Jacarezinho: missa e manifestação por Elisângela, Lincoln e Fábio - Moradores são humilhados mesmo ao tentar socorrer feridos. Comunidade do Jacarezinho está indignada e vai cobrar justiça. Vítimas da Polícia Militar tinham entre 18 e 28 anos.
Por Rede de Comunidades e Movimentos contra a Violência
No último dia 15 de agosto, policiais do 3º BPM (Méier) realizaram mais uma matança numa favela do Rio. Por volta das 12h30, quatro policiais, que haviam desembarcado do caveirão que entrara pouco antes na favela, saíram de um beco, transversal à rua Beira-Rio (que margeia o rio Jacaré), já atirando. A rua, como sempre a esta hora, estava cheia de pessoas, inclusive muitas crianças. É impossível que os policiais não soubessem disso, pois são conhecidos por estarem freqüentemente em operações no Jacarezinho.
Lincoln da Silva Rezende (18 anos) e Fábio Souza Lima (19 anos) estavam sentados na calçada bem ao lado do beco de onde saíram os policiais. Lincoln se preparava para beber água de coco que acabara de pedir a uma criança para comprar numa barraca próxima (deixou o troco com o menino). Ele gostava muito de crianças e há pouco pedira a Bia, moradora que estava conversando com os dois rapazes, para comprar Coca-Cola e Guaravita para crianças que brincavam na rua. Bia já havia se afastado um pouco quando ouviu os tiros, voltou-se e viu os policiais atirando na direção da rua que vai dar na estação do trem. Lincoln e Fábio já estavam baleados e caídos no chão.
Mais um pouco à frente, diante da padaria próxima, a manicure Elisângela Ramos da Silva (28 anos) estava levando um de seus quatro filhos, Tiago Ramos Loubak (4 anos), para a casa da mãe, Santina Ramos da Silva, quando foi atingida na cabeça por um tiro disparado pelos PMs. Ao contrário da versão da polícia divulgada pela imprensa, não havia tiroteio nem fogo cruzado quando Elisângela foi atingida. Foram apenas os policiais que saíram atirando do beco e acertaram as vítimas em poucos segundos.
"Levanta, mamãe, levanta!"
Tiago também foi atingido na cabeça, provavelmente pelo mesmo projétil que matou a mãe. Mesmo sangrando, ficou debruçado sobre a mãe gritando: "Levanta, mamãe, levanta!" Moradores em pânico correram para socorrer Elisângela e o pequeno, mas os policiais não deixaram, xingando e gritando com todos, e ofendendo as mulheres. Os PMs, mesmo vendo a situação da mãe e da criança, continuaram a atirar e mandaram as pessoas "ralarem".
Bia, numa atitude corajosa, mesmo com os tiros e as ameaças dos policiais, tomou Tiago nos braços e se refugiou na padaria. Junto com o dono da padaria, queria levar logo o menino para o hospital, mas os policiais não deixavam. Finalmente, resolveram tentar de qualquer maneira, entraram no carro do dono da padaria e seguiram, mas os policiais não deixaram levar Elisângela, que ainda se mexia, contou Bia, e ainda deram tapas na lataria do carro.
Ao chegarem ao hospital Salgado Filho, foram abordados de forma brutal por outros policiais, que já estavam esperando e perguntaram "se eram pessoas baleadas na favela". Tudo atrasava o atendimento ao pequeno Tiago, que por muita sorte pôde ser operado (uma peça de platina teve que ser implantada no seu crânio, e aparentemente o projétil foi localizado e removido) e posto a salvo.
A mãe de Lincoln, Maria Luzia da Silva Rezende, deixara o filho em casa, que fica na mesma rua Beira-Rio, por volta das 11:30, perguntou se precisava deixar almoço e ele disse que não, que ia comer alguma coisa na padaria. Quando voltou, passando das 13 horas, soube que seu filho estava baleado e morto.
A essa altura os policiais já haviam levado os três corpos do local do assassinato, depois de colocarem armas junto aos dois rapazes para forjarem um confronto (segundo alguns moradores, essas armas haviam sido apreendidas dias antes pelos mesmos policiais de traficantes da favela). Moradores relataram que arrastaram os corpos como fossem "de um bicho", calçaram luvas e os jogaram de qualquer maneira dentro do caveirão.
Desesperada, Dona Luzia entrou em contato com seu filho mais velho, que mora fora da favela, e ele foi ao Salgado Filho onde reconheceu o corpo de Lincoln. O irmão notou várias escoriações e um corte no nariz de Lincoln, o que confirma que os policiais o agrediram e arrastaram seu corpo mesmo depois de o balearem.
Moradores maltratados e humilhados
Dona Santina também não estava na favela quando aconteceu o fato, assim que chegou em casa e notou que Elisângela não chegara, e sabendo da ação da PM, começou a procurar a filha e o neto desesperada. Foi à casa de Elisângela, onde encontrou Eduardo, pai de Tiago e das outras 3 crianças, e juntos começaram a buscar informações. Na Beira-Rio, na altura do mesmo beco de onde saíram os policiais, encontraram um PM com atadura no braço, perguntaram a ele sobre uma moça baleada e receberam como resposta mais um "rala, rala!" do policial, que empurrou Eduardo encostando o cano do fuzil no seu peito.
Graças a informações de moradores, souberam que o caveirão com os corpos havia seguido em direção ao Jacaré, e ainda chegaram a tempo de ver os corpos sendo transferidos do caveirão para outra viatura, no largo próximo à fábrica Císper. Nada mais restava senão irem também ao Salgado Filho, onde reconheceram o corpo de Elisângela e se informaram do estado de Tiago.
Todos que estiveram no hospital relataram o que já sabemos acontecer nesses casos: além da violência e do desrespeito da polícia, moradores das favelas, inclusive os familiares das vítimas, são maltratados e humilhados pelos policiais em serviço nos hospitais e inclusive por funcionários. O irmão de Lincoln contou que foi ofendido por um funcionário que lhe perguntou se ele era "o irmão do bandido" que chegara. Ele só foi melhor atendido quando, por sorte, encontrou um funcionário conhecido que mora próximo a ele, fora da favela.
Missa e manifestação na última quarta (22/8)
Os moradores do Jacarezinho, a Associação dos Moradores, a Célula Urbana e outras organizações da comunidade estão muito revoltados. Como disse Vandeci Monteiro Rezende, operário da construção civil e pai de Lincoln, "os jovens da favela são filhos de gente, não são filhos de bicho para serem mortos e tratados dessa maneira pelos policiais". Mas todos, a começar pelos familiares das vítimas, querem reagir e não deixar passar mais essa matança em branco. Irão à justiça e a todos os órgãos para exigir justiça e respeito. Já fizeram denúncias e agora vão iniciar um conjunto de ações e mobilizações.
A primeira foi uma missa e uma manifestação na última quarta, 22 de agosto, quando completou uma semana os assassinatos, no mesmo local onde os policiais tiraram a vida dos três jovens e quase matam uma criança de 4 anos, na Beira-Rio, às 12h. Os organizadores ressaltaram a importância da presença de familiares de outras matanças, de organizações defensoras dos direitos humanos, da imprensa, de moradoras e moradores de outras comunidades que sofrem a mesma opressão e genocídio por parte do Estado. Estava prevista a organização de uma vigília da Rede de Comunidades e Movimentos contra a Violência no Jacarezinho, em data a ser definida.
Maiores informações podem ser obtidas com Vado - Ass. Moradores, tel. (21) 9480-8294 e 2228-6643; Fábio - Célula Urbana, tel. (21) 2281-8662; ou Nilza - (21) 9161-2237.
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