O "novo jornalismo" começou com Euclides da Cunha?
Relendo algumas páginas de Os Sertões de Euclides da Cunha, fiquei pensando se não podemos ver no nosso grande escritor um precursor do que viria ser chamado, na década de 60 do século passado, o New Journalism (Novo Jornalismo), movimento que reuniu nos Estados Unidos figuras como Tom Wolfe,Gay Talese, Norman Mailer e Truman Capote, entre outros.
Euclides publicou Os Sertões em 1902, onde relata a Guerra dos Canudos, movimento chefiado por Antônio Conselheiro, que resistiu durante dois anos (1896/97) o cerco de milhares de soldados do Exército, no sertão baiano.
Dividido em três partes - a Terra, o Homem e a Luta - o livro é considerado, ao lado de Grandes Sertões Veredas e os Lusíadas, as três maiores epopéias de língua portuguesa.
Tom Wolfe, o jornalista sempre lembrado pela sua marca de "Radical Chique",foi quem primeiro definiu o que seria o novo estilo de escrever, abusando da utilização de recursos literários, subjetividade autoral como forma de apreensão da realidade e, principalmente, admitindo o relato da realidade na forma de interpretação, além de questionar o método tradicional de reportagem.
Segundo Tom Wolfe, o New Journalism, se tornou "tão absorvente e fascinante quanto o romance e o conto".
Logo esse produto híbrido pulou das páginas das revistas literárias, principalmente New Yorker e Esquire, para páginas dos livros.
Gay Talese publicou A Mulher do Próximo, com personagens reais, provocando uma verdadeira revolução literária, ao descrever a mudança radical nos hábitos sexuais dos americanos na década de 60.
Truman Capote, em 1965, se muda para a cidade de Holcomb, no Kansas, de 270 habitantes, para conhecer em todos os detalhes o assassinato de quatro membros da família Clutter pelos jovens Perry Smith e Richard Hickock, acompanhando o caso, desde a prisão dos assassinos até o seu enforcamento quase cinco anos depois. O resultado de todo esse esforço é o clássico livro A Sangue Frio.
Em 1979, Normal Mailer, já consagrado como escritor, lança A Canção do Carrasco, contando em centenas de páginas a história de Gil Gilmore, acusado de dois assassinatos e cujo único pedido, repetido até mesmo quando está diante do pelotão de fuzilamento, é de que se "acabe logo com isso".
Euclides da Cunha se antecipa em muitos nos processos que seriam as marcas do Novo Jornalismo ou o Jornalismo Literário, de Wolfe, Talese, Capote e Mailer, usando todo o seu trabalho de pesquisa para escrever textos de extraordinário valor literário, tanto na descrição dos personagens (O sertanejo é, antes de tudo, um forte. Não tem o raquitismo exaustivo dos mestiços neurastênicos do litoral. A sua aparência, entretanto, ao primeiro lance de vista, revela o contrário. Falta-lhe a plástica impecável, o desempeno, a estrutura corretíssima das organizações atléticas. É desgracioso, desengonçado, torto. Hércules-Quasímodo, reflete no aspecto a fealdade típica dos fracos), como na narrativa da luta entre os sertanejos e os mi litares.
Suas últimas linhas sobre a batalha final em Canudos estão entre as mais poderosas da língua portuguesa: "Canudos não se rendeu. Exemplo único em toda a história, resistiu até o esgotamento completo. Vencido palmo a palmo, na precisão integral do termo, caiu no dia 5, ao entardecer, quando caíram os seus últimos defensores, que todos morreram. Eram quatro apenas: um velho, dois homens feitos e uma criança, na frente dos quais rugiam raivosamente cinco mil soldados".
Marino Boeira é jornalista, formado em História pela UFRGS
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