Os jornais de Porto Alegre deram ampla cobertura à notícia de que a polícia descobriu um túnel que estava sendo construído a partir de uma rua próxima do presídio central e que, quando pronto, permitiria a fuga de centenas de presos.
As matérias chamavam a atenção para a tecnologia que estava sendo empregada na construção do túnel, que, a partir do porão de uma casa, se transformava quase numa avenida por baixo de uma rua em frente ao presídio: escoramento de madeira, iluminação, exaustores e ventiladores, tudo para assegurar uma fuga segura e tranqüila.
A conclusão seguinte é de que a obra, interrompida pela polícia, demandaria um grande investimento financeiro, só possível por um grupo organizado dentro do presídio que dispusesse de poder e dinheiro para bancar o empreendimento.
A partir dessa constatação, os jornais apontaram a facção criminosa, denominada "Os Manos", como a única que disporia de todos esses requisitos para bancar os serviços.
O passo seguinte foi contar a história de como "Os Manos" disputaram e ganharam as concorrências com outras facções, até chegar a uma posição de liderança.
É nesse ponto que as ações da facção criminosa e o mundo empresarial fora das grades se confundem.
Prisioneiros, agressivos e empreendedores, usaram métodos violentos, no início, para afastar seus concorrentes, até chegar ao controle absoluto de uma determinada área do crime.
A partir daí, foram deixando de lado essas ações mais agressivas, partindo para novos métodos de cooptação de apoiadores, usando principalmente as armas do suborno e do jogo de influências.
As ações violentas, que eram regra no passado, passaram a ser exceções.
Seus investimentos se diversificaram e deixaram de ser apenas em áreas do crime, passando a atuar em mercados praticamente legais.
A própria estrutura de comando do grupo se modificou, passando do poder pessoal de algum líder carismático, como foi o famoso Melara, para um colegiado que se reúne para tomar as decisões importantes em nome do grupo.
Não é preciso se fazer um grande exercício mental para estabelecer os pontos de contato entre as ações de um grupo assumidamente criminoso e muitos dos chamados grupos empresariais.
Esses últimos também começam da mesma maneira, procurando destruir todos os seus concorrentes (é claro, usando sempre que possível, métodos legais) até tomar conta do mercado. Aí se tornam honestos, éticos e exemplos para a sociedade.
Enquanto os assumidamente criminosos detestam que seus negócios sejam divulgados, os outros fazem questão de anunciar suas virtudes e alguns até, depois de mortos, dão nome à instituições de caridade ou até mesmo de centros culturais.
Não é fora de propósito, lembrar aqui, aquela máxima de Bertold Brecht, "o que é roubar um banco, comparado com fundar um", embora nenhum jornal que noticiou a ação criminosa, tenha pensado nessa associação, mesmo que ela seja tão óbvia.
Marino Boeira é jornalista, formado em História pela UFRGS
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