Portugal: Campos de caça

Um polícia executou um jovem de 14 anos com um tiro a 10 cm da cabeça. A polícia não tinha disso qualquer informação: apenas soube dizer que o jovem roubara o automóvel e estava armado. A família recordou ter tido a possibilidade, nas vésperas do homicídio, de retirar das mãos da polícia o rapaz, pois queriam levá-lo com eles (?).

Passa-se isto dias após o senhor Procurador-geral da República manifestar os seus receios de agravamento da violência nos bairros classificados como “problemáticos”, nomeadamente por a circulação de pessoas no espaço da União Europeia ser uma realidade – pelos vistos perigosa.

Passa-se isto seis meses depois de o governo ter enviado a polícia à caça nos bairros periféricos, para provocar uma cobertura mediática estival capaz de contrapor aos casos de incapacidade da polícia para deter o crime a manifestação do poder de intimidação da mesma polícia contra o Outro, aquele que habita em bairros escolhidos para o efeito.

Passa-se isto meses depois de os jovens residentes nos bairros de caça policial começaram a contar e a nomear a lista dos companheiros abatidos pela polícia desde que têm memória.

Enquanto os técnicos descobrem ocorrerem a maioria dos crimes nas zonas nobres das cidades, onde a polícia não quer, não sabe ou não pode evitá-los, a administração interna divulga os locais de residência dos alegados meliantes – que não podem deixar de corresponder aos locais onde a polícia, longe do palco dos crimes, actua quotidianamente de forma ostensivamente intimidadora.

Maximiano Rodrigues, instalador do IGAI, organismo de polícia das polícias, deixou-nos em testamento a denúncia do interesse do governo em desprestigiar esse organismo de Estado, ideia confirmada pelo seu sucessor no cargo. Disse, na altura, que o facto de no ano em que se demitiu de funções não ter havido vítimas mortais de encontros com a polícia, tinha sido resultado do trabalho do IGAI e, disse mais, o desprestígio do IGAI significaria – como se veio a verificar – um aumento de homicídios cometidos por agentes e um desprestígio da polícia.

Um agente de segurança do Estado, fora da comunicação social, manifesta-se preocupado pelo facto de, na sua corporação, a base de recrutamento estar a encurtar - apesar do desemprego, o número de candidatos aos lugares a concurso tem diminuído – e a selecção não excluir, ao contrário favorecer, os cabeças rapadas.

Uma das razões de, a partir de 1996, ter começado a tomar mais atenção às questões de segurança foi uma resposta que na altura ouvi a um assessor jurídico do primeiro-ministro de então: “Quem é que o senhor quer que agente lá meta?” A pergunta foi:”Como é possível estar um fascista à frente de uma direcção geral de serviços de segurança?”

A guerra colonial acabou, faz várias décadas. As relações de amor-ódio entre os povos envolvidos desenvolveram-se. Por que é que a maioria dos filhos e dos netos negros dos portugueses e dos imigrantes que escolheram ajudar a construir a modernidade desta país têm de pagar tão alto – com a exclusão social organizada superiormente e executada também pela polícia – o preço de viverem aqui? Por que fazemos das suas dificuldades de integração social, negligenciadas pelo Estado, bodes expiatórios dos nossos erros colectivos? Por que é que em vez de tratarmos de enfrentar as verdadeiras questões – o crime onde ele se pratica, a falta de vontade política de regulação (tanto económica como policial, tanto laboral como nos alojamentos sociais), os jogos de poder, os vícios de praticar o racismo, a homofobia ou o machismo – preferimos, através dos nossos governantes e dos meios de comunicação social, convencer-nos que as nossas inseguranças se resolvem fustigando o Outro?

Segurança com liberdade!

Democracia sem exclusões!

MATEM A MORTE

SOS Prisões

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Author`s name Timothy Bancroft-Hinchey