Eu estou no campo de refugiados de Yarmouk, em Damasco, durante a chegada da ajuda humanitária. Um homem se aproxima de mim e solta três palavras: "Eu estou faminto". Os olhos afundados em seu rosto são igualmente eloquentes. Sua frágil estrutura manifesta volumes. Sua fala é a de um povo brutalizado, um povo doente de guerra. Ele é um símbolo vivo do fracasso mundial em resolver a crise na Síria.
Por Pierre Krähenbühl, Comissário-geral da UNRWA
Yarmouk se tornou um ícone poderoso da ampla guerra e experiência palestina. Fora uma vez o coração densamente povoado da comunidade palestina na Síria. A população pré-guerra de Yarmouk era de 1 milhão de pessoas, dentre as quais 150 mil eram palestinas. Hoje é o lar de apenas 18 mil civis. Suas vias, uma vez movimentadas, foram transformadas em uma apocalíptica cidade de fuga, onde mulheres morreram durante o parto por falta de medicamentos e crianças estão passando fome. O cerco quase total, imposto em julho de 2013 em resposta às milícias extremistas dentro dos campos, levou o lugar à ruína. A UNRWA (Agência de Ajuda Humanitária e Trabalho para Refugiados Palestinos da ONU) só foi capaz de fornecer os mais escassos níveis de assistência, com acesso limitado, a partir de 6 de dezembro, logo após um surto de violência.
Entretanto, a miséria dos palestinos na Síria vai muito além de Yarmouk. Todos os doze campos de refugiados palestinos no país foram afetados. 80% dos 580 mil palestinos registrados na UNRWA na Síria foram deslocados ao menos uma vez. 45 mil fugiram para o Líbano, 15 mil para a Jordânia. 95% dos que permaneceram na Síria são incapazes de atender às suas necessidades mais básicas e, portanto, são fortemente dependentes da assistência da UNRWA.
As vulnerabilidades particulares dos refugiados palestinos e o seu estado precário na região compõem a dura e violenta devastação que dividem com os sírios. A Jordânia fechou as suas portas para os refugiados palestinos vindos da Síria no início de 2013. Em maio de 2014 o Líbano fez o mesmo. Onde eles encontram alívio do conflito, sofrem marginalização frequente e estão em grave situação de vulnerabilidade. No Líbano, Jordânia e Egito, muitos não possuem status legal e estão impossibilitados de terem acesso à serviços sociais básicos. O movimento deles é limitado e eles vivem em constante medo de serem presos e forçados a voltar para a Síria.
A resposta da UNRWA tem sido decisiva e corajosa, mas isto vem com um preço. Perdemos 14 membros durante estes quatro anos de conflito. Nossa resposta também tem sido eficiente, pois 4 mil funcionários da UNRWA na Síria fazem parte da comunidade de refugiados palestinos a quem servimos por mais de seis décadas. Sem eles, a ajuda humanitária em muitas regiões seria impossível. Nós já estamos lá, atuando e implementando serviços diretamente, e não através de parceiros.
Apesar do conflito, a UNRWA continua operando 95 escolas. Além disto, estabelecemos oito centros de educação nos abrigos coletivos que administramos para atender as pessoas deslocadas. 46 mil alunos estão matriculados em nossas escolas, um número menor comparado aos 67 mil alunos na época pré-conflito. Mesmo assim, o número é quase o dobro do total de alunos matriculados em 2012, que era de apenas 27 mil.
Nossos estudantes continuam atingindo pontuações acima das médias nacionais. No ano passado, a nossa taxa de aprovação para os concluintes do ensino fundamental foi de 84,1%, uma marca notável, levando-se em consideração o contexto. A UNRWA opera 14 centros de saúde e 11 pontos temporários de saúde em toda a Síria. Como resultado, fomos capazes de oferecer aproximadamente 1 milhão de consultas médicas primárias em 2014, um aumento de aproximadamente 46% em relação ao ano anterior.
Assistência financeira é nosso outro principal programa. Em 2014, a UNRWA completou três etapas de distribuição, onde em cada uma delas cada refugiado recebia aproximadamente 64 dólares para viver durante 4 meses. Por conta dos fundos escassos, cada refugiado recebeu uma média de apenas de 16 dólares por mês ao longo do ano. É evidente que este valor não é suficiente. Nós poderíamos fazer muito mais se o dinheiro existisse. Uma avaliação independente mostrou a eficiência da UNRWA na distribuição de dinheiro e confirmou a nossa capacidade de atingir grupos de refugiados palestinos em toda a Síria.
A UNRWA foi capaz de distribuir alimentos em Yarmouk em apenas 131 dias de 2014, com uma média 89 caixas por dia. Para atender às necessidades mínimas da população a distribuição deveria ser de, pelo menos, 400 caixas de alimentos por dia
Apenas reduzindo substancialmente o atendimento individual temos sido capazes de continuar a ajudar todos os necessitados. Se os níveis de financiamento continuarem diminuindo, os programas de educação emergencial, apoio psicossocial para crianças traumatizadas e cuidados médicos serão ameaçados, e a ajuda financeira- o pilar central da resposta humanitária da UNRWA - terá de ser suspensa em breve. Nosso apelo no ano passado foi apenas 50% financiado. Este ano, o número atingido até o presente momento é de apenas 4%.
O investimento que a comunidade internacional tem feito através da UNRWA tem sido crucial para manter o capital humano, incentivar a autossuficiência e garantir que os refugiados palestinos estejam prontos para contribuir plenamente quando houver uma solução política para a atual situação. Nós não podemos permitir que este ganho de capital humano seja revertido. Além disto, em um momento de extremismo crescente e com o surgimento de novos conflitos no Oriente Médio, o fim dos programas da UNRWA não é interessante para ninguém. Isto pode criar um vácuo perigoso.
Juntamente com um apelo para aumentar os fundos, eu concluo com uma chamada para uma ação política pra resolver as causas do conflito pela raiz e para chamar a atenção para o desrespeito ao direito internacional humanitário.
O mundo precisa acordar para a extensão do desastre na Síria e agir. A credibilidade do próprio sistema internacional está em jogo. Enquanto o conflito entra no seu 5º ano, chegou o momento da comunidade internacional assumir a liderança moral, humanitária e política para promover a justiça e a dignidade que cada cidadão sírio e refugiado palestino tanto anseiam e foram cruelmente privados de ter.
Fonte: Carta Capital in iranews
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