Sem melindres

por Vitor Augusto Faria Pereira[i]

 

Sérgio Moro não pode se “melindrar” com toda a perseguição que vem sofrendo por parte do establishment político nacional desde que renunciou ao cargo de super-ministro do (des)governo Bolsonaro. Afinal, de seu modo peculiar, Moro insurgiu-se contra uma parcela importante da classe dominante no país, colocando, de modo ilegal ou não, bilionários e políticos poderosos atrás das grades, feito impensável no Brasil pré-Lava Jato.

  Pacificamente, em termos jurídicos, a operação erroneamente encabeçada pelo ex-juiz parcial foi uma aventura jurídica que envergonhou as instituições democráticas, escancarando a arbitrariedade inconstitucional do modus operandi do Poder Judiciário brasileiro, que atropela os princípios da Constituição Federal e do sistema acusatório processual adotado pelo Código de Processo Penal, com a única finalidade de saciar a sede voraz de vingança e punição do Estado e, de certa maneira, da sociedade em relação a criminosos. 

Este mesmo autor que vos escreve já publicou um texto neste mesmo portal, com o título “Crepúsculo do Ídolo”, tecendo críticas aos atos da Lava Jato e de seus agentes. Afinal, a famigerada onda de Curitiba nos lançou na pior recessão econômica já registrada por um país não em guerra na história moderna.

Porém, a verdade há de ser dita. A irrisória tentativa de cassação do mandato do agora Senador da República Sérgio Moro, por uma ação proposta pelo PT e pelo PL, demonstra a mais maquiavélica das lições, que pode ser parafraseada nos seguintes termos: ao insurgir-se contra o inimigo, faça-o de modo fatal, pois se ele resistir ao intento, irá te liquidar. Moro não foi eficaz contra os inimigos que escolheu, logo sofre as consequências de sua incompetência (não no sentido jurídico).

A tese rejeitada pelo TSE não merecia nem sequer apreciação, uma vez que não havia indício de crime eleitoral ou de qualquer outra irregularidade na campanha do agora senador. O alegado abuso econômico, decorrente dos gastos da pré-campanha de Sérgio Moro à presidência da República, só existiu porque o próprio PT, aliado ao Bolsonarismo, articulou-se com o intuito de inviabilizar a candidatura do ex-juiz parcial para o Palácio do Planalto.  

O erro do ex-juiz parcial foi utilizar o combate à corrupção para depor uma presidente honrada e honesta, e talvez agora, mandatário, entenda a importância da soberania e primazia do voto popular em detrimento de decisões judiciais. Também errou ao entregar-se à vaidade e unir-se ao campo fascista da democracia brasileira. Porém, no âmbito pessoal, seu maior erro foi ter, ainda como juiz, ameaçado com investigações os ministros do Supremo Tribunal Federal, com a pretensa operação, que jamais se concretizou, “Lava Toga”.  

Enfim, em um mesmo dia as mais altas cortes do país, TSE e STF, decidem pela absolvição de Moro, anulação de todos os atos da Lava Jato contra o réu confesso Marcelo Odebrecht e pela extinção da pena pelo crime de corrupção passiva do petista José Dirceu. Um final apoteótico.

 Tais distorções do sistema de justiça são ininteligíveis ao cidadão médio, que com razão se revolta com a impunidade e encontra acalento nos braços da extrema-direita, uma vez que esta parece ser a única capaz de botar o dedo na ferida e apontar as incongruências da democracia liberal, mobilizando massas populares.  

Moro, por ora, mantém o cargo, o empreiteiro bilionário, aos trancos e barrancos, sai impune e o grande Dirceu, outrora jovem guerrilheiro, envergonha seus 14 camaradas de voo no Hércules C-130/2456 de 1969, ao ter a sua pena extinta não dada a uma absolvição, mas por ser considerado autor de um crime já prescrito no momento da denúncia, decisão que mantém incontroversa a existência de solicitação de propina para intermediar contratos de empresários com a PETROBRAS.  

E o Judiciário brasileiro? Este põe fim na Lava Jato, deixando atrás de si uma pilha de escombros, livrando-se, portanto, do assombro da “Lava Toga”, mas o povo e a história não o absolverão.

 


 
[i] Vitor Augusto Faria Pereira é acadêmico de Direito na Faculdade Maringá, pesquisador e secretário do Grupo de Pesquisa Constitucionalismo, Desenvolvimentismo e Autoritarismo no Brasil; e-mail: [email protected]

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