montante de armas ilegais já em posse de quadrilhas de assalto a banco, tráfico de drogas, sequestros relâmpagos e outras modalidades? São tantas que hoje não se economiza munição, nem mesmo em casos de feminicídio, pois a covardia fascista não poupa as mulheres, mesmo sendo as mais frágeis neste momento de caos aterrorizante em que mergulharam nosso País. Ainda assim, em sessão espírita do segmento feminino bolsonarista, algumas mortas seriam capazes de pedir aos seus algozes que compareçam às urnas para reeleger o Coiso. 

E assim famílias seguem felizes com suas novas aquisições em utilidades domésticas: metralhadoras, fuzis, garruchas, pistolas, rifles e outros itens que já foram exclusivos das Forças Armadas (granada, por exemplo), hoje se especializando em treinamento infantil para que balas não se percam de dentro dos domicílios para as ruas. Não é exagero, em Uberaba (MG) o exército organizou exposição de armas em comemoração ao dia das crianças. Quem sabe, no Natal deste ano as crianças peçam a Papai Noel os modelos de fuzis de última geração, do tipo que hoje exibem nos jogos do mais avançado Playstation.

Outro forte segmento que não arreda pé da bolha bolsonarista é o das grosserias e estupidezes. Trata-se de identificação comportamental. Vibram a cada agressão a um representante diplomático, seja o dos maiores importadores de produtos do Brasil, como no caso da China, ou à primeira-dama da França. E não medem esforços para seguir o Messias Bolsonaro onde quer que vá, embora não haja mais lugar em que ele não seja considerado persona non grata. Grata ou não, oportunidade de baixaria não dispensam, como quando promoveram arruaça no cortejo fúnebre da rainha da Inglaterra. Vergonhosamente inesquecível!

Para bolsonaristas, a morte de outros sempre é motivo de exultação e chacota. Até mesmo em agonia de parentes que também acreditaram em cura por remédio veterinário e Cloriquina, ou se recusaram às medidas protetivas.

A atual garota apresentadora da propaganda eleitoral de Bolsonaro quando acometida de Covid-19, visivelmente abatida, gravou life alertando com veemência ameaçadora aos que não atendiam as recomendações de isolamento. Sobrevivente, hoje condena o que então recomendou sem qualquer constrangimento pela própria hipocrisia, afinal hipocrisia também é comportamento de identificação ideofrênica. Tanto que mesmo portadores de irreversíveis sequelas da Covid não deixam de expressar fidelidade e servidão ao mito.

Um dos exemplos da estratégia diplomática de Bolsonaro que agrada a bolha se deu através de um caso que provocou horror internacional quando divulgado ao mundo o depoimento de uma sobrevivente do harém de meninas sequestradas nos interiores do Paraguai para serem estupradas e seviciadas pelo general Alfredo Stroessner, ditador do país vizinho entre 1954 e 1989. Conforme o relato da sobrevivente Júlia Ozorio, sequestrada aos 12 anos de idade e violada inúmeras vezes por Stroessner e seus convidados, eram escolhidas as de idade entre 10 e 15 anos porque o ditador não gostava dos ossos mais duros das de acima dessa idade. Investigações anteriores ao depoimento de Ozorio já haviam aferido que pelo menos 1.600 crianças foram estupradas nas diversas casas de Asunción usadas como cativeiro de menores de idade ao longo dos 35 anos de ditadura. Júlia Ozorio escreveu o livro Una Rosa y Mil Soldados, mas seu infortúnio somente chegou ao conhecimento e horror do mundo depois de revelado pelo jornal paraguaio Última Hora, em matéria publicada em 2016 com o título A Stroessner le traían las nenas para ser violadas.

Desde então o nome de Stroessner passou a ser execrado por toda a população paraguaia que em seu tempo ironizava o ridículo das sirenes de carros oficiais mantidas de luzes acessas durante horas, por vezes dias, em frente daquelas casas que todos imaginavam de prostituição ou de amantes de Stroessner e seus militares. Aos visitantes de Asunción faziam piada: No és verdad que todo lo que hace el dictador esté en secreto para el pueblo. Acá no hay quién no sepa cuando Stroessner está jodendo!”  Mas quando as investigações da Comissão da Verdade revelaram o horror vivido por escravas sexuais infantis encerradas naquelas casas, o nome do ditador se tornou tão execrado entre todos os paraguaios quanto o de Adolf Hitler entre a comunidade judaica mundial.

Apesar de todo esse terrível histórico de conhecimento mundial, ao empossar novo presidente da usina hidrelétrica binacional Itaipu, em 2019, com a presença do atual presidente do Paraguai, Jair Bolsonaro discursou enaltecimentos ao ditador falecido em 2016, qualificando Alfredo Stroessner como estadista e homem de visão. O presidente e demais autoridades paraguaias não conseguiram esconder o constrangimento, mas é essa “coragem” do mito o que mais extasia a bolha. E isso de revelar suas próprias propensões à pedofilia pode incomodar a Xuxa Meneghel que em seus 40 anos de carreira nunca fez qualquer alusão à política, mas agora produziu uma life contando de quando foi abusada aos 13 anos por um adulto, em quem “pintou um clima unilateral”, como no caquético Bolsonaro expressando sua “imbrochabilidade” por meninas na mesma faixa de idade que tinha Xuxa quando sentiu nojo do tarado. Xuxa diz ter gravado a  life preocupada com o futuro de sua filha, mas para mães, pais e irmãos da bolha bolsonarista o que é uma pinta numa galinha de angola?

Há quem se sinta confuso a respeito das conclamas de “conservadorismo”, “religiosidade”, “pauta de costumes”, e outros exacerbados moralismos, mas não há com que se confundir, isso sempre serviu de aval para acusar a outros de corruptos, imorais, pagãos, ou o que seja. Hitler, Stroessner, Somoza, Idi Amin Dada e outros personagens execrados pela humanidade também se afirmavam conservadores, moralistas, probos cidadãos de bem que tinham Deus acima de tudo. Em quem tem Deus acima de tudo, pinte o que pintar, a bolha perdoa. Eu disse “perdoa”? Disse-o errado, pois a bolha nunca encontra “pecado” no mito, portanto aplaude-o, mesmo tendo ele declarado que comeria carne humana.

Por falar na idade de Bolsonaro, dela se pode concluir que, mais do que mentiroso, o candidato à reeleição é mitômano, como comprovou, antes mesmo de se candidatar ao seu primeiro mandato presidencial quando convocado a depor à Comissão de Ética da Câmara Federal, em vista de haver ofertado ao coronel Brilhante Ustra seu voto de imolação do cargo da Presidência à Dilma Rousseff.  Em clara demonstração da continuidade dos corruptos poderes militares da ditadura, a partir de 2021 a União passou a pagar pensão de marechal às filhas de Ustra, apesar de morto em 2015 como coronel e condenado por crimes contra a humanidade. A despeito disso, Jair, que se refere ao seu adversário eleitoral como ex-presidiário, então justificou a admiração pelo execrando torturador e também estuprador, qualificando-o como herói da pátria. Para avalizar o elogio, contou ter presenciado a crueldade dos comunistas quando os combateu na Serra do Caparaó e no Vale da Ribeira, afirmando inclusive ter se encontrado com o Capitão Carlos Lamarca.

Por ignorância ou conivência os integrantes da Comissão de Ética não esboçaram qualquer questionamento, mas a real história da resistência à ditadura militar implantada em 1964, alegadamente para combater o fantasma do “avanço comunista”, é que, conforme reconhecido pelo próprio general Ernesto Geisel(**) e revelado em 2004 pela abertura dos arquivos do Congresso dos EUA, não houve revolução alguma. Foi um golpe político perpetrado por interesses econômicos do capitalismo estrangeiro e apoiado por colonialistas brasileiros. O real objetivo nunca foi o de combater comunistas, o que só ocorreu 8 anos depois do golpe, quando, em 1972, mobilizaram um contingente formado por 5.000 soldados para dois anos de combate a 80 integrantes do Partido Comunista do Brasil, PCdoB, dos quais 60 homens e mulheres foram executados no próprio local onde se desenrolou a Guerrilha do Araguaia, somando-se à morte, pelo Exército Brasileiro, de mais de 400 camponeses, civis que nada tinham a ver, diretamente, com aquele conflito, pessoas também de ambos os sexos, incluindo-se idosos, anciãos e crianças. Uma covardia própria de fascistas. Mas, já de início, o real objetivo do golpe  foi o de eliminar os militares legalistas que nos anos de 1945, 1951, 1954 e 1961 desmantelaram as tentativas de golpe da direita colonialista contra a direita nacionalista.

Prisões, execuções e perseguições de oficiais legalistas das três Forças Armadas provocaram o surgimento de dissidentes que formaram o Movimento Nacionalista Revolucionário – MNR –, que nos anos de 1966 e 1967 provocaram o primeiro enfrentamento de resistência à ditadura no embate entre militares nacionalistas e colonialistas na Serra do Caparaó, região que abrange a divisa dos estados do Espírito Santo e Minas Gerais. Derrotados, os legalistas sobreviventes se uniram à Organização Revolucionária Marxista Política Operária de Belo Horizonte, identificada como Polop. O Polop foi fundado em 1961 por dissidentes do Partido Comunista Brasileiro – PCB, contrário à luta armada. Se não houvesse o golpe de 1964, o Polop fatalmente teria se dissolvido por não haver no país nenhuma outra organização ou articulação revolucionária para implantação de regime comunista algum. Entretanto a adesão dos militares do MNR ao Polop e, em 1967, ao Comando de Libertação Nacional – COLINA, movimento criado por estudantes de Minas Gerais que adotaram os ideais da Organização Latino Americana de Solidariedade - OLAS, criada naquele mesmo ano por Salvador Allende, ainda antes de ocupar a presidência do Chile. Tal atitude resultou no treinamento de trabalhadores e estudantes para atuar em guerrilha. Assim surgiu a Vanguarda Popular Revolucionária – VPR que com a implantação da censura e retirada do que havia de resquícios de liberdade política pelo AI 5, uniu-se à União Operária, pequena organização de trabalhadores  do Rio Grande do Sul. Ao se integrar ao VPR, o Capitão Carlos Lamarca estendeu o nome da organização para VPR – Palmares, em homenagem ao maior movimento libertário de resistência popular da história do Brasil, o Quilombo dos Palmares. Deu-se então o início a guerrilha do Vale do Ribeira em 1970, mas dois ou três meses depois do mesmo ano os guerrilheiros foram desalojados pela repressão e fugiram da região. Lamarca só foi encontrado e morto no ano seguinte na Serra da Pintada, sertão da Bahia.

Por ignorância ou fingindo ignorar a história do Brasil os integrantes da Comissão de Ética não questionaram o depoente Jair Bolsonaro, demonstrando incompetência para a função para a qual foram eleitos e designados, mas independente disso trata-se de instituição com poderes para imediata condução à cadeia de quem minta em depoimento. Bolsonaro estava seguro de que isso não aconteceria porque mais do que pares, ali estavam seus similares, além de que a Câmara Federal era então presidida por Eduardo Cunha, ainda não condenado por corrupção denunciada pelo Ministério Público da Suíça. Porém, mesmo com tal degradação do Poder Legislativo, hoje mais deteriorado e, ainda mais no próximo período legislativo; ninguém mentalmente sadio imaginaria inventar  participação nos combates da Serra do Caparaó aos 11 anos de idade, ou ter conhecido o Capitão Carlos Lamarca no Vale do Ribeira aos 15 anos de idade. Bolsonaro nasceu em 1955 e bastaria algum dos integrantes daquela Comissão saber somar para determinar sua imediata prisão pela total ausência de ética em mentir para uma Comissão de Ética. Mas olhando pelo lado humano, ainda reconhecendo evidência de inconfundível caso de prisão imediata, não se dispensa acompanhamento psicológico e/ou psiquiátrico. Mitomania e delírio psicopatológico.

Isso da esperada degradação do próximo período legislativo ao nível de Bolsonaro, também é arrolado como motivo para o suposto inchaço da bolha bolsonarista apontado pelo Data Folha, considerando-se que ninguém medianamente normal conseguirá governar com um Congresso desses. Na falta de qualquer proposta crível, o próprio Bolsonaro usa o lamentável resultado das eleições àquela casa como plataforma eleitoral. Mas se é fácil iludir a bolha com essa conversa, qualquer um que tenha acompanhado os fatos políticos das últimas décadas sabe que não há nada mais volúvel do que o chamado Centrão, ou quaisquer dos atuais rosnantes políticos da direita brasileira. Por mais que hoje prefiram Bolsonaro, seus interesses se amoldarão a qualquer um que ocupe a presidência a partir do próximo ano, e o rosnado rapidinho se tornará ronronado.

Além disso, se mesmo de fora da bolha o eleitorado vota por promessa de emprego, saco de cimento, aperto de mão, tapinha no ombro e outras benesses distribuídas regionalmente, em Brasília a coisa muda e se pode prever o quanto tudo já está se transformando. O STF, por exemplo, tem dado mostras de muito preocupado em reverter o desgaste de sua imagem entre as cortes internacionais. Isso ocorre desde que a Ministra da Justiça da Alemanha declarou que “O Brasil é país do outro mundo”. A justiça alemã é considerada modelo mundial, e as palavras de Herta Däubler-Gmelin foram um alerta para o mundo, porque a comunidade das nações sabe que, a continuar os absurdos de “domínios do fato sem fato”, e até literatura de ficção jurídica que permite condenar sem provas, resultando no inocentar Michel Temer, apesar de existirem todas as provas de suas práticas criminosas, o que indignando Herta fazendo com que alertasse ao mundo que se permitirem a instauração da barbárie no maior país da América do Sul, rapidinho se derruirá a civilização em todos os continentes. Não é exagero. A civilização já quase soçobrou a partir do país de maior produção e projeção de ideais civilizatórios do século 18 ao 20.

Tudo isso fez com que Gilmar Mendes voltasse de convenções jurídicas internacionais em Portugal sinalizando ser hora de pôr ordem na casa antes que caia. Mais as revelações da Vaza Jato sobre a Lava Jato entre outros barbarismos, fizeram o sistema judiciário brasileiro entrar na mira da ONU, Tribunal de Haia e todas as mais altas esferas jurídicas do mundo, pois se sabe que isso de civilização é uma casquinha de verniz. E, se aqui apodrece, toda a podridão defecada nesse país se alastrará até o Hemisfério Norte. E o mundo sabe que só tem duas coisas que mantêm o processo civilizatório: cultura e justiça.

A partir daí começou a acabar aquele negócio de salvar o pescoço ou a conta bancária em paraíso fiscal com colar de pérolas e outros mimos pra esposa de magistrado. Como já deu pra perceber, mesmo os “terrivelmente evangélicos” se arriscam a tomar tombo se não andarem na linha. Sem conseguir entender muito do que se trata e incapaz de perceber onde pisou fora, Bolsonaro vive evocando as quatro linhas da Constituição, mas, se alguém pedir que cite uma delas, a resposta será imediata: “Vá perguntar pra sua mãe!”

No Ministério Público Federal, vários procuradores já demonstram ansiar pela hora de começar a moralizar a instituição. Se a Polícia Federal (reabilitada no governo Lula) voltar a ter autonomia, e o COAF, o IBAMA, o TCU, a Controladoria e demais órgãos de fiscalização voltar a funcionar como devem, não haverá sigilo e orçamento secreto que não se revire, impunidade de deputado e senador que se mantenha. Claro que não faltará outro meliante seguidor de Roberto Jefferson para desafiar a Suprema Corte, proferindo injúrias contra seus membros, mas o destino também será igual. Assim sendo, os suplentes devem manter as malas prontas, porque, por mais que o Lira desafine, muita gente terá de se mudar pra Brasília. É só lembrar-se de quantos líderes de bancada no Senado e Câmara e até presidentes de partido ou da própria Câmara foram acomodados em celas ou adornados por tornozeleiras eletrônicas nas últimas décadas. Inclusive governadores e parlamentares popularizados pela mídia como paladinos da justiça e do combate à corrupção que praticavam à larga, acoitados pela grande mídia.

Se já antes nem tudo se podia esconder, depois do golpe por impeachment sem crime de responsabilidade e prisão por convicções de “conje” travestido de juiz e procuradores malandrecos, seja qual for a quantidade de votos que obtiveram, nenhuma impunidade está garantida. Moro sabe bem disso, tanto sabe que engoliu todos os xingamentos e  tornou a pousar de escudeiro de Bolsonaro. Isso de cultuar mito é só para os de dentro na bolha; políticos rezam por outras coisas, e Dalagnol que se fie em imunidades evangélicas.  

Pronunciamentos atestando desconhecimento, falta de noção ou ignorância são inconfundíveis pontos de identificação entre o mito e o gado. “Dá que te dou outra”, “E daí?” “Vagabunda!” “Só não te estupro porque não merece” “Sou especializado em matar” e outras demonstrações de mau-caratismo, são apenas identificações que só reforçam a bolha. 

A bolha só purgará com o tempo, depois de retomadas as investigações sobre rachadinhas,  Queiroz,  Mariele Franco, Bibiano, Nóbrega, casa de chocolate, Michele e ex Micheles,  agregados e agregadas, climas por menores de idade, fake News, mansões etc. e tal.  Depois de calados os anuais pronunciamentos na abertura de trabalhos da ONU, que o resto do mundo interpreta como tragicomédias entre lamentáveis e hilárias. Depois que o cercadinho se esvair, e não houver mais distribuição de palavrões. xingamentos e disparos de mentiras, ainda haverá almas mantidas em suas naturezas purulentas, mas esses se encostarão aos cantos para cochichar mentiras para si mesmo, rememorando pútridos e duvidosos prazeres.  Décadas depois da Segunda Guerra, aqui mesmo no Brasil e pelo cone sul do continente,  se ouvia desses murmúrios por velhos nazistas que escaparam de Nuremberg, mas já então apaziguados pela irreversibilidade das circunstâncias. Assim como depois de Collor de Melo, a mídia empresarial e outras concentrações de interesses criaram novas circunstâncias que produziram Bolsonaro, em algum tempo futuro tentarão novamente, mas tudo indica que dessa vez levará muito maior tempo. Espera-se que se ativem os esforços para a formação de consciência brasileira, para que nunca mais se elejam Fernando Henrique Cardoso, Aécio Neves, Eduardo Cunha, Michel Temer ou elementos similares aos que, desta vez, foram eleitos para o Congresso e governo de alguns estados.

Não há muito o que fazer com a bolha. Nem mesmo Bolsonaro conseguirá reduzir a bolha bolsonarista, porque, em verdade, depois dos últimos quatro anos não há mais bolsonaristas. O que existe dentro da bolha são reproduções, clones de bolsonaros. E não é ficção científica. É só analisar quem invadiu o Congresso dos EUA, coisa que jamais o povo daquele país imaginou fazer. Os invasores daquele Congresso eram reproduções de Trump, clones. Roberto Jefferson não é um maluco solitário, há muitos. Psicólogos e psiquiatras sabem bem que transtornos psíquicos são epidêmicos e podem infectar toda uma família, ou toda uma nação. Dos que conseguiram se libertar do efeito nazista, até hoje muitos alemães ainda não entendem como fizeram o que então fizeram, não conseguem se reconhecer como eles mesmos naqueles tempos em que foram transformados em multidão de Adolf Hitler. Antropólogos sabem que mitos são exteriorizações do que se tem interiorizado e que basta estimular o Hitler de cada um, para aparecer um Roberto Jefferson que hoje é apenas um clone do Bolsonaro, mas também é uma demonstração de que bolsonarentos vagam por este nosso País há muito tempo, portanto, urgentemente, é preciso desarmá-los. 

Não foi à toa que Sigmund Freud usou mitos gregos para expressar exemplos de distúrbios mentais. Entretanto, como não há psicólogos suficientes para desenvolver terapia com tanta gente, só o tempo purgará a bolha. O fedor purulento ainda vai exalar por anos, mas é difícil acreditar que de uma semana a outra essa bolha tenha inchado tanto quanto o Datafolha aferiu. Tratando-se de empresa ligada à Folha de S.Paulo, uma das produtoras de fake News, membro do oligopólio dos meios de comunicação no Brasil, é de se esperar que, com a volta do Partido dos Trabalhadores à Presidência da República, o grupo retome a luta insana contra a classe trabalhadora e os movimentos sociais, como o MST, o MTST, ou perseguindo entidades sindicais dos trabalhadores.

Pioneira do emprego de tática hoje usada pelas redes sociais, até bem recente a mídia brasileira ainda não usava o termo que se traduz como notícia falsa, mas, para quem noticia o que a Folha dissemina contra desde os tempos da ditadura militar, tratando a classe trabalhadora como sendo formada por vândalos, ou mesmo terroristas, não há dificuldade alguma em aumentar alguns pontos em resultados de pesquisas eleitorais. É o de menos e talvez até sirva como estímulo para ninguém deixar de ir às urnas, entretanto essa injustificável disparidade de uma semana à outra  traz no bojo algo muito preocupante se associada à negativa do Ministério da Defesa em apresentar o resultado de sua aferição das urnas do primeiro turno ao TSE. Por que só poderão entregar tal resultado após os resultados do segundo turno, se a computação dos votos é aferida e divulgada no mesmo dia da votação? Depois do resultado do segundo turno poderão alegar o que bem entender e, com isso, justificar uma ação dos generais a serviço do capitão.

Será que o Datafolha e o Ministério da Defesa se uniram a serviço de desconhecidas eminências pardas de alhures ou daqui mesmo? Talvez não seja o caso de considerar que à noite todos os gatos sejam pardos, mas há de se considerar que pardo ou branco podem estar armando a cama para o pulo do gato. E nesse caso, gato que tem medo de água fria deve estar atento para possível fervura de golpe.

É bom ir se preparando, se arregimentando para tomar as ruas no dia seguinte ou na mesma noite em que se anunciar o resultado do pleito, porque a permanência de militares nas casernas só é garantida com multidões ocupando as praças das cidades, como já ensinava Castro Alves.

Sugestão: todo mundo com a bandeira do Brasil pronta para ser desfraldada na porta de casa na noite de 30 de outubro, próximo domingo. Por que não de dia? Por que, até aí, acreditarão e divulgarão que se trata de milhões de bolsonarentos marcando suas presenças no dia da disputa final do pleito. À noite, sim, com a vitória de Lula, as avenidas se encherão ao som de “Lula lá”, entre buzinaços e alegria geral, um gesto que caracterizará o anúncio de que a verde-amarela voltou a ser nossa. Sem a suástica,  claro, que, embora não apareça nas concentrações bolsonaristas (ali ela existe apenas tatuadas em seus corpos), é notório o espectro do nazismo pairando por sobre suas concentrações. Multipliquemos a policromia libertária da bandeira realmente brasileira que, por desconhecerem a origem do nome do país, versão portuguesa da saudosa ibirapitanga, se imagina que a queiramos vermelha.

Conforme o resultado do próximo domingo, bandeiras em portais e janelas para abafar o grito das suásticas e confundi-las, até que se deem conta de que nem fardada a boiada voltará a passar.

 

(*)Raul Longo, escritor, roteirista de HQ, repórter, cronista e editor de jornais, autor de Caos & Cosmos, livro publicado em 2010, atuou em diversos jornais e revistas.

(**)General Ernesto Geisel, 4° presidente do Brasil durante o regime militar. Entre os ditadores que se sucederam naqueles “anos de chumbo grosso”, foi o único que se revelou com qualidade distintiva de um militar nacionalista. Foi o general Geisel quem determinou a volta ao regime democrático, de forma “lenta e gradual”. Durante seu governo, foram descobertos os planos de Jair Bolsonaro para explodir bombas em instalações militares, com o objetivo de pressionar o comando do Exército por melhores salários e condições. Depois de obter informações sobre aquele oficial que instigava motins, o general Geisel concluiu que se tratava de um oficial “bunda suja”, afirmou, exatamente nesses termos, o general Geisel, à época Presidente da República.

PS: No debate da Globo, no 1° turno, quando Lula referiu-se ao general Geisel como tendo sido o único presidente que o superou na realização de determinadas obras, Bolsonaro desconversou, não elogiou o desempenho do mesmo, como o faria se Lula tivesse citado o ditador Emílio Garrastazu Médici, o terror dos anos de chumbo.

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