A crise económica de 2010 - cujos indicadores são relativamente bem conhecidos - está a expor as vulnerabilidades da Zona Euro a que Portugal pertence. Esses pontos fracos vão exigir decisões políticas a muito curto prazo se a União Europeia quiser continuar a ser uma união interdependente e um modelo de coesão entre Estados, e não se degradar num modelo de dependência, como é, por exemplo, a NAFTA, com grandes disparidades entre Estados membros.
Com a presente crise, estamos a assistir ao derrubar de vários mitos:
1. Que a moeda comum da zona euro continua forte mesmo em tempos de recessão, porque os seus membros se comprometeram a não ultrapassar défices orçamentais superiores a 3% do PIB.
2. Que a UE, ao contrário dos E.U.A. não está preocupada com a prossecução de uma política monetarista (moeda de reserva forte) à custa do crescimento.
3. Que o modelo de integração da UE, em contraste com o modelo de "dependência" da NAFTA, continuará a ser o elemento-chave para atrair novos membros e expandir o maior bloco económico mundial com a mais forte economia e moeda.
4. Que a integração na Zona Euro diminui a economia paralela e fortalece o comércio legal para benefício de todos, devido ao crescimento constante.
5. Que os membros da Zona Euro estão mais protegidos contra ciclos de depressão global do que o resto do mundo.
A crise actual está à trazer à superfície, a realidade de que a Zona Euro depende da decisão dos membros mais fortes, determinados a competir com outras economias dotadas dos seus próprios blocos regionais, especialmente os E.U.A. e Japão, mas também os BRIC.
Tanto o FMI, como grandes bancos privados e as agências de rating estão a alvitrar que 2010 será um ano de recuperação para a China, Índia, e para muitos dos países avançados como os E.U.A. e Alemanha. Esse optimismo baseia-se no crescimento empresarial das grandes empresas, mas não abrange o que se passa com as pequenas empresas, nem com o poder de compra da classe média.
Dentro da UE, essas entidades apontam más perspectivas de crescimento para Portugal, Itália, Irlanda, Grécia e Espanha, a que fazem corresponder o acrónimo PIIGS, de evidente factura WASP. Estes países estão a ser alvo de especuladores de títulos e acções, em grande parte os responsáveis pela queda do euro e do mercado de acções desde Janeiro de 2010.
O Crédito vai ficar muito mais restrito à medida que subirem as taxas de juros e os bancos ficarem relutantes em conceder empréstimos. Como houve bancos a receber a ajuda de fundos públicos para se consolidarem, e reinvestiram no reforço da sua própria posição e / ou na compra de outros bancos, o crédito à economia real está estrangulado e, de acordo as previsões de vários bancos centrais da EU, as taxas de juro vão subir em 2010.
Ao mesmo tempo, para diminuir os défices orçamentais até ao limite de 3% do PIB, o sector público dos Estados membros da UE vai realizar cortes drásticos de despesas nos próximos três anos. Isto significa que para a maioria dos países europeus - e não apenas Portugal, Itália, Irlanda, Grécia e Espanha - cujo sector público corresponde a metade do PIB, haverá uma sangria das economias a expensas da classe média.
Não é difícil prever que vão crescer as greves e distúrbios sociais em muitos países europeus em 2010. Significativamente, vai continuar a perda de confiança na economia política e a erosão do prestígio das elites políticas e financeiras. A existência de sistemas democráticos essencialmente "bipartidários" em toda a Europa, com alternância de forças de centro esquerda e centro direita, que representam políticas económicas semelhantes e as mesmas elites políticas; e a ausência felizmente alcançada de uma ameaça revolucionária, vai ter um efeito perverso na relativa liberdade de acção dos governos pedirem sacrifícios às populações sem considerarem políticas económicas alternativas.
Tal como os Estados escolheram a intervenção para ajudar as elites financeiras a recuperar força, o Banco Central Europeu poderia muito simplesmente ter desenvolvido um fundo de crise ", para as emergências que Portugal, Itália, Irlanda, Grécia e Espanha estão a enfrentar. Porque não o faz?
Para desviar de si a responsabilidade, muitos dirigentes políticos da UE estão a culpar os especuladores pela queda do euro. Outros analistas sugerem que os E.U.A, juntamente com o Reino Unido como seu procurador europeu, querem uma UE mais fraca. Todos os indicadores, contudo, mostram que os verdadeiros beneficiários são os investidores alemães que estão a comprar títulos para financiar a dívida consolidada da Zona Euro.
Com as vulnerabilidades da Zona Euro à vista de todos, a questão é que acções vão decidir os dirigentes da UE para moldar o futuro comum. Será o papel da Zona Euro unicamente manter-se competitiva com os E.U.A, a China, o Japão, e outros blocos regionais, através do reforço do capital financeiro em detrimento da classe média e do desenvolvimento desigual no seio da União? Ou continua a ser missão da UE contribuir para a coesão dos estados membros e reduzir as disparidades internas, a fim de promover um bloco regional democrático que continue a ser atraente para todos os membros associados?
Foi em nome dos objectivos da coesão de todos os Estados membros que Portugal aderiu em 1986 à Comunidade Europeia. O Instituto da Democracia Portuguesa entende que este objectivo deve ser constantemente explicitado e utilizado para explicar que a crise actual resulta em parte do seu esquecimento; para desmentir as explicações monetaristas da crise que ocultam interesses especulativos de alguns; para exigir dos nosso parceiros do norte da Europa a sua prossecução em termos claros e iniludíveis.
Congratulamo-nos que as recentes tomadas de posição do Presidente da República e do Ministro das Finanças, bem como do director-geral do Fundo Monetário Internacional (FMI), tenham vindo neste sentido, Mas considerando que existe uma escassa consciência da eficácia deste princípio basilar da União, apelamos à comunicação social para passar mais e melhor essa mensagem.
IDP - Instituto Democracia Portuguesa
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