Mais Brasil?

Por Gustavo Barreto*, 4/6/2006

Você acredita que uma iniciativa autodenominada "movimento" e apoiada por Armínio Fraga, Gustavo Franco, João Roberto Marinho, Antonio Ermírio de Moraes, Nelson Sirotsky e Roberto Civita poderá mudar o Brasil?

Chamo então a atenção para a campanha protagonizada por diversos artistas, entre eles o "rapper" Marcelo D2, que assisti no começo de junho de 2006 na TV Globo. Trata-se, segundo a campanha, de um "movimento" denominado QUERO MAIS BRASIL. Dizem ter apoio de 210 entidades e algumas muitas pessoas, muitas famosas. Indicam um site: www.queromaisbrasil.com.br

Acompanhe. A campanha tem alguns chavões como "(...) movimento que convida toda a sociedade brasileira a se dar as mãos e fazer com que o eterno país do futuro se torne o Brasil do presente" e logo de cara a ênfase neoliberal típica dos tempos de FHC: "(...) Querer Mais Brasil é exigir que todos os governos, das cidades, dos estados e do país, não gastem mais do que arrecadam. Sem dívida crescente, sem juros excessivos, sem gastos mal feitos. É exigir menos gasto na máquina pública e mais serviços sociais e investimentos (...) exigir a mesma eficiência dos órgãos públicos que se exige da iniciativa privada: incompetentes fora, profissionais competentes e premiados e corrupção eliminada".

A participação é fácil: com um clique, nome, cidade e mensagem, o QUERO MAIS BRASIL convida você a "não se omitir" e escrever aos governantes. Sem grande esforço, o leitor é induzido a apoiar a campanha sem conhecer seus apoiadores (vamos chegar neles).

Vários depoimentos dizem aderir ao movimento baseado em alguns chavões, como por exemplo: "(...) Apóio o Quero Mais Brasil porque concordo com o mote do Movimento. O Brasil tem que deixar de ser o eterno país do futuro para ser o país do agora". Entre as entidades, várias federações e associações comerciais, a "Sociedade Rural Brasileira" e sindicatos patronais. Além do apoio de pessoas e entidades, consta na página um "Conselho". Alguns dos vários "conselheiros": Antonio Ermírio de Moraes, João Roberto Marinho, Luciano Huck, Nelson Sirotsky, Roberto Civita, Roberto Medina, Viviane Senna e Washington Olivetto. Preciso comentar?

Na parte de cima da página, em destaque, o logo do "Instituto Millenium" (http://institutomillenium.org), que escreve em sua página: "O Instituto Millenium se dedica a intervir no debate público para promover os valores de liberdade, economia de mercado e Estado eficiente, por meio de estudos e publicações, tendo como parâmetros os padrões de modernas democracias de mercado". Os artigos deixam mais do que claro o posicionamento explicitamente neoliberal do Instituto, com frases como "(...) a condução do Brasil a uma rota de prosperidade e liberdade só é possível pelo fator de transformação histórica mais poderoso de todos: a iniciativa individual do ser humano", além de outras "verdades" definitivas do tipo.

A "ameaça" da função social

Há evidentemente uma patética diferença entre os "ideais" dos formuladores do "Brasil do presente" deste movimento e as idéias difundidas tanto pelos "conselheiros" e o Instituto parceiro, cujos idealizadores publicam artigos que dizem, entre outras barbaridades, que "(...) prédios públicos em cidades são freqüentemente invadidos por legiões do MST e congêneres, e o viés ideológico que orienta o Estado no campo já tem seu caminho para dentro dos centros urbanos traçado na lei. É o Estatuto das Cidades, que em obediência à Constituição sujeita ao poder discricionário do Estado a propriedade urbana, ou seja, diz que esta deve cumprir sua função social." Evidentemente que o autor do artigo, João Accioly , vê isto como uma "redução de liberdade imposta a quem detenha direitos de propriedade sobre território urbano (...)".

Accioly ganhou um prêmio do Instituto Liberal e de uma organização estadunidense que defende a "responsabilidade e liberdade individual", a "propriedade privada" e os "mercados livres", entre outras coisas, como consta na página da "Foundation for Economic Education" ( http://www.fee.org/ ). O mesmo Accioly é membro fundador do tal Instituto Millenium (veja em http://institutomillenium.org/quem-somos/ ), junto com Antonio Carlos Pereira (editor do Estadão), Gustavo H. B. Franco (ex-presidente do Banco Central durante o governo FHC), Luiz Eduardo Vasconcelos (ex-diretor executivo das Organizações Globo e atualmente membro do Conselho de Administração da Infoglobo e do Conselho Editorial das Organizações Globo) e Lula Vieira (publicitário). O responsável pelo denominado "comitê gestor do fundo patrimonial" do Instituto Millenium é Armínio Fraga, outro ex-presidente do Banco Central de FHC. João Roberto Marinho, dono das Organizações Globo, é do "conselho consultivo" do Instituto Millenium. Vamos relembrar que no item "O que é", em www.queromaisbrasil.com.br , está descrito que trata-se de "(...) um movimento sem nenhuma ligação partidária."

Fácil deduzir, portanto, o sentido para o nome "Quero Mais Brasil". A pequeníssima parte dos brasileiros que já tem quase 80% de todas as riquezas da Nação não está satisfeita. Aproveitando o desejo por mudanças do povo brasileiro e unindo-se a artistas pouco (ou muito) familiarizados com a situação do país, perseguem seu objetivo: querem ficar mais ricos, às custas do Brasil.

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*Gustavo Barreto é editor da imprensa alternativa e odeia hipocrisia.

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