Por Luiz Machado*
"O Brasil, como todos sabem, foi descoberto em 1500; mas o
Brasil só descobriu o mundo há pouco mais de quinze anos".
Sergio Amaral
É com a frase da epígrafe que o embaixador e ex-ministro Sergio Amaral costuma, de forma bem humorada, reconhecer que a economia brasileira só se abriu para o mundo a partir de 1990, num processo de abertura - ainda hoje muito criticado por muitos - que deve muito ao presidente Fernando Collor.
A percepção dos brasileiros para esse processo de abertura foi, inicialmente, muito mais ligada à entrada, no Brasil, de empresas transnacionais e de produtos estrangeiros do que qualquer outra coisa.
De fato, após anos e anos sem ter acesso a produtos importados, a sensação de poder comprar artigos a que só se tinha acesso mediante pagamento de elevadas taxas de importação ou trazendo-os de viagens ao exterior, respeitados os limites legais, deixou muita gente deslumbrada e, em conseqüência disso, houve uma verdadeira orgia de consumo de vinhos, queijos, roupas, brinquedos e eletroeletrônicos, nem todos de boa qualidade.
A apreciação da moeda nacional ocorrida com a introdução da nova moeda, o real, tornou ainda mais acentuada essa explosão de consumo de importados, atingindo inclusive o setor automobilístico, visto que os preços dos automóveis importados ficaram bastante atraentes até o final dos anos 90, quando a taxa de importação sofreu elevação considerável.
Demorou muito tempo até que se percebesse que a abertura econômica é um processo de duas vias e que, em decorrência disso, havia possibilidade também para a ampliação da participação de nossas empresas e de nossos produtos em outros mercados. Feita a transição para essa nova etapa, constata-se uma presença inicial apenas de grandes empresas, o que apenas confirma a falsa impressão de que a internacionalização só é possível para grandes empresas.
Apenas de alguns anos para cá é que empresas de pequeno e médio porte atentaram para essa possibilidade, em parte por terem sido alertadas por consultores, analistas e publicações - novas e antigas - que deram realce a esse aspecto.
Tal processo de internacionalização de nossas empresas só ganhou força à medida que o Brasil superou, com êxito o duplo desafio que teve de enfrentar na década de 1990: o de se inserir na economia globalizada e o de fazer a transição da instabilidade para a estabilidade. O sucesso na superação desse duplo desafio contribuiu para a redução da forte oposição existente inicialmente em parcelas significativas da sociedade - em especial entre os jornalistas e professores - à globalização de um modo geral e à inserção do Brasil na economia globalizada em particular.
Dessa época aos dias de hoje, muita coisa mudou, e com exceção de alguns poucos que ainda se opõem radicalmente à globalização, normalmente com base em posições ideológicas e dogmáticas, prevalece a crença de que não existe a alternativa inserir-se ou não na economia globalizada.
Pensar numa estratégia de desenvolvimento autárquica ou isolacionista nas condições predominantes neste início de século beira a loucura e a insanidade. Exemplos como a China de Mao, a Albânia de Enver Hoxha e mesmo a Cuba de Fidel Castro são eloqüentes para mostrar as terríveis conseqüências desse tipo de opção.
Não havendo, portanto, alternativa, a questão que se coloca é como se inserir de forma positiva e digna na economia globalizada. Num artigo com o interessante título de Globrasilização: a globalização que interessa ao Brasil, Roberto Macedo, ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda na gestão de Marcílio Marques Moreira (início dos anos 90), faz uma lúcida abordagem a esse respeito. Também o embaixador Rubens Ricupero, com a clareza e o brilho que lhes são peculiares, abordou essa questão como se observa no trecho a seguir:
[...] aspecto merecedor de atenção é a prova de que as variedades virtuosas de inserção são superiores também em outros termos além da capacidade de produzir desenvolvimento econômico sustentado no tempo. Da mesma forma, elas deram origem a sociedades mais igualitárias e coesas, com menor índice de disparidades, politicamente estáveis. Como se baseiam na incorporação constante de tecnologia, estiveram necessariamente associadas a esforço de aprimoramento da educação e de promoção de cultura.
Em tais modelos, os componentes de eficiência econômica, distribuição dos benefícios da prosperidade, elevação do nível da educação e da cultura, participação na vida democrática, formam as peças interdependentes de um sistema em que cada um desses aspectos tende a reforçar os outros. Em contraste, a inserção perversa, além de perpetuar o atraso econômico, destila toda uma coleção de venenos sociais: concentração da riqueza e da renda, exclusão e marginalidade, instabilidade política, retardamento educacional, frustração das possibilidades de desenvolvimento cultural.
A maneira pela qual se efetivará a inserção é, por conseguinte, o fator decisivo na determinação não apenas do êxito econômico, mas de muitos dos atributos que farão de qualquer formação social uma experiência mais ou menos satisfatória de construção humana.
O presente artigo está dividido em duas partes: na primeira, aborda a fase de transição e a tomada de consciência do segmento das pequenas e médias empresas para a possibilidade de internacionalização; e na segunda, focaliza a questão específica da capacitação de quadros para as empresas que se internacionalizam.
1. A transição para uma nova perspectiva
Tal dificuldade tem uma série de explicações. Uma delas, que gostaria de enfatizar, tem origem num aspecto cultural e que foi muito bem analisado por Ricardo Galuppo numa revista recém lançada no Brasil e que se constitui, ela própria, num sinal dos novos tempos. Chamada PIB Presença Internacional do Brasil, a revista destina-se à discussão de uma das mais positivas transformações verificadas recentemente no Brasil, qual seja, a experiência de companhias de DNA brasileiro que ousaram estender suas frentes de atuação para o exterior.
Galuppo destaca, num artigo em que analisa os passos essenciais para uma internacionalização bem sucedida, o sentimento de inferioridade que funciona como uma espécie de bloqueio toda vez que um brasileiro se vê diante da perspectiva de ter de concorrer com um estrangeiro, em especial se for originário de um país desenvolvido. Recorrendo a Nelson Rodrigues, um dos maiores cronistas do Brasil, Galuppo lembra que essa sensação de inferioridade também acompanhou o futebol brasileiro até a conquista do primeiro título mundial, na Suécia. Até então o futebol brasileiro padecia do "complexo de vira-latas", expressão que pode ser traduzida por uma inferioridade em que o brasileiro se coloca, voluntariamente, face ao resto do mundo.
Se o título conquistado na Suécia, em 1958, deixou alguma dúvida, a conquista do bicampeonato, no Chile, quatro anos depois, tirou as últimas dúvidas e fez com que, no futebol, a autoconfiança aparecesse.
E o que essa história futebolística tem a ver com a questão da internacionalização das empresas brasileiras?
Muito, segundo Galuppo:
Houve um tempo - nem tão distante assim - em que as empresas do país também padeciam do "pudor de acreditar em si mesmas". Muitas tremiam diante da hipótese de encontrar concorrentes estrangeiros pela frente. Veio a abertura comercial no início dos anos 90 e o cenário mudou. Algumas companhias trocaram de mãos, outras fecharam as portas, mas, no geral, a qualidade das empresas brasileiras melhorou muito desde aquele momento.
Realmente, a exposição à competição foi um duro golpe para muitas empresas que, acostumadas às mais diversas formas de proteção, adotaram vícios só permitidos àquelas que dispõem de privilégios e mercados cativos. As que responderam positivamente à difícil prova, no entanto, deram um salto de qualidade. Como afirma Maria Tereza Fleury, professora da Faculdade de Economia e Administração da Universidade de São Paulo: "As empresas que sobreviveram à abertura da economia e ao aumento da concorrência internacional projetaram o país para o exterior".
No primeiro momento - de uma história que se encontra ainda em suas páginas iniciais - a "aventura" da internacionalização foi experimentada apenas por empresas de grande porte, como revela um estudo de 2006 da Fundação Dom Cabral, de Belo Horizonte, instituição que vem fazendo um apurado acompanhamento desse processo. Neste estudo, as dez mais destacadas empresas e grupos nacionais que já tinham uma posição consolidada como transnacionais brasileiras eram: Gerdau, Vale do Rio Doce, Odebrecht, Petrobrás, Marcopolo, Sabó, Andrade Gutierrez, Weg, Embraer e Tigre.
As experiências dessas pioneiras, seus erros e acertos, têm sido muito importantes para as empresas que vieram depois na tentativa de trilhar o mesmo caminho. Graças a elas, a preocupação com o estudo minucioso do cenário, com o conhecimento dos detalhes e com o levantamento das vantagens e desvantagens de cada mercado passou a ser uma característica muito mais marcante dos empresários brasileiros na hora de tomar - ou não - a decisão de se internacionalizar.
Para as pequenas e médias empresas, esses cuidados têm de ser ainda maiores. E têm de levar em conta, também, que algumas condições existentes para grandes corporações inexistem para elas, principalmente no que se refere ao acesso a bancos e linhas de crédito especiais.
Como observa Sherban Leonardo Cretouiu, professor do Núcleo de Negócios Internacionais e da Parceria Empresarial Global Players da Fundação Dom Cabral:
São recursos próprios ou de parceiros que normalmente financiam os projetos de internacionalização de PMEs brasileiras. São inexistentes no mercado financeiro nacional as linhas de financiamento para estabelecimento de bases no exterior. A esta realidade se soma a natural dificuldade de acesso para empresas de menor porte aos mercados de capitais ou financeiro internacionais. Este dado sugere que apenas empresas com excepcionais resultados no campo econômico-financeiro estão em condições de se internacionalizar. Muitas vezes este eventual pré-requisito vem acompanhado ou pode ser amenizado através de parcerias com sócios locais, geralmente distribuidores e clientes da empresa no mercado-alvo.
Além desse problema relacionado ao financiamento de novos projetos, Cretouiu chama a atenção para o fato de que embora não haja proibições ou restrições governamentais ao investimento direto no exterior, algumas normas cambiais e procedimentos legais dificultam e encarecem as transações. Nesse aspecto, o Brasil estende ao investimento direto no exterior parte dos obstáculos que tornam elevadíssimos os seus custos de transação e que fazem com que o país ocupe a lamentável 122ª colocação no ranking do Doing Business, estudo do Banco Mundial que mede a facilidade para a realização de negócios, num universo de 180 países.
Por fim, conclui Cretouiu:
E se por um lado o governo não impede o investimento, por outro tampouco estimula ou auxilia o processo de internacionalização das empresas brasileiras. Inexistem estruturas ou planos de apoio institucional ao investimento de empresas brasileiras em outros países. Isto pode ser considerado um obstáculo ainda maior quando empresas de outros países emergentes como China, Índia, Malásia e Turquia contam com o estímulo e apoio formal por parte de seus governos.
De qualquer forma, o que se constata é que, apesar desses obstáculos, à medida que o tempo vai passando e que novas experiências vão se tornando conhecidas, amplia-se e diversifica-se cada vez mais o número de empresas pequenas e médias que se lançam, com êxito, no processo de internacionalização. E não apenas por meio da exportação de seus bens ou serviços, mas através da instalação física no exterior.
Essas experiências têm servido para mostrar que, diferentemente do que imaginam muitas empresas brasileiras de pequeno e médio portes, o mercado internacional nada tem de hostil ou de assustador. E, como assinala Aline Lima, "a tendência, nos próximos anos, é de que outras empresas de portes médio e pequeno descubram o caminho e mais essa possibilidade de multiplicar as oportunidades de lucro. E que, para quem se cerca das precauções adequadas e procura uma boa assessoria, ele nada tem de assustador nem de inóspito".
Para tanto, é necessário não sucumbir aos seis mitos sobre a internacionalização apontados por Gilberto Sarfati, professor do curso de Relações Internacionais da Faculdade de Economia da Fundação Armando Alvares Penteado (FAAP):
1. Minha empresa é muito pequena para se internacionalizar
2. A exploração do mercado brasileiro é suficiente para garantir o sucesso da minha empresa
3. Eu não posso pagar os custos da internacionalização
4. Com a participação em feiras internacionais e a busca de distribuidores , posso fazer um processo rápido e simples de internacionalização
5. Eu não tenho como competir no exterior, meu preço é caro e meu produto desconhecido
6. Exportar é muito complicado e arriscado
2. Capacitação de quadros para empresas que se internacionalizam
No que se refere às pesquisas, o destaque, em minha opinião, fica com o trabalho que vem sendo desenvolvido com enorme competência pela Fundação Dom Cabral. Além de promover importantes seminários, permitindo o acesso à informação do que vem sendo feito, a Fundação Dom Cabral tem dado suporte às empresas que se lançam nessa nova via de desenvolvimento.
Novas publicações têm também se multiplicado, sem contar os veículos tradicionais que cada vez mais se preocupam com o assunto, incluindo-o seguidamente em suas pautas. Além da revista PIB Presença Internacional do Brasil, já mencionada, é significativo o volume de novos livros lançados sobre o tema.
Quanto a cursos, percebe-se igualmente sua ampliação tanto em nível de graduação como de pós-graduação ou MBAs. No que se refere aos cursos de graduação, constata-se o surgimento de inúmeros cursos de Relações Internacionais com foco mais voltado para a área de diplomacia empresarial (ou corporativa), em contraste com os mais antigos, cuja ênfase recaía sobre a diplomacia tradicional. Em função desse novo enfoque, muitos estudantes formados nos cursos de Relações Internacionais que possuem este novo tipo de ênfase, entre os quais está o da FAAP, têm ingressado no mercado de trabalho em empresas que já se internacionalizaram ou que estão passando por esse processo e que, antes, não tinham um profissional com esse perfil para recrutar.
Apesar dessa enorme evolução, não se pode esperar algo definitivo ou muito grandioso numa história que, como já mencionei, encontra-se ainda em suas primeiras páginas. Sendo assim, as dificuldades são ainda muito grandes e as histórias de sucesso alternam-se às de frustrações de executivos que tiveram a oportunidade de vivenciar experiências em empresas internacionalizadas.
A citação a seguir, extraída do livro organizado por Angela da Rocha, ilustra bem a situação:
Para Hoechlin, o sucesso de um executivo em outras culturas depende fortemente da capacidade de entender e balancear dualidades, tais como pensar globalmente e agir localmente, descentralização e centralização, planejamento e oportunidade, diferenciação e integração, mudança e continuidade, delegação e controle, competição e parceria, dualidades essas que, normalmente, consideradas mutuamente excludentes pelos executivos ocidentais, sendo este o principal problema na gestão intercultural. A análise correta dessas dualidades deve promover um balanceamento entre elas para que as diferenças culturais sejam gerenciadas de forma construtiva.
Recentes pesquisas, no entanto, mostramqueainda é relativamente pequeno o número de organizações que oferece aos seus funcionários treinamento específico para o processo de internacionalização e que, nestas, havia mais cursos internos do que no exterior. Diante da necessidade que as empresas internacionalizadas têm de profissionais identificados com seus valores para trabalhar no exterior e do número cada vez maior de jovens que se interessam em desenvolver carreiras fora do país, é mais do que natural esperar que a oferta de cursos e treinamentos de qualidade aumente consideravelmente.
Iscas para quem quiser se aprofundar
HOECHLIN, L. Managing cultural differences: strategies for competitive advantages. Workingham: Addison-Wesley, 1995.
LIMA, Aline. O mundo não é tão longe. Revista PIB Presença Internacional do Brasil, Ano I, Número 1, Set/Out 2007, pp. 69 - 71.
MACEDO, Roberto."Globrasilização": a globalização que convém ao Brasil. Revista de Economia & Relações Internacionais. São Paulo: FAAP, volume 1, número 1, julho de 2002, pp. 47-63.
MACHADO, Luiz Alberto. As mil e uma culpas do neoliberalismo. Revista de Economia & Relações Internacionais. São Paulo: FAAP, volume 3, número 5, julho de 2004, pp. 95 - 110.
RICUPERO, Rubens. O Brasil e o dilema da globalização. São Paulo: Editora SENAC, 2001.
ROCHA, Angela da (Org.). A internacionalização das empresas brasileiras: estudos de gestão internacional. Rio de Janeiro: Mauad, 2002.
SARFATI, Gilberto. Manual de diplomacia corporativa: a construção das relações internacionais da empresa. São Paulo: Atlas, 2007.
SAUVANT, Karl et al. Internacionalização de empresas brasileiras. Rio de Janeiro: Elsevier, 2007.
VASCONCELOS, Lia. O mundo a seus pés. Revista PIB Presença Internacional do Brasil, Ano I, Número 1, Set/Out 2007, pp. 72 - 74.
Referências e indicações webgráficas
Globalização II - Controvérsias conceituais sobre globalização. Disponível em http://www.lucianopires.com.br/idealbb/view.asp?topicID=3620 .
Globalização III - A gangorra da globalização. Disponível em http://www.lucianopires.com.br/idealbb/view.asp?topicID=3621 .
Globalização IV - Internacionalização das empresas brasileiras. Disponível em http://www.lucianopires.com.br/idealbb/view.asp?topicID=3622 .
Este texto foi publicado originalmente em http://www.lucianopires.com.br/ .
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*Economista, formado pela Universidade Mackenzie em 1977. É Vice-Diretor da Faculdade de Economia da Fundação Armando Alvares Penteado - FAAP, na qual é Professor Titular das disciplinas de História do Pensamento Econômico e História Econômica Geral.
www.cofecon.org.br
MACHADO, Luiz Alberto. Globalização I - Um tema que gera explosivas emoções. Disponível em http://www.lucianopires.com.br/idealbb/view.asp?topicID=3619 . GALUPPO, Ricardo. 10 passos necessários para as empresas que desejam ganhar o mundo. Revista PIB Presença Internacional do Brasil, Ano I, Número 1, Set/Out 2007, pp. 22 - 29. Como não poderia deixar de ser, a capacitação de quadros para empresas que se lançam ao exterior acompanha a própria evolução do processo de internacionalização. Nesse sentido, constata-se o surgimento crescente de pesquisas, publicações, cursos e treinamentos voltados a esse fim específico.Se a inserção na economia globalizada e a transição da instabilidade para a estabilidade foram os dois grandes desafios do passado recente, a internacionalização de suas empresas pode ser apontada como o terceiro grande objetivo da economia brasileira.Subscrever Pravda Telegram channel, Facebook, Twitter