Como anotado em outro texto de minha autoria,1 Portugal e Espanha devem ser vistos como os grandes vencedores do momento inicial da expansão ultramarina européia. Estas duas nações chegam imediatamente ao grande comércio mundial, ao ouro e à prata. Em face disso abalançaram-se a dividir o globo em duas metades, apoderando-se, assim, das riquezas, das terras e das gentes.
Para Tito, cuja ausência se fez presença perene.
Iraci del Nero da Costa *
Não seria descabido, pois, propor que os movimentos observados nas demais nações européias definiram-se como ações reflexas mediante as quais esses retardatários e "desprivilegiados" pretenderam carrear para si os ganhos auferidos pelas duas grandes potências hegemônicas em escala mundial.
Correlatamente, pode-se tomar o êxito econômico dessas duas potências como um dos elementos que contribuíram fortemente para a afirmação da Revolução Industrial.
Assim, Portugal e Espanha não devem ser pensadas como elementos marginais de um movimento "progressista" que levou ao desenvolvimento tecnológico e socioeconômico propiciado pela Revolução Industrial, mas, sim, como relevantes componentes impulsionadores de tal movimento.
Evidentemente, estas minhas afirmações não negam o conjunto de "atrasos" (técnico, cultural, religioso, político etc.) das duas nações em tela, apenas coloca a História em seu leito natural - "historicamente dado" - deixando de lado as apologéticas interpretações dos avanços decorrentes da afirmação e desenvolvimento do capitalismo europeu.
Portugal e Espanha ao congelarem as mentes e as instituições e ao se apegarem ferreamente ao capital comercial procuraram a maior proximidade possível com a verdadeira alma burguesa, qual seja a maximização dos ganhos no mais curto espaço de tempo possível. Lembremos, ademais, que essa atitude não se deveu a uma falsa percepção do momento histórico; não, os recursos disponíveis destinavam-se às atividades mais rentáveis existentes à época e assumiam a forma mercantil porque essa forma aliada àquelas atividades lhes proporcionava o maior retorno possível, lembremos sempre: naquele momento histórico.
Haveria alternativas? Como anotado no texto referido acima "sempre as há, aqui a questão é saber se eventuais alternativas conseguiriam impor-se. Havia clima político, econômico, psicológico e ideológico para, digamos, 'pensar-se mais a longo prazo'? Para 'pensar' sim, para implementar não. Ora é justamente este o ensinamento das repostas às crises havidas no segundo meado do século XVII e do XVIII. Nas duas oportunidades, na primeira sob inspiração de Duarte Ribeiro de Macedo e na segunda sob a condução enérgica do Marquês de Pombal, as práticas inovadoras e que apontavam no sentido do desenvolvimento manufatureiro autônomo de Portugal são adotadas e seus frutos positivos chegam a materializar-se; não obstante, superadas, em espaço de tempo relativamente curto, as causas imediatas das crises, e na ausência de uma massa crítica expressiva de 'interesses industrializantes' que certamente não chegaram a cristalizar-se no aludido espaço de tempo, impõem-se novamente as velhas práticas. Sobre a crise do século XVII diz Vitorino de Magalhães Godinho: 'Os anos de 1690 a 1705 foram de incontestável incremento e prosperidade mercantil para Portugal. Ora, sendo a política industrial uma resposta à crise comercial, uma vez esta passada, a primeira perdia a sua razão de ser.'2"
Estes dois exemplos evidenciam a capacidade de resposta de Portugal frente a condições desfavoráveis demonstrando, além disso, ainda estar viva, já avançado o século XVIII, a flexibilidade e maleabilidade de aculturação características dos primeiros navegadores e colonizadores lusos. Assim, a volta às velhas práticas não se deu por incapacidade de formulação de alternativas nem pelo apego irracional a posturas conservadoras, mas, sim, pela adoção estrita da "racionalidade" econômica própria do capital, em geral, e do capital comercial, em particular: auferir, no mais curto espaço de tempo, o máximo possível de ganhos.
Dar guarida naquele momento ao projeto industrializante que aproximaria Portugal do modelo perseguido pelos ingleses e outras nações europeias seria renunciar a lucros imediatos em favor de eventuais ganhos futuros sobre os quais não se tinha, à época, segurança absoluta.
Enfim, Portugal e Espanha foram vítimas de seu próprio pioneirismo calcado que estava no capital comercial, na sua precoce constituição como nações modernas e na emergência precursora, em ambos países, de um poder político central unificador.
NOTAS
1. Cf. "Por mares nunca dantes navegados..." versão em português do Pravda.ru online, 22 de novembro de 2011, disponível em:
http://port.pravda.ru/mundo/22-11-2011/32495-mares_navegados-0/
2. GODINHO, V. M. Portugal, as frotas do açúcar e as frotas do ouro (1670-1770). Estudos Econômicos. São Paulo: IPE-USP, 13(número especial), 1983, p. 726.
* Professor Livre-docente aposentado da Universidade de São Paulo.
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