Brasil: César Benjamin, vice de HH, se afasta do PSOL, atirando

Por Altamiro Borges*

César Benjamin, candidato a vice de Heloísa Helena, sai atirando no PSOL – “para não me comprometer com nenhum besteirol” – e confirma os dilemas deste partido, que aprovou a neutralidade no segundo turno, mas não contém as suas divisões.


César: "Nunca fui do PSOL"

Com um discurso marcadamente de oposição ao governo Lula e com um forte viés moralista, a candidata Heloísa Helena conquistou 6,6 milhões de votos no primeiro turno (6,3% do votos válidos) e projetou uma nova força política no país. Terminado aquele round, porém, a “frente de esquerda” formada para apoiar a ex-senadora sofreu fraturas e seu próprio partido, o PSOL, ingressou numa fase de intenso debate interno.


Muitas perguntas sem resposta


HH prega a neutralidade no segundo turno; algumas correntes do PSOL defenderam o voto nulo e outras tendências e personalidades propuseram que se evite o retrocesso representado por Alckmin. Já no interior da coligação, o PSTU reafirmou seu principismo do voto nulo, enquanto o PCB indicou "voto crítico em Lula".


Os dilemas são muitos e não se restringem apenas ao segundo turno da sucessão. Ninguém sabe ao certo qual será o futuro do partido e da “frente de esquerda”. Qual será, de fato, o programa do PSOL? O de um partido anticapitalista radical ou de uma força antineoliberal? Qual será a sua tática no próximo governo? Reforçará a oposição radical ao presidente Lula, compondo-se com as forças conservadoras? Ou adotará uma postura independente, que demarque com o campo da direita e pressione o governo Lula? Qual será o seu formato organizativo? O de uma frente com várias frações internas ou de um partido centralizado? A “frente” será mantida ou foi apenas uma mera aliança temporária, eleitoral? São inúmeras as dúvidas.


“Combinação de ignorância e arrogância”


No caldeirão deste debate, as declarações de César Benjamin ao jornalista Tales Faria, publicadas na coluna Informe JB, do Jornal do Brasil, poderão ter o efeito de uma bomba de nêutrons. O economista que foi candidato à vice de Heloísa Helena aponta, de maneira incendiaria, os dilemas do PSOL e das forças que lhe deram sustentação. Apesar de longa, vale a pena reproduzi-la para demonstrar os enormes desafios que estas forças enfrentam. Diante da pergunta sobre os boatos de que estaria rompendo com o PSOL, César Benjamin desabafou:


"Não estou propriamente rompendo com o PSOL, pelo simples fato de que nunca fui do PSOL. Assinei a ficha, tempos atrás, a pedidos, para ajudar na campanha pela legalização da nova legenda, mas nunca militei no partido. Fui convidado para a posição de vice da Heloísa e aceitei. Mantive uma participação discreta, basicamente em debates em universidades e instituições, e tentei ajudar pessoalmente a Heloísa de diversas maneiras. Escrevi um documento programático de umas 60 páginas que terminou saindo em meu nome, pois a direção do PSOL é uma rara combinação de ignorância, truculência e arrogância".


Veja mais trechos das declarações no Informe JB (de terça-feira, 24):


“A truculência de pequenos burocratas”


"Depois de uns 40 dias de debates entre eles, dos quais não participei, pois estava em outras atividades, caminhavam para fazer alterações inaceitáveis, que mutilavam o texto e o reduziam a algo inominável. Quando vi o que estava sendo gestado, dei um pulo: a partir do meu trabalho, isso não! Era um desrespeito à inteligência alheia. Daí a decisão de publicar o meu texto na íntegra, com minha assinatura pessoal, de modo a não me comprometer com nenhum besteirol."


"Passada a campanha, acho que em algum momento vou encaminhar minha desfiliação formal, mas não tenho pressa. É mera formalidade, pois, como disse, não milito no partido. Sequer fui chamado a opinar sobre a posição em relação ao segundo turno, o que mostra o nível de truculência desses pequenos burocratas. Vi a posição do PSOL pelos jornais... Eu teria proposto que encaminhássemos cinco ou seis pontos programáticos sérios, de interesse do Brasil, para um debate com o PT. Nem adesão (pois seriam pontos sérios), nem provocação (pois seriam coisas possíveis), pedindo que o PT e o Lula se posicionassem. Como isso não foi feito, temos aí este segundo turno deprimente.


“Resolução em caráter proibitivo”


O desabafo de César Benjamin revela o imbróglio do PSOL. Logo após a confirmação dos resultados do primeiro turno, a candidata Heloísa Helena, com seu estilo personalista e intempestivo, foi em frente. Em discurso no Senado, “proibiu” os filiados do partido de se manifestarem no segundo turno. “Lá na urna, tudo bem. Pode votar em que quiser. Mas publicamente não. Se quiser, tem que ir para o PSDB ou para o PT”. Reforçando sua imagem de “valente”, ela lamentou: “O único detalhe que me dá um mistozinho de frustração é não ter podido enfrentar o Lula num debate. Porque, infelizmente, ele ficou lá sentadinho no seu troninho podre de corrupção, arrogância e covardia. E não teve coragem de ficar pertinho de mim”.


Na seqüência, a executiva do PSOL aprovou resolução confirmando a posição de neutralidade. A reunião não contou com a presença de algumas lideranças do partido e foi alvo de críticas internas. O texto chega a ser simplista. “O PSOL entende que as candidaturas que disputam o segundo turno defendem políticas econômicas neoliberais e reformas que continuarão a retirar direitos dos trabalhadores e que, no campo da ética, ambos os partidos e coligações representados por Lula e Alckmin têm dirigentes e parlamentares envolvidos com práticas de corrupção”. O texto é taxativo: “A nossa resolução tem caráter proibitivo”.


“Pode até plantar bananeira”


O jornalista Gilberto Maringoni, destacado militante do PSOL, mas que mantém o senso de humor, não perdeu a oportunidade para ironizar. “A executiva nacional do Partido Socialismo e Liberdade soltou na praça uma extensa nota (5.724 caracteres), escrita em português pedestre, na qual nega o voto tanto em Lula quanto em Alckmin e diz, entre outras coisas, o seguinte: ‘Nossos filiados, na urna, têm o direito de fazer o que quiserem. Publicamente não’... Assim, na urna pode plantar bananeira, mostrar a língua, dar uma banana e continuar a ser ‘pessoas de bem e de paz’. Mas em público, não. E, ressalte-se, a ‘resolução tem caráter proibitivo’. Mau começou para uma agremiação que se formou a partir da expulsão de quatro parlamentares do PT, que não aceitavam ‘caráter proibitivo’ em questões de consciência”.


A resolução teve o apoio entusiástico de algumas correntes que se auto-proclamam de trotskistas – como o MES, da deputada Luciana Genro, e a CST, do deputado não reeleito Babá. Mas esbarrou na resistência de lideranças políticas e de outras tendências internas do PSOL. Dos três deputados eleitos pelo partido, que antes possuía sete parlamentares, dois manifestaram imediata objeção. “Eu preciso ler a resolução do partido. Não podemos aceitar uma neutralidade insossa”, reagiu Chico Alencar, do Rio de Janeiro. Já Ivan Valente, de São Paulo, foi direto. “O perfil do partido já sinaliza a impossibilidade de votar no Alckmin. Temos de mostrar o que é mais nocivo para o país”. A corrente do parlamentar paulista, a APS (Ação Popular e Socialista), última a ingressar no PSOL, aprovou lúcida nota sinalizando o apoio crítico a Lula.


“Eu não temo as punições”


No mesmo rumo, vários renomados intelectuais também divergiram da direção do PSOL, rompendo com o cômodo diletantismo que ainda persiste neste meio. Chico de Oliveira, fundador do partido, manifestou a intenção de votar em Lula para “forçar a barra por um segundo mandato menos retrógrado”. Ele reagiu: “Não estou de acordo com a senadora e não temo as punições. Isso não é coisa de uma liderança que se projetou exatamente devido ao tratamento autoritário do PT”. Já Michael Lowy, intelectual de prestígio mundial, apesar das críticas ao continuísmo no governo Lula não vacilou: “É importante evitar que chegue ao poder um personagem perigoso, identificado com o Opus Dei, e com uma versão mais brutal, repressiva e antipopular do capitalismo selvagem... Vou votar em Lula no segundo turno”.


A divisão também se manifestou no interior da “frente de esquerda”, a coligação eleitoral que deu apoio a Heloísa Helena. O PCB emitiu nota intitulada “Fora Alckmin”, na qual afirma que “não nos furtaremos a dar nossa opinião. Não cairemos no oportunismo do silêncio nem ‘lavaremos as mãos’ para ‘liberar’ o voto dos militantes e simpatizantes do nosso partido". Depois, reuniu seu Comitê Central e apontou que "há nuances entre os dois candidatos que são importantes". Por isso, "recomenda o voto crítico em Lula, de forma unilateral, independente, sem engajamento na campanha e, muito menos, num possível segundo governo, em relação ao qual continuaremos em oposição."


* Jornalista, membro do Comitê Central do PCdoB, editor da revista Debate Sindical e autor do livro As encruzilhadas do sindicalismo (Editora Anita Garibaldi, 2ª edição)

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