Independente do execrável regime político sob o qual viveu de 1973 a 1988, o Chile soube, nas últimas três décadas, estabelecer laços comerciais com os países asiáticos. Pode-se dizer que o país aproveitou-se de sua localização à beira do Pacífico para alcançar esse intercâmbio, mas Argentina, Peru, Equador e Colômbia, em tese, igualmente tinham as mesmas possibilidades geográficas e não dedicaram nenhuma atenção a esse bloco de nações que estão entre as mais dinâmicas da economia mundial.
O acordo de livre comércio que o governo chileno está a ponto de firmar com a China deverá, sem dúvida, levar mais longe essa opção que o país vem trabalhando há tanto tempo. Afinal, em comércio exterior, nada se faz de um dia para o outro: as confianças entre as nações, que nascem geralmente ao longo de vários governos, estabelecem-se depois de muitas provas de credibilidade que se dão não só entre as autoridades, mas principalmente entre as empresas que, em última palavra, são os organismos que movimentam a economia.
Logo, os governos chilenos, desde o tempo da ditadura do general Pinochet, passando pelos presidentes eleitos democraticamente, entenderam que o país, para crescer, precisava se juntar aos grandes atores do comércio mundial. E esses grandes países, obviamente, não estavam entre os seus vizinhos. O resultado é que, hoje, os Estados Unidos são o seu principal sócio comercial, vindo China e Japão logo a seguir.
Além disso, os governos chilenos mantiveram uma política cambial de estímulo às exportações, implementando linhas de financiamento para desenvolver setores exportadores. Como resultado dessa orientação, o Chile tornou-se o país latino-americano mais ativo em acordos de livre comércio, firmando tratados com EUA, União Européia, Canadá, México, Associação Européia de Livre Comércio (EFTA), Japão, Coréia do Sul, Cingapura, Brunei e Nova Zelândia.
Agora, além de estar perto de bater o martelo para um acordo com a China, também está em negociações avançadas com a Índia para um tratado de alcance parcial e preferências tarifárias.
Sem contar que já tem negociações iniciadas para assinar acordos de livre comércio com Peru, Equador e Guatemala. E ainda mantém conversações com o Panamá com vistas à assinatura de um tratado de liberalização comercial. Tudo isso o Chile faz, praticamente, com produtos básicos e agro-industriais, que, aliás, constituem a parte mais substancial da demanda asiática.
E o Brasil? É claro que o Brasil não pode ser comparado ao Chile, cujo PIB (US$ 114 bilhões em 2005) é menor que o do Estado de Minas Gerais (US$ 166 bilhões em 2004). Além disso, é uma federação, enquanto o Chile é um país unitário, com território e população infinitamente menores.
Mas, ao menos, poderia seguir o caminho chileno, procurando acordos preferenciais com outros mercados. Hoje, embora tenha o imenso Atlântico pela frente, o Brasil não consegue manter negociações em torno de tratados de livre comércio com a União Européia e os Estados Unidos, os principais mercados mundiais, e fica na dependência do bom humor da China e da Índia, cujos governos são extremamente exigentes e imprevisíveis.
Trocando em miúdos, o Brasil só tem o Mercosul que, na realidade, representa apenas o mercado argentino, pois Paraguai e Uruguai não são mercados sequer médios. A rigor, depois da última rodada de negociações em que se submeteu às exigências do governo argentino, não tem mais nada.
De acordo que se pretendia de livre comércio, o Mercosul virou um acordo de comércio administrado. Quer dizer: em vez de defender a indústria brasileira, que teve o mérito de se modernizar e colocar no mercado produtos de alta qualidade, o governo brasileiro, para preservar um tratado que vai mal das pernas, cedeu além da conta, quando, na verdade, o mercado brasileiro é o principal destino das exportações argentinas.
Talvez seja por isso que, embora nos últimos anos tenhamos comemorado recordes na exportação, inclusive superando a média mundial, a parte do Brasil no comércio mundial persiste ao redor de 1%, como em 1972. Afinal, os obstáculos enfrentados há 34 anos por exportadores pioneiros continuam inalterados, impedindo que empresas novas se agreguem ao esforço exportador, especialmente pequenos e médios empresários. Enquanto isso, na Itália, são as pequenas e médias empresas que movimentam a maior parte das exportações do país.
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Milton Lourenço é diretor-presidente da Fiorde Logística Internacional, de São Paulo-SP (www.fiorde.com.br). E-mail: [email protected]
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