Um dos poetas russos mais queridos e lidos, Sergei Dovlatov, nunca foi publicado na URSS, e morreu no exílio, sem ver o sucesso de seus livros ao serem publicados depois da implosão soviética.
Berlim - Sergei Dovlatov. o poeta que a URSS não quis publicar
A Rússia, como era a URSS, é um país onde as pessoas lêem muitos livros. Tanto que se faz filme sobre um escritor, o comentário é de Alexey German Jr., o realizador do filme Dovlatov, na competição internacional. E ele explica - embora a União Soviética nunca tenha desejado publicar e mesmo tenha impedido as poesias e outros textos do escritor Sergei Dovlatov, tão logo implodiu a URSS os livros de Dovlatov se tornaram sucesso na Rússia, onde ele é um dos poetas mais lidos. Em outras palavras, na Rússia um escritor pode ser tão ícone quanto um futebolista ou artista de televisão no Brasil.
Porém, em 1971, ano ao qual se reporta o filme, Sergei Dovlatov peregrinava de editor a editor, embora tudo estivesse ligado ao Estado ou ao Partido, sem conseguir a impressão de seus manuscritos. Havia, é verdade, propostas de temas para Dovlatov desenvolver, mas ou eram da época grega ou para enaltecer o trabalho. Dovlatov não era considerado um contra-revolucionário ou um dissidente, tanto que não foi preso nem expurgado, mas o que incomodava o poder era sua maneira de ver e de escrever não conforme aos padrões préfixados pelo poder.
A chegada de Bresnev ao poder não melhorou a situação, muito ao contrário as exigências aos artistas aumentaram na literatura, como tinham se tornado mais visíveis nas artes plásticas, cujos quadros do realismo revolucionário se contrapunham ao abstracionismo consagrado no Ocidente. E, embora as memórias sejam curtas, também o homossexualismo e nem se precisa citar, também o sionismo.
O estranho é que as tentativas de purificação das artes. agora no Brasil, atingindo exposições de quadros, fomentadas por grupelhos de extrema-direita, lembram os movimentos de limpeza artística do governo soviético, cujos tentáculos fixavam normas literárias. Numa síntese sumária, o controle da inspiração artística, seja qual for o tipo, é uma componente dos governos autoritários, de esquerda, no caso de Dovlatov e Brodsky (que logo se exilou e chegou mesmo a gahar o o Premio Nobel de Literatura, contemporâneo e amigo de Dovlatov, também nascido em São Petersburgo, na época Leningrado), mas igualmente da extrema-direita alemã de Hitler, que indexara e proibira muitos artistas da que se chamava arte degenerada.
Alexey German Jr. não é nenhum santo atual russo, mesmo porque se considera na oposição, mas faz questão de frizar que a realidade atual russa nada tem a ver com os tempos soviéticos. "Tanto que eu posso fazer meus filmes, obter financiamentos, exibir meus filmes dentro da Rússia e vir participar do Festival de Berlim sem que ninguém me incomode. Mas meu pai, que também fazia filmes, era frequentemente censurado. A Rússia nãoé a Coréia do Norte".
Na sua última vinda a Berlim, o realizador Alexey ganhou um Urso de Prata por seu filme Nuvens Elétricas. E, entre as razões por ter feito o filme sobre o poeta, está uma sentimental, ele habita, em São Petersburgo, uma rua perto de onde vivia o poeta censurado e mesmo muitos artistas da época.
Existe uma relação do filme com o presente? Existe, porém é mais um alerta para o futuro contra a proibição de expressão dos artistas. E Alexey aproveita para explicar que o Ocidente não compreende bem a Rússia e vice-versa. "E cada vez mais aumenta essa incompreensão. A tal ponto que poderá mesmo levar a uma guerra".
Sobre os anos 70 na URSS, Alexey mostra seu entusiasmo - "eu admiro essa época, eles se mantiveram fieis às suas ideias, tiveram coragem de enfrentar o sistema. As relações humanas eram mais fortes que hoje, e mais sinceras. Foi a literatura que deu os últimos gritos de resistência".
Resumo oficial da Produção:Leningrado, novembro de 1971. A cidade está envolta pela névoa. Um outro aniversário da revolução está sendo celebrado, mas o país não está fazendo nenhum progresso - politicamente, economicamente ou culturalmente. Sergei Dovlatov tem experiência de primeira mão desta estagnação. Os manuscritos do jovem escritor são regularmente rejeitados pelos meios de comunicação oficiais; sua visão sobre coisas e pessoas não é desejada. Outros estão enfrentando problemas semelhantes, um deles é o amigo Joseph Brodsky, a quem as forças do estado exilaram. Sergei, no entanto, está determinado a permanecer e levar uma vida normal com sua esposa Lena e sua filha Katya. Ele quer escrever sobre a descoberta da realidade: sobre os trabalhadores do estaleiro ou sobre a construção do metro, onde um dia os corpos de trinta crianças mortas durante a Segunda Guerra Mundial foram descobertos.
O filme de Alexey German Jr faz uso de grandes cenas e longas tomadas para retratar o mundo do escritor russo-judeu Sergei Dovlatov (1941-1990), cujos textos brilhantemente irônicos foram proibidos de serem impressos na União Soviética da época de Brejnev. De um estilo tragicômico de rebelião e assimilação, dor e fadiga, resulta um retrato de uma era de estagnação e seus efeitos destrutivos.
Diretor: Alexey German Jr. - Nasceu em Moscou na antiga URSS em 1976, estudou no Instituto Gerasimov de Cinematografia (VGIK). A estreia do longa-metragem The Last Trainganhou o prêmio Luigi de Laurentiis Special Mention, no Festival Internacional de Cinema de Veneza em 2003. Seu terceiro filme, Paper Soldier também foi exibido em Veneza em 2008, onde ganhou prêmios, incluindo o Leão de Prata por Melhor Direção. Under Electric Clouds participou da competição do Festival de cinema de Berlim em 2015 e ganhou um Urso de Prata por sua contribuição artística excepcional. Filmes: 1998 Znamya (Banner); short film 1999 Bolshoje osenneje pole (Big Autumn Field) 2001 Durachki (Fools); short film 2003Poslednij poezd (The Last Train) 2005 Garpastum 2008 Paper Soldier 2011 From Tokyo; short film 2015 Pod electricheskimi oblakami (Under Electric Clouds) 2018 Dovlatov
Elenco:
Milan Marić (Sergei Dovlatov)
Danila Kozlovsky (David)
Helena Sujecka (Elena Dovlatova)
Artur Beschastny (Joseph Brodsky)
Elena Lyadova (Young editor)
Anton Shagin (Anton Kuznetsov)
Svetlana Khodchenkova (Actress)
Piotr Gasowski (Semyon Aleksandrovich)
Eva Gerr (Katya Dovlatova)
Hanna Sleszynska (Editor of literary magazine)
Rui Martins está em Berlim convidado pelo Festival Internacional de Cinema.
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