Kiki Pais de Sousa é uma mulher trans... ou seja, é uma mulher. Passou por bullying, homofobia, transfobia, discriminação, só por ser quem é. Nasceu em Lisboa, Portugal, mas a sua viagem é idêntica a tantas outras seguidas por tantas outras mulheres trans em todo o mundo. Hoje é empresária de sucesso. Vamos conhecer a Kiki e seguir a sua viagem...
Entrevista entre Kiki Pais de Sousa e Timothy Bancroft-Hinchey, diretor e chefe de redação da versão portuguesa da Pravda.Ru
1. Kiki, Podemos explorar um pouco a sua viagem antes de chegar à mulher que é hoje?
Foi uma viagem que fiz com muita serenidade e bastante reflexão. Desde cedo o meu gosto pelo universo feminino sempre foi apontado como uma característica diferente. Embora tenha nascido do género masculino e tenha sido muito amado pela família, no Liceu Camões fui alvo de bullying e discriminação, que me marcou pela negativa. No entanto essa fase de ataques à minha pessoa tornou-me mais forte tendo consciência de mim enquanto pessoa, enquanto mulher. Identifico-me enquanto mulher desde tenra idade. Fiz variadas coisas como trabalhar como manequim masculino andrógeno, antes de me estabelecer por conta própria procurando uma área onde não fosse sujeita a discriminação.
2. Os soluços neste percurso que traçou acima são comuns entre pessoas trans que fazer a transição, e os que não fazem mas consideram-se pessoas trans. Da sua experiência, quais os conselhos que dá a estas pessoas?
Na minha opinião, as pessoas trans deverão ter a certeza que tudo poderá melhorar apesar do cenário em alguns casos ser bastante negativo. Há vários factores a terem em conta. Nem todas as pessoas trans têm o apoio da família, dos amigos para um tema tão sensível, envolvido em ignorância, preconceito e associado, na maior parte das vezes, à prostituição. Não é fácil! Mas se não tiverem o apoio da família numa primeira fase (também é preciso prepará-la para esta realidade), procurem o médico de família, as associações LGBT e os Amigos que não sejam preconceituosos.
A transição é um processo sério e complexo e devemos confiar nos médicos e especialistas do nosso país. Felizmente tive o apoio dos melhores:Prof. Allen Gomes, Prof. Afonso Albuquerque (Psiquiatras), Prof. Catarina Soares (Psicóloga), Prof. Pedro Freitas (Sexologia Clinica), Dr. Garcia e Costa (Endocrinologista), Dr. João Décio Ferreira, Dr. Márcio Littleton, Dr. João Baptista Fernandes e Dra. Fátima Baptista Fernandes (Cirurgiões Plásticos). Entre todos estes médicos destaco o Dr João Décio Ferreira pelo seu humanismo, dedicação e recentemente condecorado com a medalha de ouro Magnus Hirschfeld da Sociedade Alemã de Sexologia Clínica pelo trabalho desenvolvido na área da mudança de sexo, com uma técnica cirúrgica inovadora a nível mundial.
Outras pessoas trans não avançam com a cirurgia de reatribuição sexual por vários motivos. Algumas dessas pessoas não sentem necessidade fisica e sexual porque existem várias diferenças nas pessoas trans. Há as pessoas que fazem somente transformismo para espectáculos e isso é uma arte, em nada relacionada com a orientação sexual ou identidade de género. Outras pessoas (e conheço algumas) não conseguem meios financeiros ou reunir a força, a coragem necessárias para resolver a situação nessa fase das suas vidas. Muitas pessoas possuem empregos precários ou são vítimas de desemprego precisamente por causa da sua identidade de género. Isto condiciona-as e limita-as, infelizmente. Não podemos esquecer que as operações são bastante dispendiosas, já para não falar de ser um processo bastante moroso pela escassez de recursos humanos. O Serviço Nacional de Saúde em Portugal precisa urgentemente de mais médicos qualificados e reconhecidos nestas áreas para dar respostas rápidas às pessoas trans.
Independentemente das dificuldades todas as pessoas trans devem procurar a sua felicidade e viver a sua vida. As mentalidades estão a mudar. Vejo isso pelas reacções ao meu vídeo onde dei o meu testemunho da minha história de vida. Milhares de pessoas viram o vídeo. Recebi centenas de comentários elogiosos e positivos de pessoas de todas as gerações e localidades do nosso país e até do estrangeiro (Brasil, Angola, etc.). Recebi pouquíssimos comentários transfóbicos, negativos. Isto é um sinal da evolução da mentalidade e do tempo.
3. Existem sítios ou abrigos para pessoas trans em Portugal?
Que eu conheça abrigos para pessoas trans não existem. Mas existem as associações como a ILGA, API, Jano, Amplos, Rede Ex Aequo, que apoiam as pessoas trans, alguns bares e evidentemente a minha sauna que fundei com o propósito de acolher bem e sem discriminação todas as pessoas - homens, mulheres, trans e casais - com diferentes orientações sexuais, que procurassem um espaço liberal para relaxar, tomar uma bebida, ver um filme, fazer uma massagem ou usufruir dos restantes serviços da SaunApolo 56.
4. E o seu espaço SaunApolo56, foi considerado pioneiro recentemente numa notícia...
Sim. Estou muito orgulhosa por isso naturalmente. Considero que fazia imensa falta um espaço com estas caracteristicas em Portugal. Nem todos os espaços considerados LGBT recebem lésbicas ou pessoas trans! É uma discriminação dentro da própria comunidade. Quis combater isso criando uma sauna aberta a todas as identidades de género e orientações sexuais. Estamos abertos há cinco anos e meio com sucesso.
5. Podemos falar um pouco da (falta de) legislação que deveria apoiar pessoas trans?
Penso que muito foi feito nos últimos anos. Sobretudo a partir de 2011 quando a lei de identidade de género foi aprovada. Há uma proposta agora de alterar a lei para ser acessível a pessoas a partir dos 16 anos. Considero acertado. Embora as leis sejam o suporte, considero que neste momento os principais obstáculos estão na mentalidade das pessoas sobretudo as menos informadas. Daí a importância das nossas pequenas acções e exemplos diários como decidi fazer recentemente. As gerações mais novas precisam de modelos que tenham tido força, coragem e determinação para continuarem a acreditar e terem esperança.
Deixo esta frase: "Nunca é tarde para mudar tenham força, coragem e determinação!" É o meu lema de vida
Vídeo
Kiki Pais de Sousa cresceu em Lisboa, Portugal. Fora da casa, enfrentou todo o tipo de desafios, principalmente quando frequentava a escola, onde foi vítima de bullying e homofobia e transfobia. Mas estava firme e sabia quem era. Sua viagem serve de exemplo para tantas mulheres trans à volta do mundo que não tiveram a oportunidade de vir a ser, deveras, quem são. Kiki enfrentou múltiplos desafios e hoje em dia está feliz, é quem é, vive o seu sonho e é uma senhora empresária de sucesso.
Timothy Bancroft-Hinchey tem trabalhado como correspondente, jornalista, editor-adjunto, editor, editor-chefe, gerente de projeto, diretor, diretor executivo, sócio e proprietário de publicações diárias, semanais, mensais e anuais impressos e on-line, emissoras de TV e grupos de mídia impressos, difundidos e distribuídos em Angola, Brasil, Cabo Verde, Timor Leste, Guiné-Bissau, Portugal, Moçambique e São Tomé e Príncipe; tem contribuído para a publicação do Ministério das Relações Exteriores da Federação Russa, Dialog e tem escrito para o Ministério das Relações Exteriores de Cuba nas Publicações Oficiais.
Passou as últimas duas décadas em projectos humanitários, ligando comunidades, trabalhando para documentar e catalogar línguas, culturas, tradições em vias de desaparecimento, trabalhando para formar redes com as comunidades LGBT, ajudando a criar abrigos para vítimas abusadas ou assustadas e como Media Partner da ONU Mulheres, trabalhando para promover o projeto UN Women para lutar contra a violência de gênero e de lutar por um fim ao sexismo, racismo e homofobia.
Vegano, é também Media Partner da Humane Society International, lutando pelos direitos dos animais. Ele é diretor e editor-chefe da versão em Português do Pravda.Ru desde o lançamento em 2002.
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