A presidente do Brasil, Dilma Rousseff, dia 13 de dezembro veio a Moscou como um "player global" de grande ambição, em certo momento capaz de jogar suas cartas, em outro de desistir, e às vezes de empatar. Descobriu-se que a parceria estratégica entre o Brasil e a Rússia está prejudicada por distâncias, lentidão dos funcionários e barreiras crônicas restritivas.
Dilma veio acompanhada pelo chanceler, António Patriota, o ministro da Defesa, Celso Amorim, ministro da Educação, Aloísio Mercadante e o ministro da Indústria, Fernando Pimentel, bem como por 80 empresários que atuam em vários campos, desde a biotecnologia até o turismo. Todos eles participaram do Fórum com o título falando: "Brasil-Rússia: reforçar a cooperação estratégica".
A parceria estratégica entre os dois países apresenta-se inevitável devido a pontos de vista semelhantes sobre problemas políticas internacionais, bem como a níveis semelhantes de desenvolvimento econômico. No entanto, esta última coincidência dá origem para a competição. Antes da visita o aspecto mais debatido na imprensa era a parceria dos países no âmbito do BRICS, que agora a mídia ocidental está tentando desacreditar. Assim, a BBC citou Riordan Roett, cientista político e brasilianista da Universidade Johns Hopkins e autor do livro "O Novo Brasil". "O conceito de BRICS está em crise", — assegura Roett. " Já que, em contraste com a imagem dinamismo de anos atrás, ''o Brasil enfrenta crescimento lento, a Índia padece de paralisia política, a África do Sul já mostrou que não deveria pertencer ao bloco e Rússia e China enfrentam transições políticas lentas e previsíveis (sic!)''.
No entanto, os líderes do Brasil e da Rússia não compartilham esta "marcha fúnebre". " Acho que um dos maiores eventos da última década, desde o início do século XXI, nas relações internacionais foi a criação do grupo BRICS — disse Dilma. " Acho que o BRICS desempenha um papel importante na construção de um mundo multipolar. Nós, os países do BRICS, temos feito esforços para criar relações que garantam a manutenção da paz e do direito dos povos à auto-determinação ".
Presidente do Brasil disse que a intervenção militar internacional na Síria pode levar a uma repetição dos erros cometidos anteriormente. "Aqueles que defendem a solução de conflitos através das armas têm tido grandes problemas, a exemplo do Afeganistão, onde estão retirando as tropas e continua a mesma situação. A mesma coisa ocorreu no Iraque. E hoje nós vemos que a situação da Líbia não é tão tranquila assim'', disse a presidente " acrescentando que o presidente Putin compartilha a mesma posição "de uma forma bastante incisiva''.
A cooperação dentro do BRICS empurra para a cooperação econômica, que não é tão certa. O Brasil se tornou o primeiro parceiro comercial da Rússia na América Latina. O intercâmbio de mercadorias no ano passado ultrapassou US $ 6,5 bilhões. Mas os números ainda são pequenos demais para falar da cooperação integral. Os países têm a mesma escala de exportação — ambos são produtores primários o que determina a estrutura do comércio. A Rússia fornece hidrocarbonetos e produtos químicos, e o Brasil — alimentos, "Não devemos ser os produtores primários, como era antes", — disse Dilma.
Há uma necessidade urgente de uma ação conjunta no campo de nanotecnologia, comunicações e tecnologia da informação, indústria aeroespacial e de automóveis. "Uma das tarefas mais importantes é a ativação da interação de investimentos, o uso amplo de moedas nacionais (rublo e real) nas contas bilaterais. Isto dá aos contatos econômicos dos dois países maior estabilidade em relação às variações da economia mundial. Permite estabelecer ligações tecnológicas sólidas entre nossas empresas", disse Putin. "Esperamos sinceramente que, no futuro próximo, possamos ver mudanças significativas, portanto temos grandes planos e projetos bons, que estão acumulando centenas de milhões, bilhões de dólares", acrescentou.
Entre os negócios mais destacados no Brasil estão realizando as companhias metalúrgicas russas Metchel e Severestal, helicópteros russos realizam trabalhos de prospecção geológica na bacia do Amazonas. Vale a pena assinalar em especial os projetos na esfera da extração e fornecimento de carbonetos, em que participam a companhia petrolífera TNK-BP e a de gás NOVATEK. Na Rússia introduzem gradualmente tecnologias brasileiras: a produção conjunta de ônibus pelo gigante automobilístico russo KAMAZ, a companhia brasileira Marcopolo e Metalfrio Solutions, que atua na região de Kaliningrado na produção de refrigeradores e freezers, e OJSC "SUN InBev" com capital brasileiro na fabricação de cerveja.
Têm surgido as novas perspectivas. Na véspera da visita da presidente brasileira, a Embraer Aircraft Corporation recebeu um certificado para a venda da sua aeronave RJ-190 na Rússia. É uma competição direta com o novo avião russo Superjet-100, mas não todas as companhias aéreas russas têm dinheiro para comprar novos equipamentos. Obviamente, nessas condições, RJ-190 será capaz de conquistar um lugar ao sol, não só na Rússia, mas também na Comunidade dos Estados Independentes (CEI). O mercado russo permitirá á Embraer a se desenvolver de forma contínua.
O Brasil, por seu lado, avalia bem os helicópteros russos, tanto militares como civis. "Acreditamos que a oferta de helicópteros russos para as Forças Armadas do Brasil reforça o nosso potencial militar", — disse Dilma. As Forças Aéreas brasileiras possuem os helicópteros russos de ataque Mi-35M (AH-2 Sabre). O contrato prevê o fornecimento de 12 helicópteros até os finais de 2012. A presidente do Brasil disse que em janeiro, a Brasília enviaria uma missão a Moscou para discutir a cooperação no domínio da defesa antiaérea.
Além disso, durante a visita foi assinado o contrato entre o holding Helicópteros da Rússia e a empresa brasileira AtlasTáxi Aéreo sobre o fornecimento de sete helicópteros Ka-62, que seriam usados principalmente para o transporte para plataformas da estatal brasileira Petrobras. O contrato prevê a exportação de sete helicópteros e mais sete em opção.
Mas nem tudo é cor de rosa. A Rússia é o maior mercado para a carne bovina brasileira (41 por cento do total das exportações), e o segundo maior importador de carne de porco. No entanto, a Rospotrebnadzor (Agência de Vigilância Sanitária da Rússia) tem suspendido importações das carnes por desconformidade dos certificados do Brasil às normas sanitárias russas. Este problema está constantemente discutida na mídia brasileira com avaliações negativas das autoridades russas, dizendo: como é assim, a China compra, sem problema nenhum, e os russos não querem. Dilma não deixou de levantar esta questão para discutir. Agora é um momento muito favorável para corrigir a situação, pois, Rospotrebnadzor impôs um embargo à importação das carnes dos Estados Unidos por causa do uso de substância ractopamina a estimular o crescimento de gado e considerada nociva para a saúde humana. O jornal "Vedomosti" reportou que o Brasil está pronto para abandonar o uso da droga, segundo um aviso recebido do Ministério da Agricultura do Brasil, disse o oficial da Rosselkhoznadzor, Alexei Alekseenko.
Mas tal afirmação de preconceito, podemos produzir e contra o Brasil. Devido a restrições fitossanitárias , a Rússia não pode exportar seu trigo para o Brasil. Além disso, o MERCOSUL ainda manteve imposto de importação de 10 por cento para os produtos russos. O diretor geral da Companhia Geral do Grão da Rússia, Serguei Polyakov, destacou a necessidade de uma rota de transporte naval entre os dois países que permitirá os navios de carga se carregarem em ambos os sentidos. Em seguida, haverá a possibilidade de exportação de trigo russo para o Brasil, no valor de dois ou três milhões de toneladas e exportações adicionais para fertilizantes russos. Neste caso, a Rússia poderia aumentar as importações de soja.
"A realidade da economia global é que estamos tentando defender-se, às vezes mais do que precisamos, da concorrência estrangeira, e, claro, gostaria de ver os governos numa base de reciprocidade para encontrarem soluções que reduzam as restrições ao comércio e investimento, para reduzir as barreiras mútuas" — disse vice-primeiro-ministro russo, Andrei Dvorkovich. Neste contexto, a presidente Dilma invocou uma lenda que circula no meio esportivo que remete à ocasião em que o Brasil disputou a semifinal da Copa do Mundo de 1958, na Suécia, contra a Rússia.
À época, disse a presidente, o então técnico da seleção brasileira, Vicente Feola, teria se dirigido ao jogador Garrincha dizendo que o jogo contra os russos seria muito duro. Orientou-o, então, a entrar pela direita, cortar para a esquerda, centrar a bola e fazer o gol.
Garrincha, continuou Dilma, após ouvir a orientação do técnico, teria dito então: "Senhor treinador, o senhor já combinou com os russos?". Dilma Rousseff então emendou: "Quero dizer aos senhores que vim combinar com os russos desta vez", sob acompanhamento de risos do público.
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