Saara Ocidental: Brasil ainda não reconhece 'a última colônia' na África

Não há previsão de quando o referendo que decidirá pela autonomia do Saara Ocidental dentro do Reino de Marrocos ou a independência acontecerá.

Lucas Arantes Barbieri/Carta Maior

Brasil mantém postura tímida em relação ao Saara Ocidental, país que possui a maior parte de seu território ocupado e explorado pelo vizinho Marrocos há quarenta anos. Situação é contraditória à primeira vista,pelos precedentes de denúncias brasileiras de violações de direitos humanos em outros países e o reconhecimento da Palestina, em 2010, e Angola, em 1975.

O representante da Frente Polisário, movimento de libertação nacional do Saara Ocidental que atua pela autodeterminação, Mohamed Zrug, compreende que o reconhecimento "é uma questão de soberania, de política interna do Brasil" e prefere não comentar as motivações do não-reconhecimento. Entretanto, ele se diz consciente que o momento de reconhecimento chegará.

Zrug citou a indicação 6225/2014 da Câmara dos Deputados que sugeria à presidência o reconhecimento e o estabelecimento de relações diplomáticas com o Saara Ocidental (ou República Árabe Saarauí Democrática, RASD). A indicação foi arquivada este ano sem resposta do Ex-Ministro Chefe da Casa Civil da Presidência da República e atual Ministro da Educação, Aloizio Mercadante (PT/SP), ainda que tenha sido assinada por líderes de todos os partidos com representação na Câmara.

De acordo com representante do Ministério de Relações Exteriores, o Brasil não reconhece a RASD "por entender que o status final do território deverá ser alcançada por meio do entendimento mútuo entre as partes, bem como por meio do tratamento da questão no âmbito do Conselho de Segurança [da ONU]".

Por mais que o Itamaraty cite a interlocução com a Frente Polisário e as doações brasileiras em benefício dos refugiados saarauís que totalizaram US$ 2.177.186 nos últimos cinco anos, o reconhecimento da RASD está condicionado à realização de um referendo naquele território sobre seu destino, "não cabendo ao Estado brasileiro prejulgar seu desfecho". Não há previsão de quando o referendo que decidirá pela autonomia dentro do Reino de Marrocos ou a independência acontecerá, já que vem sido postergado desde 1991 por causa de discordâncias entre o Marrocos e a Frente Polisário.

Rodrigo Duque Estrada, pesquisador e mestrando em Relações Internacionais pelo Programa San Tiago Dantas, caracterizou o discurso oficial como "balela retórica", "útil quando o Itamaraty não quer se envolver com mudança de status quo". Para ele, "a decisão [do reconhecimento] em última instância é sempre política".

Estrada acredita que é provável que haja algum tipo de pressão no plano doméstico para que o reconhecimento do Saara ou uma postura mais altiva por parte do Brasil seja tomada quanto a ocupação e a violação de direitos humanos. Ele menciona o apoio marroquino à pretensão brasileira de ocupar um assento permanente no Conselho de Segurança da ONU, a Associação de Amizade e Cooperação Brasil-Marrocos e o comércio entre os dois países.

O autor da mencionada indicação 6225/2014, deputado Alfredo Sirkis (PSB/RJ), concorda com a última hipótese apontada pelo pesquisador. Sirkis diz que as relações com o Marrocos são privilegiadas pela diplomacia brasileira por motivos comerciais. Ele se diz pouco otimista em relação ao reconhecimento: "é uma situação lamentável sem muita margem a curto prazo".

O Marrocos é o maior exportador de fosfatos do mundo, com cerca de metade das reservas do mundo controlada pelo grupo estatal marroquino OCP, que possui filiais no Brasil. A extração do mineral no território ocupado do Saara Ocidental é motivo de frequentes denúncias por organizações internacionais e organizações não-governamentais de defesa de direitos humanos (em especial, União Africana e texto_detalhe Sahara Resource Watch). O Brasil é um dos importadores do fosfato marroquino, usado na produção de fertilizantes agrícolas.
 
O Saara Ocidental foi colônia da Espanha até 1975, quando foi invadido pelo Marrocos e pela Mauritânia. Anos depois, a Mauritânia se retirou do território saarauí, mas o Saara continua sendo considerado um território não-autogovernado pela ONU por causa da contínua administração de fato do Marrocos. É frequentemente apelidado de "a última colônia africana" por esse motivo.

Créditos da foto: Western Sahara / FLickr

 

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