Festival de Locarno dá um tabefe em Bolsonaro

Festival de Locarno dá um tabefe em Bolsonaro

O prêmio de melhor interpretação ao índio Regis Mypuru, no filme A Febre de Maya Da-Rin, pelo Festival Internacional de Cinema de Locarno, é justo e merecido, porém, é também um tabefe na política brasileira do presidente Bolsonaro. 


Indiferente ao seu crescente desprestígio político internacional, é agora o mundo da arte e do cinema que se manifestam, de maneira evidente, contra sua política antiindianista de extermínio da cultura indígena.


Faz alguns dias, a imprensa noticiou a primeira triagem feita por Bolsonaro nos atuais projetos de roteiros de filmes da Ancine, para descartar os considerados impróprios por questões morais ou religiosas. O que a ditadura não conseguiu, Bolsonaro conseguirá fazer: liquidar o prestígio do cinema brasileiro no cenário internacional. 


Se a extrema-direita brasileira continuar seu trabalho de destruição, dentro de um ano já não haverá mais filmes brasileiros nos festivais.


Aproveitando o tempo curto de liberdade, do qual ainda dispõe o cinema nacional, vamos comemorar a vitória de A Febre, Maya Da-Rin e Régis Myrupu, em Locarno, na Suíça. Segue uma rápida entrevisa com esse índio dessano, logo após a projeção do filme A Febre, em Locarno.

ENTREVISTA COM ÍNDIO MELHOR ATOR

Regis Myrupu é o ator principal do filme A Febre, de Maya Da-Rin, premiado com o Leopardo de melhor interpretação, na competição internacional dos longa-metragens, no Festival Internacional de cinema de Locarno.
É a primeira vez que esse índio dessano da região amazonense participa de um filme como ator. Ele conta como isso aconteceu.

Regis Mrupu - Eu sou presidente da associação indígena, dedicada principalmente à divulgação das danças. Paralelamente criei um projeto chamado floresta Cultural que procura resgatar, divulgar e conservar nossos conhecimentos ancestrais. Foi nessa condição que fui procurado pela diretora do filme, Maya Dha.Rin, que buscava pessoas para trabalharem no filme A Febre.

Ela me perguntou se eu conhecia índios na faixa dos 45 anos. Respondi que não, mas ela achou que eu mesmo tinha o perfil procurado para o filme. Respondi ter 38 anos, mesmo assim ela pediu para eu deixar meu nome com a produção. Deixei lá meu nome e logo fui chamado para fazer o primeiro teste. Notei que Maya tinha gostado, mas havia o problema da idade (Nota - o filme foca duas gerações e o ator seria o pai de uma filha aprovada no vestibular). 

Minha idade deveria ser suficiente para ter uma filha com idade para ir na universidade. Fchmadoui uma segunda vez, quando fiz algumas improvisações com outros quatro atores. Lá ela se convenceu e acabou me selecionando. E aceitei de forma positiva porque gosto de coisas e positivas.

Pergunta - O intessante do filme é ser falado em parte em tucano, o que exigirá no Brasil ser projetado com legendas. Isso deu mais autenticidade.

Regis Myrupu - A realizadora do filme quando escreveu o filme tratou da cultura indígena de uma maneira geral. Como eu fui escolhido da tribo dessano, cada tribo tem uma forma de viver, de se comportar e de se manifestar, procurei ajudá-la a sair da generalização para o filme ser mais próximo da minha tribo.

Assim, ajudei a fazer os diálogos baseando-me na cultura dessano ou tucano. Eu sou dessano mas falo tucano, então tudo foi baseado nessa nossa condição. Por isso, ela fez um filme real, muito real.

Pergunta - Regis, os indígenas estão sendo ameaçados, existe uma política que visa a integração dos indígenas ou sua eliminação do Amazonas e outras regiões. Como vê isso?

Regis Myrupu - Sou portador de conhecimentos ancestrais que passam de pai para filho, então pra mim é uma grande preocupação ver essa destruição. Nosso governo está sendo muito cruel com os povos indígenas e está matando.
Ele acha que matando e eliminando os povos indígenas teria a solução para a a humanidade futura e sua melhoria de vida. Mas não é assim, eliminando os povos indígenas, ele não está eliminando só os indígenas, mas  a natureza em geral e o próprio planeta. Não haverá mais o passado, nem o presente e nem o futuro. Isso é uma coisa muito séria e precisamos agir logo, já.

Pergunta - No filme, há uma cena na qual um dos atores se dirigindo a você fala que vivia entre os indígenas, mas que dormia com o revolver, "porque lá eles não eram ainda civilizados e domesticados"...

Regis Myrupu - Acho que isso para nós é uma piada, porque aquela pessoa que falou isso para mim é um homem convicto de ser civilizado, referindo-se a indígenas como seres ou animais irracionais. Nós temos cultura, nós temos nossos princípios e nossas crenças, tudo isso é baseado na natureza, tudo é baseado no equilíbrio. Nós somos um barreira protetora da vida na natureza. E quando ele fala assim eu não respondo, porque que eu sei que se eu ignorar o que ele está falando vai doer muito para ele, mas se eu responder ele vai ficar feliz. Infelizmente isso existe no nosso dia a dia.

Pergunta -  O objetivo do presidente Bolsonaro é o de transformar vocês em civilizados e colocar vocês no mercado do trabalho para serem explorados...

Regis Myrupu - Ele quer isso, mas os indígenas não querem ser domesticados porque não são animais que nasceram ali pelas ruas da cidade. Eles nasceram no meio ds floresta, onde a natureza é completamente limpa e não aceitam ser civilizados e por essa razão estão sendo eliminados pelo governo, porque o governo não gosta e quer decidir em cima dos povos indígenas. Os indígenas são seres humanos iguais ao Bolsonaro.

Pergunta - E, no filme, você volta para a floresta.

Regis Myrupu - Sim, finalmente, depois de minha experiência na cidade, eu retorno para minha casa, com minha mochila, com minhas poucas coisas, mas feliz porque retorno para minha origem, minha natureza, junto da água e com toda tranquilidade. Deixo o stress para trás e levo minha vida em frente, feliz.

FILME DO REALIZADOR PORTUGUÊS PEDRO COSTA GANHA O LEOPARDO DE OURO

Não havia dúvida, Vitalina Varela, o novo longa-metragem do realizador português Pedro Costa, era o grande favorita na competição internacional do Festival Internacional de Cinema de Locarno.
A presidente do júri, a francesa Catherine Breillat, revelou ter havido mesmo unanimidade na concessão desse prêmio e disse mais - Vitalina Varela é filme para estar em todas as cinematecas do mundo.
O prêmio de melhor atriz foi para a própria Vitalina Varela, vivendo sua personagem.
O premio especial do júri foi para o filme Pa-Go, de Jung-Bum Park, da Coréia do Sul. A melhor direção foi para o francês Damien Manivel, do filme Les Enfants d´Isadora.
O Brasil também teve seu prêmio, com melhor ator para o índio Regis Myrupu, no filme A Febre, de Maya Da-Rin.
Rui Matins, do Festival Internacional de Locarno.

 

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Author`s name Timothy Bancroft-Hinchey