O senador socialista João Capiberibe (PSB-AP) lança neste sábado (07) em Macapá o livro Florestas do Meu Exílio, pela editora Terceiro Nome, no qual faz um registro aguardado há quatro décadas por todos que o conhecem - a história de sua prisão e tortura, junto com a mulher, a Deputada Federal Janete Capiberibe (PSB-AP), durante a ditadura militar, a fuga cinematográfica e a saga empreendida pelo casal na região amazônica até conseguir fugir do país.
Livros - 04/09/2013
Capiberibe também revela em detalhes os difíceis anos de exílio na Bolívia, Peru e Chile, onde eles enfrentaram novos golpes militares, as experiências em Moçambique e no Canadá e o desafio de criar três filhos em meio a tantas incertezas. Foram ao todo quase dez anos de exílio até a volta ao país, em 1979, com a Anistia.
O lançamento será às 19:30 horas no auditório do Museu Sacaca, em Macapá, e conta com o pocket showCanto de uma Geração, em que os músicos Jaime Ernest Dias, Eduardo Rangel, Indiana Nomma, Zé Miguel e Haroldo Pedrosa interpretarão as músicas mais marcantes daquela época, dirigidos pelo maestro Joaquim França.
- O Museu Sacaca fica na Avenida Feliciano Coelho, 1509, no bairro Trem.
A premiada escritora Ana Miranda, que escreveu o prefácio do livro, ressalta que o casal, que hoje vive em Brasília, tem uma biografia da maior retidão, pela veemência de sua fé e firmeza e lealdade. "Jamais abandonaram suas crenças, nem as florestas. Depois do sofrimento de tantos anos no exílio, ele foi governar o Amapá com o conhecimento e amor nascidos no coração daquele menino criado na floresta; e ela, representante eleita, retribuiu o que havia aprendido com o povo", afirma. "Trabalharam sempre contra os predadores das florestas, das cidades e dos orçamentos públicos; a favor das crianças pobres, mulheres, parteiras, da gente simples que vive nas matas produzindo mel, açaí, farinhas, colhendo castanhas, dos índios, pescadores, seringueiros, e toda a gente boa do Amapá".
- Confira, nas palavras de Ana Miranda, o que ela achou de Florestas do Meu Exílio:
"Florestas do meu exílio. Além de contar criteriosamente a saga vivida pelo casal, com sua filhinha, entre fugas dramáticas, perseguições, torturas de naturezas várias, vidas subterrâneas que fazem lembrar as cenas mais terríveis de Dickens, Conrad, Victor Hugo, até mesmo Graciliano Ramos ou Kafka, o livro tem outra virtude: revela um Brasil e uma América Latina que poucos conhecem em todo seu encanto e rudeza, entre florestas, cumes andinos, pueblos, vinhedos, com suas canções, insurreições, fomes, tragédias e soluções de vida, como escrevi nas orelhas do livro.
Vemos vilezas e horrores, mas também o dom humano de amar, apoiar, acreditar, lutar por um ideal; pessoas que nada possuem e são capazes de doar, desafiar gigantes, arriscar suas vidas.
Outro lado bonito do livro Florestas do meu exílio é a voz do autor. Mesmo numa situação tão extrema, é uma narrativa sensata, íntegra, aguda, capaz de compreender as razões mais profundas dos sistemas e das pessoas, não apenas as almas que auxiliam, como o lado mais vil da fome dos lobos. Uma voz paciente, corajosa, obstinada, moderna, que ainda sonha e acredita".
A HISTÓRIA NA PRIMEIRA PESSOA
João Capiberibe, o Capi, como é conhecido, nasceu em Afuá, na ilha de Marajó, no Pará. Foi prefeito de Macapá, a capital amapaense, entre 1989 e 1992, governador do Amapá de 1995 a 2002 e desde 2011 exerce o mandato de Senador pelo estado.
Sobreviver, e com dignidade, à ditadura lhe p
ermitiu contar essa história real "que daria um filme", como no jargão popular. E isso aconteceu muito graças àquela noite em que, com o planejamento e ajuda da mulher, fugiu do Hospital da Aeronáutica em Belém disfarçado de médico. "Saí vestido de médico, com jaleco, óculos e estetoscópio. Na hora em que descia as escadas para a rua, meus carcereiros estavam ali conversando e nem se deram conta de que era o paciente preso político que eles deviam guardar que estava saindo pela porta da frente", relata o senador.
Era 1971 e ele estava no hospital se recuperando dos períodos de tortura, maus tratos e má alimentação que passou durante quase um ano encarcerado no presídio São José. Foi transferido, muito doente, após uma greve de fome pelo direito de ver a filha, recém-nascida. Era uma rara oportunidade de fuga, que foi bem aproveitada pela mulher, Janete, e contou com a ajuda do médico Almir Gabriel, hoje amigo do casal e que nos anos 90 seria eleito duas vezes governador do Pará.
João e Janete cursavam Economia e eram bastante atuantes no movimento estudantil quando, em 1968, após conhecerem o líder da Aliança Libertadora Nacional, Carlos Marighella, também estudante de Economia, decidiram entrar para a organização, que pregava abertamente a resistência armada à ditadura. O casal partia de Belém para uma região de extrema pobreza na divisa do Pará com o Maranhão, a fim de organizar um grupo de guerrilha, quando foi preso. "Na verdade, não foi uma prisão, nós fomos sequestrados. Estávamos num ônibus, já há uma hora longe de Belém, quando de repente surgiram armas apontadas para a nossa cabeça", lembra Capiberibe. "Então descobrimos que quem estava no ônibus não eram passageiros de fato, mas membros da repressão. Fomos rendidos e levados de volta a Belém".
Era 7 de setembro de 1970, mas a prisão do casal só veio a público em 11 de fevereiro de 1971, quase cinco meses depois, quando finalmente as forças da repressão publicaram uma nota oficial. Eles foram barbaramente torturados, mesmo Janete estando no oitavo mês de gravidez, e ficaram incomunicáveis, sem que as famílias soubessem de seu paradeiro, durante todo esse tempo. Somente com a ida de Janete para a maternidade, para dar à luz à primeira filha do casal, e, em seguida, com sua libertação, é que a verdade veio à tona. A partir daí, ela luta para fazer contato com o marido e elaborar a fuga.
João Capiberibe ficou 110 dias preso na 5ª Companhia de Guarda do Exército, em Belém, e depois foi transferido para o presídio São José, que hoje é um centro turístico e cultural da cidade. Janete articulou incessantemente junto à Auditoria do Tribunal Militar de Belém até que, com a greve de fome de Capi, conseguiu que ele fosse transferido para o hospital - a Santa Casa, na época -, onde ficou internado dois meses sob a guarda de quatro policiais.
Janete acertou o transporte com uma embarcação clandestina, que levava cargas sem nota fiscal, e por esse fator e o horário em que a maré permitia a navegação no local, à noite, a fuga do hospital ocorreu às 23 horas. Com o objetivo de fugir para a Bolívia, o casal e a filha, então já com um ano, navegou mais de 6 mil quilômetros pelos rios Amazonas e Madeira, numa viagem que durou 25 dias. Só de Belém a Santarém foram sete dias, num percurso parando de porto em porto para o desembarque da carga clandestina.
A pé pela floresta - "De Santarém fomos até Manaus e lá tomamos outra embarcação até as proximidades de Porto Velho, a uma hora de distância, e do porto onde atracamos fomos andando a pé pela floresta até a estrada que liga Porto Velho a Guajará Mirim, que na época era apenas um caminho, na verdade", detalha o senador. "Atravessamos de Guajará para a Bolívia e lá fomos recebidos por um dentista, a quem entreguei uma carta que me havia sido repassada ainda na prisão, por um jovem que havia assaltado um banco em Manaus com um revólver de brinquedo".
Esse dentista foi quem organizou a ida do casal para Cochabamba, onde chegaram em 21 de agosto de 1971 - exatamente no dia de um golpe de estado que ocorreu na Bolívia. "Na Bolívia eram comuns os golpes nessa época, só que esse foi um golpe sangrento. Nós havíamos recém chegado à Universidade de Cochabamba, onde fomos bem recebidos pelos estudantes mas já alertados de que a situação política era tensa no país e havia um golpe em marcha. Nos abrigaram no diretório estudantil e, na manhã seguinte, a universidade amanheceu cercada. Era muito cedo e eu vi que havia toda uma movimentação diferente, imaginei que fossem os estudantes armados para resistir às tropas golpistas mas já era o Exército que tinha cercado o campus e às 7h da manhã invadiu".
O casal conseguiu escapar por um buraco com a filha, então com um ano, mas perdeu toda a pouca bagagem que havia carregado para a fuga. Ficaram horas caminhando na rua só com a roupa do corpo, até que um estudante que estivera em sua recepção na universidade na noite anterior os reconheceu e abrigou em sua casa, num bairro afastado. "Ali ficamos até o final de novembro, até conseguir deixar a Bolívia também clandestinamente. Saímos de Cochabamba escondidos dentro de um caminhão baú, de carga, fomos até La Paz, de onde tomamos um ônibus e atravessamos a fronteira para o Peru, até Desaguadeiro, que hoje é uma cidade nas margens do lago Titicaca, mas na época eram apenas algumas ruas, mais nada".
Os Capiberibe também tiveram problemas nessa travessia, foram detidos e por pouco quase eram devolvidos ao Brasil. Depois de alguns meses no Peru, decidiram partir para o Chile, onde moraram por dois anos, durante ogoverno de Salvador Allende. Saíram do país depois do golpe do ditador Augusto Pinochet e foram para o Canadá, onde João se formou em Zootecnia. Depois, mudaram para Moçambique, onde ele foi cooperante internacional. Nessa longa trajetória, ainda tiveram mais dois filhos, gêmeos.
"Foi uma odisseia, cheia de dificuldades, incertezas e perseguições, sempre na clandestinidade, e é essa história, minha e de minha companheira, que eu romanceei e conto agora, em todos os detalhes, no livro Florestas do Meu Exílio", destaca Capiberibe, integrando as florestas que percorreram nessas travessias todas às florestas de sua origem, às margens do rio Xarapucu.
De volta ao Brasil, em 1979, eles foram morar no Amapá, ainda território à época, mas logo tiveram de partir em função de novas perseguições políticas. Os Capiberibe foram então trabalhar com Miguel Arraes, em Pernambuco, e depois no Acre. Voltaram ao Amapá, onde, em 1985, João foi convidado para cargo de Secretário Estadual da Agricultura; três anos depois, foi eleito prefeito de Macapá e dali iniciou a carreira política, sempre no PSB, ao qual é filiado desde 1987.
PRÓXIMOS LANÇAMENTOS:
O Florestas do Meu Exílio já teve um primeiro lançamento em São Paulo, no Sesc Pompeia, no dia 15 de agosto.
Além de Macapá, também haverá lançamentos em Porto Alegre, Brasília, Rio de Janeiro e Belém - este, emblematicamente, será realizado no antigo Presídio São José, onde o senador João Capiberibe ficou preso, e em que hoje funciona o Polo Joalheiro da Amazônia.
Confira as datas e locais dos futuros lançamentos:
. Vitória (ES) - 25 de outtubro, sexta-feira, (horário e local a definir).
Márcia Quadros - Assessoria de Imprensa do PSB Nacional
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