Por uma esquerda capaz de discutir seu futuro
Aquele velho dito de que a esquerda só se une na prisão, sempre foi visto como uma fraqueza dos partidos que pretendem representar a visão mais progressista da sociedade, comunistas, socialistas dos mais diversos matizes e até mesmo os trabalhistas, por que, quando em liberdade, são incapazes de enfrentar uma direita sempre unida.
Eu ousaria dizer que em vez de uma fraqueza, esse pode ser o grande diferencial positivo da esquerda, porque revela a necessidade de estar sempre discutindo e tentando aprimorar o processo político.
Marcha unida é coisa para militares e não políticos.
Obviamente, isso não deve impedir a união em torno de objetivos comuns, como ocorre hoje no Brasil na questão de defender a liberdade do Lula e seu direito de se apresentar como candidato à Presidência, nem de chamar o impeachment da Dilma de golpe.
Isso não significa seguir um pensamento único, nem criar ícones políticos imunes à critica.
Um exemplo: denunciar as políticas conciliatórias do PT, quando governo, com os partidos da direita e do centro; lamentar que tenha sucumbido ao poder da mídia e apontar seu objetivo final, que sempre foi de reformar o capitalismo e não lutar pela implantação do socialismo.
Infelizmente, muitas pessoas que se dizem de esquerda abominam aese tipo de pensamento. Querem viver só com suas certezas, o que deveria ser impossível em qualquer momento da vida e muito mais na política.
Quando surgiu aquele episódio da Márcia Tiburi se recusando a debater com o representante do MBL numa emissora de rádio, muitos a aplaudiram, esquecendo que, ela mesmo, havia escrito um livro chamado Como Discutir com um Fascista
É altamente recompensador para qualquer um de nós quando todos aprovam e batem palmas para o que dissemos. O difícil, falou uma vez Taro Genro, com propriedade, é discutir com nossos opositores.
O fato de discutirmos à exaustão determinados pontos não significa que no final não vamos estar juntos na luta com eles.
Talvez o melhor exemplo disso esteja na mais importante revolução social que já viveu a humanidade, a Revolução Russa de 1917.
De fevereiro, quando da queda do Czar, até outubro, quando os bolcheviques tomaram o poder, as estratégias de luta, os objetivos, os modelos de governo, tudo foi discutido à exaustão por gente como Lenin, Totski, Martov, Dverdlov, Kamenev e Plekanov.
Mesmo depois que tinham tomado o poder, discutiu-se de forma democrática todas as questões mais importantes para a nova república soviética.
Só mais tarde, quando as ameaças internacionais e os graves problemas internos fizeram que a democracia fosse desaparecendo na URSS, é que as lutas internas dentro do governo , fossem muitas delas, resolvidas de forma sangrenta.
Hoje, no Brasil, se não vivemos numa democracia real, conservamos, pelo menos, muitos dos seus atributos, entre eles a existência de um pensamento de esquerda com muitas facetas.
Discuti-las continuamente me parece uma maneira de fazer com que a mais adequada vença no final.
Infelizmente, não é o que vemos.
Num espaço razoavelmente aberto como o Facebook, por exemplo, se você se diz não representado por um político ou candidato a político do PT, você está ajudando o inimigo.
Os mais agressivos acabam até te rotulando de admirador do Bolsonaro.
Ou seja, não se discutem ou se contestam argumentos. Tenta-se calá-los..
Com esquerdistas tão autoritários assim, não precisamos mais dos direitistas.
Os bolsonaristas te dizem: vai pra Cuba, vai para a Venezuela.
Os lulistas te dizem: chama a senadora de Ana do Relho e diz que basta ser do PT, para ser bom.
Tem muita gente gostando do samba de uma nota só.
Marino Boeira é jornalista,formado em História pela UFRGS
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