Economia ecológica e respostas às múltiplas crises ambientais: inovações e resistências

Economia ecológica e respostas às múltiplas crises ambientais: inovações e resistências

Guilherme C. Delgado, no Correio da Cidadania

 

Três campos de apli­cação se evi­den­ciam na con­jun­tura como de ne­ces­si­dade ime­diata aos prin­cí­pios da eco­nomia eco­ló­gica, tendo em vista en­frentar novos e ve­lhos pro­blemas, mal re­sol­vidos e até pro­vo­cados pela eco­nomia con­ven­ci­onal. Re­firo-me à pro­dução de energia limpa (tec­ni­ca­mente de baixa dis­si­pação e po­luição), ao en­fren­ta­mento da crise hí­drica e por úl­timo à pro­dução de ali­mento sau­dável. Vou me res­tringir aqui ao campo da pro­dução e gestão de re­cursos na­tu­rais, sem tocar na questão dos pa­drões de con­sumo, por ra­zões di­dá­ticas, sa­bendo, en­tre­tanto, que o tema eco­ló­gico não pode ser se­to­ri­zado.

Dos três campos ci­tados, a cha­mada pro­dução de energia limpa (de baixa en­tropia) é pro­va­vel­mente a que mais tem avan­çado in­ter­na­ci­o­nal­mente, e afinal chega meio atra­sada aqui entre nós, no for­mato dos par­ques eó­licos e agora dos par­ques de energia solar. Neste mês de se­tembro pra­ti­ca­mente se con­cluiu o pri­meiro, lo­ca­li­zado em Bom Jesus da Lapa (BA), com ca­pa­ci­dade de ge­ração para 166 mil do­mi­cí­lios, à base de placas fo­to­vol­taicas, em uma área rural de 330 hec­tares (in­for­mação de 'O Es­tado de S. Paulo, 10-09-2017, pg B4). A com­bi­nação de par­ques eó­licos e par­ques de energia solar na re­gião Nor­deste cumpre uma função de maior re­le­vância e cer­ta­mente vem para su­prir os dé­fi­cits hí­dricos das mai­ores ba­cias hí­dricas da re­gião. 
 
Por outro lado, a crise hí­drica, que não é apenas re­gi­onal do Nor­deste (Bra­sília e Goi­ânia atu­al­mente estão sob re­gimes de ra­ci­o­na­mento de água po­tável), é tema hoje mun­di­a­li­zado. Em março de 2018 te­remos o Fórum Mun­dial da Água em Bra­sília e também o Fórum Al­ter­na­tivo, onde se es­pera uma forte mo­bi­li­zação tanto in­te­lec­tual, quanto po­pular, de ma­neira a oxi­genar o de­bate da questão. Hoje, este se en­contra for­te­mente apri­si­o­nado aos di­reitos de pro­pri­e­dade pri­vada ab­so­lutos sobre o ter­ri­tório, cap­tu­rando os ter­ri­tó­rios das ba­cias hi­dro­grá­ficas prin­ci­pais, a ser­viço do uso per­du­lário da água pela eco­nomia do agro­ne­gócio.

Um ter­ceiro campo de pe­ne­tração da eco­nomia eco­ló­gica à pro­dução dos cha­mados ali­mentos agro­e­co­ló­gicos, com cul­turas de pro­dução e con­sumo em ex­pansão (esta se­mana se re­a­liza em Bra­sília o Con­gresso Bra­si­leiro e La­tino-Ame­ri­cano de Agro­e­co­logia), é ainda con­si­de­rado pela eco­nomia prin­cipal (a de 'com­mo­di­ties') como re­si­dual. En­quanto o campo prin­cipal cresce for­te­mente (a safra de grãos au­mentou em 2017 cerca de 36% em re­lação à an­te­rior). E este cres­ci­mento ocorre sob forte con­sumo hí­drico, mesmo nas ba­cias muitos com­pro­me­tidas do Cer­rado (a  exemplo do Ara­guaia-To­can­tins) e do Nor­deste (a exemplo da Bacia do São Fran­cisco).

Por outro lado, ocorrem em pa­ra­lelo evi­dên­cias pla­ne­tá­rias de de­se­qui­lí­brio eco­ló­gico, com o evento mais trá­gico desde início de se­tembro, da força des­tru­tiva dos fu­ra­cões do Golfo do Mé­xico, muito am­pliada, se­gundo os cli­ma­to­lo­gistas, pelo aque­ci­mento das águas do Golfo. Poucas se­manas antes, o go­verno Trump se des­vin­cu­lara dos com­pro­missos norte-ame­ri­canos para com­bater o aque­ci­mento global.

Aqui no Brasil, ainda no início de se­tembro, o go­verno Temer emitiu De­creto a ex­tin­guir a Re­serva Na­ci­onal do Cobre (RENCA) no Amapá, com área su­pe­rior ao es­tado do Es­pí­rito Santo (46 mil km²), com pre­tensão de trans­formá-la em área de mi­ne­ração pri­vada in­ter­na­ci­onal, su­jeita à ex­plo­ração, se­gundo cri­té­rios econô­micos es­tritos.

Os do­mí­nios ener­gé­tico, hí­drico e de pro­dução ali­mentar são sen­sí­veis e com­pre­en­sí­veis à pe­ne­tração da eco­nomia eco­ló­gica. Mas as in­ter­di­ções da eco­nomia do­mi­nante, de ma­trizes tec­no­ló­gicas não sus­ten­tá­veis a médio prazo, con­ti­nuam a do­minar nossa eco­nomia po­lí­tica, à margem de qual­quer dis­cussão mais apro­fun­dada de de­sen­vol­vi­mento e fu­turo. In­fe­liz­mente, a cos­mo­visão de fu­turo da dupla Trump-Temer con­tinua a se con­trapor à cos­mo­visão da eco­logia in­te­gral do Papa Fran­cisco, ex­pres­sada na en­cí­clica Lau­dato Si. Assim, im­põem-se à hu­ma­ni­dade re­tro­cessos nos campos am­bi­en­tais que não pre­ci­sa­ríamos estar vi­vendo.


 

Guilherme C. Delgado, é Doutor em economia pela UNICAMP e consultor da Comissão Brasileira de Justiça e Paz.

 

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