O porta-voz do Wikileaks Kristinn Hrafnsson
Natalia Viana
Na última segunda-feira, os serviços de notícia anunciavam que o WikiLeaks, organização que vaza documentos confidenciais que revelam má conduta de organizações, empresas ou governos, estava em falência. Tratava-se de um "spin", ou um exagero noticioso gerado pelos frenéticos serviços de notícias. Na verdade, o WikiLeaks anunciava uma campanha sem precedentes para arrecadar fundos buscando dar a volta a um bloqueio econômico por parte das empresas Visa, Mastercard, Paypal e Bank of America.
Desde dezembro do ano passado, pouco depois do vazamento de 250 mil documentos diplomáticos americanos, essas empresas se recusam a permitir transferências para a organização - o que significa uma enorme dificuldade para quem quer de fato dar dinheiro à equipe liderada pelo controverso Julian Assange. O grupo estima que pelo menos 1,2 milhão de euros não chegaram ao seu caixa em conseqüência.
O porta-voz do WikiLeaks, Kristinn Hrafnsson, esteve no Brasil no último fim-de-semana para participar de um encontro de blogueiros e explicou à Carta Capital o que mudou e o que se deve esperar do WikiLeaks daqui pra frente. "O mundo está sofrendo o efeito devastador da ganância e da corrupção dos bancos e simplesmente não podemos permitir que eles ataquem o direito fundamental das pessoas decidirem que causa apoiar", diz ele.
O WikiLeaks anunciou que vai deixar de publicar documentos por causa da falta de dinheiro. O WikiLeaks foi à falência?
Não, não é isso. Estamos funcionando com base em nossas reservas há quase um ano. Nós estamos direcionando os nossos parcos recursos para uma campanha de arrecadação de fundos justamente para garantir que não vamos chegar a uma situação alarmante em alguns meses. Ao mesmo tempo, vamos fazer uma grande campanha para chamar a atenção das pessoas para esse bloqueio econômico totalmente antiético e ilegal.
O bloqueio está ocorrendo desde dezembro do ano passado, e é até uma estimativa conservadora dizer que 95% das nossas doações foram afetadas.
No mês anterior à decisão arbitrária dessas empresas, estávamos recebendo mais de 100.000 euros por mês de doações. Este ano, a média de doações por mês ficou entre 6 e 7 mil euros. Mas o prejuízo pode ser ainda maior porque até o dia em que o bloqueio teve início, as doações estavam aumentando rapidamente como consequência do vazamento dos documentos das embaixadas americanas. Por exemplo, apenas nas 24 horas anteriores o WikiLeaks recebeu mais de 130 mil euros.
É muito importante não só para o WikiLeaks que esse bloqueio seja denunciado. Se não lutarmos contra ele um precedente muito perigoso vai ser estabelecido, e isso poderia afetar organizações humanitárias e ONGs como o Greenpeace ou a Anistia Internacional, que estão lutando contra a corrupção e por justiça. Nunca houve um ataque deste tipo na história - um bloqueio de serviço a uma organização que não foi acusada formalmente de nenhum crime em nenhum país. Na verdade, a única investigação digna de nota nesse sentido foi do Tesouro Americano no início deste ano, que buscou averiguar se podia colocar o WikiLeaks na sua lista negra. O diretor Timothy Geithner teve que admitir que não havia base legal para isso, apesar da pressão política.
O que isso significa para as pessoas que enviaram documentos ao WikiLeaks confiando que eles seriam publicados? Não é de certa forma uma decepção?
Nós suspendemos temporariamente as publicações. Isso não significa que elas vão acabar para sempre, esses documentos que nós já recebemos têm que vir a público. Então se tivermos uma boa resposta a essa campanha de doações, provavelmente vamos reiniciar as publicações de documentos em breve.
Então o WikiLeaks ainda tem documentos em sua posse? Quantos?
Sim. Não entramos em detalhes porque se falarmos em números isso nunca dá uma idéia realista da importância do material. Um documento de uma só página pode ser mais importante do que centenas de milhares de páginas de documentos.
Quando anunciou a campanha, Julian Assange afirmou que se o WikiLeaks não levantar dinheiro suficiente até o final do ano, ele irá fechar. De quanto dinheiro o WikiLeaks necessita para sobreviver?
Julian não mencionou o final do ano, mas disse "em um tempo razoavelmente curto". Isso é porque nós estamos em ma batalha legal caríssima que pode esgotar com os nossos recursos - a batalha contra as corporações financeiras. Estamos em estágio de pré-litígio no Reino Unido, Austrália, Islândia e Estados Unidos.
Além disso, nós estamos colocando nossos recursos em um novo mecanismo que permite que as pessoas enviem documentos de maneira anônima ao WikiLeaks. O nosso meacnismo, chamado "dropbox", estava fechado desde o ano passado. Mas esse novo mecanismo vai ser mais seguro que o anterior, uma espécie de versão 2.0 do WikiLeaks. Planejamos abrir esse novo "dropbox" em 28 de novembro.
Mas isso não é uma contradição?
Sim. O que estamos dizendo é que suspendemos a análise dos documentos que temos em mãos e paramos por enquanto de planejar novos vazamentos. No entanto, continuamos com o trabalho técnico, e provavelmente vamos conseguir anunciar que estamos abertos para novox documentos de maneira mais segura com o nosso novo "dropbox" até o final de novembro, quando faz um ano que publicamos os documentos diplomáticos.
De quanto dinheiro o WikiLeaks necessita?
As nossas projeções para 2012 variam entre 3.2 e 3.3 milhões de dólares. Mas pelo menos um terço disso deve ir somente para a batalha legal contra as corporações financeiras que estão fazendo esse bloqueio econômico contra nós. Isso mostra que estamos comprometidos em lutar seriamente contra essa ação ilegal das corporações financeiras porque é uma questão fundamental de liberdade de expressão, e estamos lutando por interesses muito maiores do que somente o WikiLeaks. Nos últimos anos o mundo tem sofrido o efeito devastador da ganância e da corrupção dos bancos - veja a crise econômica - e simplesmente não podemos permitir que eles ataquem o direito fundamental das pessoas decidirem que causa apoiar. É importante explicar também que o WikiLeaks tem um custo legal muito alto, porque somos sempre atacados de diversas direções.
Qual é o perfil de doadores do WikiLeaks?
Não sabemos com certeza porque a maior parte dos fundos são processados através da Wau Holland Foundation, na Alemanha. Mas trata-se de um grupo muito grande de pessoas que doam pequenas quantias. Em 2010, a média de doação foi de 25 dólares por pessoa, e 30% desse dinheiro veio dos Estados Unidos, mas há doações de países do mundo inteiro. E é importante dizer que essa é a nossa única fonte de financiamento. Nós não recebemos nenhum financiamento de fundações ou doações de pessoas ricas ou corporações. É um privilégio nosso contar com tanto apoio do público que nos permita prosseguir o trabalho.
Ainda não saiu o resultado do pedido de extradição de Julian Assange à Suécia por crimes sexuais. Caso a corte britânica julgue procedente a extradição, o que vai acontecer?
O veredicto deve sair nas próximas semanas, mas ainda pode caber recurso, portanto é um caso que está longe de terminar.
Juntando a ameaça de uma extradição para a Suécia e o bloqueio financeiro, e agora com a notícia da suspensão das publicações, estamos falando afinal do fim do WikiLeaks?
Olha, eu sou um homem otimista, então eu tenho certeza de que nós e aqueles que nos apoiam vamos conseguir uma maneira de romper esse bloqueio econômico para manter o nosso trabalho. Mas o WikiLeaks não vai morrer nunca, porque é mais do que uma ideia, é a representação de uma ideia que já gerou mudanças fundamentais: a idéia de que é possível encorajar as pessoas a agir de maneira a denunciar má-conduta, e assim dar o primeiro passo em direção à justiça.
Porém, além do vazamento dos documentos diplomáticos, houve poucos novos documentos publicados no WikiLeaks este ano. Ao mesmo tempo surgem mecanismos semelhantes feitos por grupos independenes ou jornais. Aqui mesmo no Brasil a Folha de São Paulo lançou um mecanismo para denúncias. O WikiLeaks ainda é necessário?
É sim, porque nós estabelecemos um padrão com o nosso sistema de submissões, e agora com a nova versão do "dropbox", que será ainda melhor. Nós percebemos que há falhas graves de segurança nesses outros mecanismos que foram estabelecidos, como por exemplo o site para vazamentos do Wall Street Journal. Também descobrimos recentemente que todos os sistemas de segurança da internet foram comprometidos recentemente, e levamos tudo isso em conta para construir o novo sistema do WikiLeaks 2.0
Já há uma resposta sobre essa campanha de doações?
Sim, houve uma resposta muito positiva em especial de pequenas doações através de mensagens de texto de celular. Mas outros métodos como doações bancárias levam mais tempo para serem concretizados, então ainda não sabemos.
Quanto abrirem o novo método de submissão - ou dropbox - pessoas do Brasil poderão enviar documentos?
Claro. Sempre estivemos abertos e estaremos abertos em breve para cidadãos do Brasil ou de qualquer parte do mundo enviarem documentos. Acho importante falar também que quem quiser ajudar financeiramente no Brasil pode mandar cheques nominais para o WikiLeaks através da Casa de Cultura Digital, um coletivo que promove o ativismo digital. O endereço para mandar cheques está no site deles: http://www.casadaculturadigital.com.br/
Finalmente, na semana passada o Congresso aprovou uma Lei de Acesso à Informação, a primeira do tipo no Brasil, que estabelece sigilo de documentos por 25 anos, renováveis por mais 25. Qual a sua opinião sobre isso?
É muito decepcionante perceber que quando os governos elaboram leis de acesso à informação, os políticos geralmente aproveitam a oportunidade para aumentar o segredo em vez de aumentar a transparência. Há uma relutância inerente dos políticos a compreender que toda informação deveria ser pública a menos que haja justificativas muito específicas para que elas sejam mantidas longe do domínio público. Vamos torcer para que os políticos brasileiros não façam o mesmo. O problema é que, apesar das leis de acesso à informação estarem melhorando no mundo todo - e deve-se lutar por elas sempre - ao mesmo tempo estão aumentando as montanhas de documentos secretos nos cantos escuros dos governos. É por isso que o WikiLeaks tem que existir.
Natalia Viana
Nesta coluna os leitores de CartaCapital encontram textos publicados pela jornalista investigativa independente Natalia Viana sobre documentos do WikiLeaks. Ela tem coordenado com a imprensa nacional a publicação dos documentos publicados pelo WikiLeaks referentes ao Brasil - os telegramas secretos das embaixadas - e produzido reportagens independentes para o site da organização. Em parceria com a CartaCapital ela mantém o blog http://cartacapitalwikileaks.wordpress.com
http://www.patrialatina.com.br/editorias.php?idprog=97ea3cfb64eeaa1edba65501d0bb3c86&cod=8801
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