Carta aberta ao Presidente Duque

Carta aberta ao Presidente Duque

Autor:

Rodrigo Londoño - Timo

"A guerra, definitivamente, é um desastre para um país e um povo. Mais ainda quando enfrenta forças internas, filhos da mesma terra, irmãos unidos por séculos de história"

Sem dúvida, quando num futuro escrevam sobre o passado de nossa nação, registrarão a estupidez da termos permanecido mais de cinquenta anos nos matando uns aos outros.

Recordo agora a intervenção de Gabino numa reunião de cúpula celebrada em Venezuela conosco, reunião autorizada e facilitada pelo Governo da Colômbia há seis anos.

Com muito sentimento expressava que nosso povo estava cansado da guerra, que, se em cinquenta anos não havíamos feito a revolução nem tomado o poder, havia que ensaiar outra via.

Algo semelhante pensávamos nós outros, e Deus sabe que fizemos quanto esteve a nosso alcance por conseguir que o ELN se vinculasse ao processo de paz que desenvolvíamos em Havana.

Chegamos a cunhar a fórmula de um só processo, duas mesas de diálogo. O ELN argumentava que eles, ao passarem à fase pública das conversações, trabalhariam conjuntamente conosco.

Com infortúnio para a Colômbia as coisas não se deram assim. Enquanto nós avançamos até a firma do Acordo Final, eles terminaram estancados em sua mesa de diálogos.

A experiência histórica mostra que as coisas não ocorrem por acaso. A situação em que se acha o país após o atentado na escola de cadetes e o encerramento dos diálogos com o ELN comprova.

De tempos atrás se produz um avanço das forças da direita. Nos Estados Unidos, na União Europeia, na América Latina. Colômbia não é a exceção. Alguns falam do pêndulo.

De acordo com esta teoria, necessariamente voltarão os tempos da esquerda. O justo seria que aprendêssemos a conviver com respeito e tolerância em lugar de semear um ódio irracional.

No imaginário coletivo primam ideias sobre as primeiras, associadas em geral a profundos ajustes econômicos, repressão, violação de direitos humanos, guerra e arbitrariedade.

De igual modo sobre a segunda se difundem estereótipos como os ataques à propriedade, populismo, estatismo, afeição ao poder, ineficiência, escassez e fome generalizada.

É assim como, ao chegar você à Presidência de República, muitos pensaram no regresso da guerra, no despojo, no paramilitarismo, nos faltos positivos, nas artimanhas reeleitorais.

De imediato se imaginou o cenário da confrontação com Venezuela, da complicação das relações com Cuba, com as Cortes, na obsessão por estraçalhar os Acordos de Havana.

Não cessamos de nos perguntar se as coisas necessariamente devem se dar assim. Ao tomar posse, você assegurou que chegava ao poder uma geração sem os preconceitos do passado.

Uma geração dedicada a promover o entendimento, o trabalho em equipe e construção de consensos. Chamada a governar livre de ódios, de revanches, de mesquinharias.

Se pode mirar o futuro com ceticismo, porém os revolucionários estamos obrigados a fazê-lo com visão otimista. Talvez seu pacto por Colômbia fora um New Deal, um Novo Ajuste.

Se seguimos pelo caminho que hoje traça, estaremos destinados a Estado falido. Se poderá criticar quanto queira, porém após a firma dos Acordos de Havana temos um país muito melhor.

Em fevereiro de 2002 fazíamos esforços por sustentar a Mesa do Caguán. Até que, sem consulta, uma unidade nossa desviou um avião no Caquetá e sequestrou ao senador Gechem.

Ninguém em nosso Secretariado teria disposto algo assim. Porém sucedeu, dando lugar ao fim da desmilitarização e a uma guerra de 15 anos que custou a vida de incontáveis compatriotas.

A saída dialogada se produziu finalmente, porém ao preço de metros cúbicos de sangue, de dor sem limites. Nenhum ganhou, todos perdemos. Na confrontação passam coisas, há que entendê-lo.

No informe de golpes ao ELN durante seu governo, você só mencionou cifras de capturados e desmobilizados. Deveria também incluir os dados de baixa, sem dúvida numerosos.

Nisso consiste a irracionalidade da guerra, em só lamentar as perdas nas forças próprias e desdenhar as produzidas no contrário. É o que desumaniza e perverte a consciência.

Coincidimos em que o ELN deve dar mostras de sua vontade de paz. O sequestro e o terror não têm espaço hoje. Tampouco o terror de Estado. Nem os crimes de líderes e reincorporados.

Porém, presidente Duque, o que a imensa maioria de colombianos estamos vendo com o cancelamento do diálogo é precisamente a multiplicação massiva desses horrores durante anos.

Lamentavelmente, dolorosamente, porém também inevitavelmente é o que sucederá. Evitemos isso à Colômbia, a seus filhos, a suas mães e seus pais. Não precipite você a guerra total.

Dizemos isso nós outros, que conseguimos sacar a boa parte de nossos compatriotas do inferno. Presidente, sempre será melhor a paz que a guerra. Conte conosco para a primeira.

RODRIGO LONDOÑO ECHEVERRY

Presidente do partido FARC

Bogotá, 19 de janeiro de 2019.

Tradução > Joaquim Lisboa Neto

 

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