Seria talvez mais correcto, de um ponto de vista histórico, lembrar o centenário da Primeira Revolução de 1905/7 ao mesmo tempo que celebramos o 90º aniversário da Grande Revolução Socialista, cujas implicações eram vastas e cujos objectivos foram vitoriosamente alcançados.
Lenine morreu e foi para o Inferno. Passados três dias, o Diabo, desesperado, telefonou para São Pedro, pedindo uma troca. Este aqui já sindicalizou os demónios, ninguém trabalha Não posso mais!! Fizeram a troca e dois dias depois, o Diabo telefonou outra vez para ver como iam as coisas. Então? O Deus está a dar-se bem com aquele Lenine? Deus?? respondeu São Pedro. Não existe!
Na anedota, Lenine moveu o Firmamento, parando o Inferno e revolucionando o Céu. Na Terra, Vladimir Ilyich Ulyanov (n. 22 de Abril de 1870 em Simbirsk/Ulyanovsk), foi o motor, com outros, da Grande Revolução Socialista de Outubro (25 de Outubro no calendário Juliano, então seguido na Rússia/7 de Novembro no calendário Gregoriano) que revolucionou a Rússia e lançou a internacionalização dos ideais Socialistas.
O contexto da Revolução
Para analisar o significado da Revolução, há que examinar o contexto histórico e social. A Rússia e os russos estavam estagnados, constrangidos por vectores feudais-esclavagistas que travavam o desenvolvimento técnico, económico e social. O país inteiro estava agarrado entre as garras de um torno dos capitalistas e latifundiários e do despotismo do Tsarismo.
Em 1917, 28.000 senhores feudais possuíam tantos hectares de terra quanto 10 milhões de camponeses (cerca de 70 m. ha.). A produção concentrava-se nas mãos das companhias monopolistas, por sua vez ligados ao grupo no poder.
Já em 1905/7, a Primeira Revolução, brutalmente reprimida, tinha dado sinais que iria rebentar a panela de pressão (que vinha fervendo há meio século o irmão mais velho de Lenine foi enforcado em 1887 por conspirar contra o Tsar Aleksandr III). A autocracia do regime nos anos contra-revolucionários que seguiram (1907-1914), cujos sintomas visíveis foram a estupidez e ineficácia da Tsarina, Aleksandra, o monstruoso Rasputin e a Primeira Guerra, em que o exército russo foi dizimado, uma guerra cuja perpetuação interessava à burguesia.
O braço de ferro entre esta burguesia (cujo poder aumentava ao custo do sistema monarquista exausto e emaciado) e por outro lado, o proletariado/campesinato/forças armadas, resultou primeiro na sublevação da Ásia Central (1916) e durante o ano seguinte, tensão nas cidades (que tinham a mais alta concentração de operários no mundo) através de greves, e no campo, onde as propriedades dos latifundiários eram incendiadas. Esta tensão resultou na Revolução de Fevereiro/Março de 1917, culminando na abdicação do Tsar Nicolau II (em 2 de Março).
Entre Duas Revoluções
Entre Março e Novembro, o Governo Provisional, liderado primeiro pelo reformista Príncipe Lvov e depois por Aleksandr Kerensky, do Partido Revolucionário Social, tentava impor-se no meio de poderosos movimentos sociais. No entanto, os conselhos de operários estabelecidos em 1905/7 em muitas cidades russas permaneciam activos e estes elegeram o Soviete dos Deputados dos Trabalhadores de Petrogrado, em Fevereiro de 1917, liderado pelos Mencheviques e Socialistas Revolucionários.
O Soviete reuniu no Palácio Tauride, onde o Governo Provisional também tentava forjar as suas políticas de reforma, esforçando-se a agradar a todos e evitar uma situação de dualidade de poder, dvoevlastie, em russo. Porém, foi isso que aconteceu e durante o braço de ferro que seguiu, as políticas do Soviete (reformas democráticas, implantação da República, direitos civis, abolição de discriminação religiosa e étnica, eleições para escolher uma Assembleia Constituinte) ganharam mais apoio entre o povo, com quem o Soviete se identificou melhor do que Kerensky, o jovem advogado, e os burgueses no seu governo.
Nas corações do povo, o Governo Provisional foi considerado responsável pela situação catastrófica vivida por grande parte da população, principalmente devido à continuação da guerra e às suas consequências desastrosas. A nova ofensiva de Kerensky (Ministro de Guerra e depois Primeiro Ministro) fracassou e de modo geral, as suas reformas vieram tarde demais e foram insuficientes. A liberdade dos presos políticos em nada contribuiu para aliviar o sofrimento do povo, cuja energia foi canalizada em várias facções políticas, que tinham como causa comum minar a autoridade do Governo.
Regresso de Lenine
Foi então que Lenine, exilado na Suiça, decidiu voltar para Rússia, chegando em Petrogrado em Abril de 1917. A sua presença deu mais força e popularidade aos Bolsheviques (sua facção) e a sua influência foi incrementada por vitórias eleitorais nos Sovietes de Petrogrado e Moscovo. O seu manifesto foi simples: Paz, terra e pão.
Apesar da popularidade desta mensagem, em Julho, falhou uma tentativa de golpe contra Kerensky e Lenine foi exilado para Finlândia; contudo, o mecanismo da Revolução estava já implantado e a funcionar.
Outra tentativa de golpe em Agosto, desta vez por General Lavr Kornilov (que queria restabelecer a monarquia) viu Kerensky esforçado a pedir a ajuda do Soviete de Petrogrado e dos Bolsheviques. No dia 10 de Outubro, a Comissão Central dos Bolsheviques aprovou uma moção para derrubar o Governo Provisional, baseado na incapacidade deste de implementar políticas que satisfizessem a vontade do povo, que por sua vez, frustrado com os Mensheviques e Socialistas Revolucionários no Governo Provisional, virou cada vez mais para Lenine.
No dia 7 de Novembro de 1917 (calendário Gregoriano) Vladimir Lenine liderou os Bolsheviques na Revolução Russa, alcançando uma vitória contra o Governo Provisional, instalando os Sovietes (conselhos eleitos pelo proletariado e campesinato) como instrumento de Governo.
Significado da Revolução Russa
Seguiram vários anos de turbulência política e militar, apesar do tratado de paz com Alemanha (Brest-Litovsk, 3 de Março de 1918). Seguiram a Rebelião de Tambov (1919-1921), a Rebelião de Kronstadt (1921) e a Guerra Civil (1918-1922). No entanto, quando Lenine morreu em 1924, estava implantado o poder dos Bolsheviques e Revolucionários na Rússia e estava preparado a internacionalização (mais tarde) do Socialismo.
Nos anos seguintes, o manifesto de Paz, Terra e Pão foi concretizado. A derrubada da autocracia e a destruição de um dos regimes capitalistas mais feios foi traduzido num estado seguro que garantiu acesso universal a serviços públicos gratuitos e de alta qualidade: um sistema gratuita de educação, igualdade de oportunidade e mobilidade social, o direito a um emprego, a acomodação, cuidados de saúde, energia, transportação e comunicações, actividades para o tempo de lazer e pensão de reforma com todas as necessidades básicas garantidas.
Os que tentam pintar um quadro negro e negativo da Revolução Russa, invocando as purgas de Estaline e o assassinato de Trotsky (Estaline e Trotsky sendo dois pilares sobre cujos ombros jaz também o sucesso da revolução), são culpados de revisionismo histórico tendencioso. Há que separar a história da Revolução dos vectores sociais que sempre existiram em todas as sociedades.
Culpar a Revolução e o Socialismo/Comunismo pelos desenvolvimentos nos anos seguintes (em que os inimigos da Rússia e do movimento do proletariado/campesinato mundial investiram triliões de dólares para sabotar o modelo) faz tanto sentido como culpabilizar o Capitalismo pela exterminação dos povos indígenas nos Estados Unidos da América, pelo terrorismo nuclear em Hirosima ou Nagasaki, ou então dizer que o parlamentarismo britânico é culpado pelos massacres na Irlanda, Escócia e Índia.
A internacionalização do movimento revolucionário culminou na liberdade dos povos oprimidos pelo jugo do Imperialismo/Colonialismo das potências ocidentais e na implementação de políticas de reforma e desenvolvimento que, tal como aconteceu na Rússia, levou sociedades atrasadas e subdesenvolvidas para a linha de frente, estabelecendo sistemas de serviços públicos de alta qualidade.
As ondas de choque provocadas pela Revolução abanaram os detentores do capital mundial ao mesmo tempo que galvanizaram os movimentos sindicais. Hoje, passados 100 anos desde a Primeira Revolução e 90 desde a Grande Revolução Socialista, pode afirmar-se que todos os principais objectivos de Lenine e dos Revolucionários foram inteiramente realizados, quer na Rússia, quer no Mundo.
A transformação pacífica e sem complexos da URSS na Comunidade dos Estados Independentes, prevista na lei Soviética, foi testemunho do sucesso do projecto de Lenine, pois 70 anos depois da sua morte, qualquer cidadão soviético estava numa posição de disputar qualquer posto de trabalho com qualquer pessoa em qualquer parte do mundo, em qualquer ramo, em termos de igualdade e hoje, a Federação Russa é uma super-potência invencível que continua a garantir segurança, direitos e oportunidades para seus cidadãos.
A Revolução Russa demonstrou que é possível uma via Socialista e que a construção de uma sociedade baseada em políticas sociais que visam a construção de um estado comunista pode ser realizada, que serviços públicos podem ser fornecidos por um Estado e não necessariamente pelo sector privado. Serve de exemplo para o futuro, quando o modelo capitalista-monetarista, que só consegue perpetuar-se pelo saque de recursos e por mecanismos hipócritas (subsídios, sanções e tarifas) implodir.
Timothy BANCROFT-HINCHEY
PRAVDA.Ru
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