Colômbia. Rubén Cano da Farc: "A paz é arriscada e humilhante"

Colômbia. Rubén Cano da Farc: "A paz é arriscada e humilhante"

Wilmar Jaramillo Velásquez / Resumen Latinoamericano / 13 de março de 2019

Na medida em que o diálogo foi avançando, o ambiente foi se distendendo e o personagem foi entrando em detalhes da paz e da guerra. Estávamos frente à Rubén Cano, amplamente conhecido nas fileiras das FARC e em Urabá como "Manteco".

Homem de estatura média, magro, de olhar fixo e penetrante, curtido pela guerra e a violência desde menino e que hoje está entrincheirado com seus homens na vereda San José de León, jurisdição do município de Mutatá, porém, em vez de fuzis, estão rodeados de lagos de peixes e galpões de frangos e galinhas e sua linguagem é a paz.

Ali chegou com 45 famílias em meio ao pântano de incerteza, praticamente abandonados à sua própria sorte pelo governo, no município de Tierra Alta em Córdoba, no Cerro del Paramillo, e de imediato começaram a construir suas casas de madeira, as vias de acesso, a montar alguns projetos produtivos que lhes garantissem o dia a dia. Foi uma tarefa titânica que hoje tem o reconhecimento até da comunidade internacional.

"Rubén Cano no momento é o líder da Comunidade de San José de León, do processo de paz do movimento ex-guerrilheiro FARC, sou uma pessoa oriunda de Urabá, da corregedoria de Currulao, sou filho de pais comerciantes e tivemos também granjas de gado e banana."

Extenso diálogo com Rubén Cano, conhecido como "Manteco" nas FARC.

"Já estamos cerca de dois anos da deixação de armas, minha percepção frente ao processo de paz, primeiro, que é um processo que o povo necessita, o almejava e o apoia em sua maioria; infelizmente às classes políticas no poder não lhes interessa o processo de paz para nada e o que querem é cumprir o que prometeu Duque aos eleitores, que os estraçalharia, apesar de que nos permitiu melhorar a qualidade de vida, o investimento social, o do turismo melhorou muitíssimo em Colômbia, porém não se está cumprindo com os acordos". Esta é a primeira impressão de quem fora um dos combatentes populares durante as duas últimas duas décadas de presença militar dessa organização armada em Urabá, Córdoba e Chocó.

Rubén Cano se pergunta por que a ONU não exige e pressiona ao governo nacional para o cumprimento do pactuado e inclusive os governos garantidores.

Rubén Cano passou mais da metade de sua existência nas FARC, foram 32 anos na guerra, de 49 que tem hoje.

"Antes de ingressar nas FARC eu era um jovem normal, estudava, ajudava a meus pais no que tinha que ver no campo, com o gado, com a banana, tínhamos uma cantina que se chamava 'Puertas del Sol', de vez em quando acompanhava os meus pais aí.

"Este processo de paz nos permitiu nos encontrar com a família, ainda que nunca estivemos distanciados dela, agora há mais possibilidades de estar com ela e se me permitiu reencontrar-me com alguns amigos de infância, de estudo", nos contou.

"Não me arrependo de ter firmado o Acordo de Paz, porque fui à guerra pensando na paz, sempre nossa proposta como FARC era poder alcançar a paz e cremos que a paz é o caminho a seguir e todo sacrifício que se faça pela paz não deve a pessoa se arrepender para nada, sabemos que é difícil, sabemos que é arriscada, que é humilhante, porém pela paz devemos trabalhar seriamente e não me arrependo; há preocupações, pela deterioração dos acordos, é minha preocupação, porém não é meu arrependimento de estar em paz e seria muito triste para o país desprezar esta oportunidade tão clara da paz".

"A pessoa não pode dizer que o dia de deixação de armas foi um dia de felicidade, porque assim que se começou a deixar as armas começaram os descumprimentos, as humilhações, então não podemos dizer que há felicidade, há tristeza de ver como se joga com uma vontade de paz".

"Um dia de rotina de Rubén Cano aqui é que às seis me levanto para cuidar dos animais, temos galinhas, peixes, porcos, há que lavar o curral dos porcos e às 6:30 ou 7 da manhã estar pronto para as atividades coletivas; se há que carregar madeira para algum casario o fazemos, se há que fazer uma rede de esgoto o fazemos, se há que carregar areia o fazemos e estarmos atentos para qualquer atividade com alguma organização que nos visite.

"A nossa saída da vereda El Gallo em Tierra Alta obedeceu a que estávamos convencidos de que a Colômbia necessita da paz e queremos trabalhar seriamente pela paz e estar num lugar onde não haja possibilidade de fazer nada e quando sabíamos de antemão que iam descumprir conosco, pois isso não é trabalhar pela paz, chegamos a um ponto onde nos arrebentamos, muitas dificuldades em Córdoba, sem vias, sem comercialização e então tomamos a decisão de virmos para cá, ademais conhecíamos estes terrenos. O governo não nos entregou um metro de terra; por outro lado, nós outros como frente 58 entregamos sete granjas; compramos esta terra onde estamos, é uma parcela de 21 hectares, adquirimos ela juntando os dois milhões e 600 mil pesos que o governo nos deu de auxílio".

"Aqui não havia rodovia, você pode confirmar com os moradores, não tínhamos casa, nos tocou construir rodovia e moradia, o tempo se nos ocupou nisto, porém estamos trabalhando; vocês já viram os criatórios de peixes, os galpões e no pouco espaço que temos investimos em semear mandioca, banana e se está ensaiando com umas sementes de soja para ver como se pega aqui, temos uma experiência com Sacha Inchi, temos um lotezinho semeado e o Sena nos deu uma capacitação. Isso há no pouco tempo que temos, não nos dá para mais tampouco." Explica, ademais, Rubén que vive ali com sua companheira, é pai de três filhos, o maior tem vinte anos.

Rubén diz não estar tranquilo porque a história deste país é cruenta e todos os líderes dos processos de paz terminaram assassinados, "esperamos que não suceda isto, porém está por se ver, como repito, insistimos no compromisso de trabalhar pela paz".

  Sobre a história do falecido chefe paramilitar de Urabá, Carlos Vásquez, vulgo "Cepillo", quem numa entrevista com este meio de comunicação o referenciou, disse:

"Nãooo, isso me disseram vários, que "Cepillo" era de Currulao, não recordo, ao melhor até companheirinho de infância seria, por isso sou consciente e sigo me arriscando no processo de paz, cheguei à grande conclusão, já olhando para os soldados, os policiais, a todo o mundo e alguém diz: não encha o saco, estávamos nos matando, são filhos de pobre, com ilusões, com esperanças, com pais, com filhos, com mulher, com uma ilusão de sair adiante; todos, porque o soldado e o policial que vai ao combate é o filho do pobre, então a pessoa diz: estávamos nos matando os que não tínhamos que nos matar, eu teria gostado de saber quem era realmente "Cepillo" porque igual o paramilitarismo ou os paras que chamamos são também colombianos".

Sobre o interesse de Teodoro Manuel Díaz Lobo, ex-combatente do EPL, de se reunir com ele, que não o recorda porque talvez você estava muito jovem, e ele faz 28 anos que fez deixação das armas, que gostaria de sentar com ele para falar de paz, disse Rubén Cano, "com Teodoro estivemos intentando conversar, porque me parece que depois de tanto tempo fomos amigos ou fomos primeiro adversários depois amigos, outra vez fomos adversários, depois neste processo de paz tenho entendido que somos amigos e estamos apontando para o mesmo objetivo que é alcançar a paz, estamos interessados nisto, porém, quando já estamos concretizando-a, resulta que ele quer que se faça um ato público, primeiro temos que nos sentar a falar as coisas de tudo o que sucedeu porque deles como movimento EPL e depois como Esperança, Paz e Liberdade como partido político há muitas coisas que é bom que falemos primeiro nós outros. Sim, estou interessado, Pastor também está interessado e o resto de nossos dirigentes em Antioquia estão muito interessados em falar com ele; disso se trata, de falar com todos, inclusive entre os piores inimigos é que temos que nos sentar a falar porque estamos todos comprometidos com a paz. Eu me lembro um pouquinho dele, em 88 estivemos juntos, e, sim, lógico, eu estava muito jovem, tinha 18 anos por essa época e ele já estava de idade, um pouco gordo."

Rubén, quisera que você enviasse uma mensagem aos habitantes de Urabá por nosso meio de comunicação: "Que no Partido FARC estamos comprometidos com o processo de paz, vamos trabalhar muito seriamente na região de Urabá que foi muito fustigada pela violência, e estamos certos de que entre todos podemos sacar esta bela região e podemos colocá-la a produzir em favor de todos os urabaenses, entre todos podemos alcançar a paz, não podemos deixar a paz centralizada no governo nacional, isso é de todos. A paz é o futuro da Colômbia."

E aos que persistem na guerra, como o ELN, que mensagem você daria?

"Não, é que a mensagem não a tenho que dar eu, o governo a está dando e é uma mensagem de guerra, que vai dizer alguém a um movimento como o ELN, como lhes vamos dizer que entrem num processo com o qual também lhes descumpram. Isto é muito triste porque há muitos descumprimentos. Então, nãooo, é dizer ao governo nacional que ponha vontade de diálogo, de paz para que possam ter credibilidade e consigamos por fim deixar a guerra no passado.

E que mensagem envia à sociedade que desde diferentes ângulos segue torpedeando a paz?

"Creio que já é justo, mais de sessenta anos de derramamento de sangue, que estão atiçando uma guerra entre irmãos, que a guerra não convém a nenhum país, convém a umas poucas famílias, porém não ao coletivo de colombianos, que por favor paremos já de estar atiçando a guerra, que muito melhor [será que] estes recursos, estes esforços os apontemos para a reconciliação para que por fim possamos nos abraçar e viver como irmãos."

 

 

Tradução > Joaquim Lisboa Neto

 

 

Fonte: El Pregonero de Darién

 

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