Um conjunto de 28 eminentes personalidades nacionais dirigiu uma carta aberta ao Primeiro-Ministro e ao Ministro dos Negócios Estrangeiros sobre a questão do Sahara Ocidental.
Álvaro Siza Vieira, Frei Bento Domingues, João Proença, José Augusto França, José Mattoso, Manuel Carvalho da Silva, Mário Nogueira, Miguel Galvão Teles, Maria Helena Mira Mateus, Teresa Féria e Vasco Lourenço encontram-se entre os subscritores desta tomada de posição que "ganha um relevo especial pelo facto de a questão do Sahara Ocidental (antiga colónia espanhola do norte de África em grande parte ocupada por Marrocos) se encontrar numa fase decisiva e de Portugal estar prestes a assumir o seu lugar como membro do Conselho de Segurança das Nações Unidas".
Segundo a Associação de Amizade Portugal-Sahara Ocidental (AAPSO) - promotora desta iniciativa - o Sahara Ocidental "é um dos dossiers que exigirá um acompanhamento permanente durante todo o mandato e relativamente ao qual Portugal, com o seu historial de defesa intransigente e diplomaticamente hábil dos direitos do povo de Timor-Leste, em primeiro lugar do direito do povo timorense à autodeterminação e independência, poderá dar um contributo específico e valioso".
Segundo o texto da carta: "Uma solução clara deste conflito abrirá novas perspectivas para Marrocos, para a região e para o diálogo euro-mediterrânico". E a exemplo do que aconteceu com o caso de Timor-Leste, os signatários pretendem que o Governo Português apoie "todos os esforços internacionais conducentes à realização do referendo de autodeterminação" no território.
AAPSO
CARTA ABERTA AO GOVERNO
SOBRE A POSIÇÃO PORTUGUESA FACE À QUESTÃO DO SAHARA OCIDENTAL
Exmº. Senhor Primeiro-ministro
Exmº. Senhor Ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros
Acompanhámos com dor e indignação a operação de repressão do governo do Reino de Marrocos que se abateu sobre a população sarauí de El Aaiún, como resposta ao levantamento pacífico do Acampamento da Dignidade de Gdeim Izik. O facto de ter sido antecedida de medidas intencionais de isolamento do território redobra os nossos sentimentos. Estranhando o incompreensível silêncio do Governo português perante tais violações dos direitos humanos, vimos reclamar a sua condenação pública inequívoca.
O Acampamento da Dignidade quis exprimir o protesto, por parte dos cidadãos e das cidadãs sarauís, pela continuada discriminação, nomeadamente em termos sócio-económicos, de que são alvo na sua própria terra. Se esta realidade era já conhecida de quem contacta ou se interessa pela região, ela tornou-se, através deste acto pacífico e de coragem, evidente para todo o mundo. Perante a recusa marroquina em responder às questões colocadas pela Comissão Europeia sobre quem usufrui das riquezas que são produzidas no território, os sarauís deram o seu testemunho.
Neste contexto, e de acordo com o Direito Internacional, como foi demonstrado e reconhecido pelos serviços jurídicos do Parlamento Europeu, não será possível renovar o Acordo de Pescas entre a União Europeia e Marrocos, que se encontra em fase de renegociação. Solicitamos ao Governo português que clarifique rapidamente a sua posição, baseando-se nos princípios do Direito Internacional.
Esta última vaga de violações dos direitos humanos contra cidadãos sarauís e as suas organizações tem precedentes e graves. Na realidade, instituiu-se como uma política e uma prática constantes, favorecidas pelo controlo informativo por parte das autoridades marroquinas.
É urgente uma monitorização rigorosa e imparcial dos factos, que a MINURSO (United Nations Mission for the Referendum in Western Sahara), estabelecida em 1991, pode assegurar, tal como acontece com todas as outras missões de paz das Nações Unidas. Pedimos ao Governo português que se empenhe activamente para que o Conselho de Segurança inclua na MINURSO, o mais rapidamente possível, um mandato de monitorização dos direitos humanos no Sahara Ocidental.
Sabemos, nomeadamente pela experiência de Timor-Leste, que os direitos do povo sarauí só poderão ser plenamente exercidos quando se fizer ouvir a sua voz, no quadro de um acto de auto-determinação justo e livre, internacionalmente conduzido e supervisionado. Todas as medidas anteriormente apontadas são necessárias e urgentes, mas não são suficientes. Uma solução clara deste conflito abrirá novas perspectivas para Marrocos, para a região e para o diálogo euro-mediterrânico.
Não podemos aceitar que a nossa política externa tenha dois pesos e duas medidas. Portugal cumpriu um papel essencial na libertação do povo timorense e solicitou a outros Estados, nesse marco, o cumprimento do Direito Internacional. Sejamos coerentes. Apoiemos todos os esforços internacionais conducentes à realização do referendo de autodeterminação. É esta a política que queremos ver concretizada pelo Governo português.
Lisboa, Dezembro de 2010
Adelino Gomes, jornalista
Alice Vieira, escritora
Álvaro Siza Vieira, arquitecto
Ana Tostões, arquitecta
Frei Bento Domingues
Eduarda Maio, jornalista
Francisco Teixeira da Mota, advogado
Jacinto Lucas Pires, escritor
Janita Salomé, músico
João Proença, dirigente sindical
José Augusto França, ensaísta
José Luís Peixoto, escritor
José Mattoso, historiador
José Ribeiro, editor
Joaquim Azevedo, professor universitário
Luís Moita, professor universitário
Manuel Carvalho da Silva, dirigente sindical
Manuel da Costa Cabral, pintor
Mário Nogueira, dirigente sindical
Miguel Galvão Teles, advogado
Miguel Gomes, realizador de cinema
Miguel Oliveira da Silva, médico
Maria Helena Mira Mateus, investigadora
Maria João Seixas, jornalista
Paulo Sucena, dirigente sindical
Teresa Féria, jurista
Vasco Lourenço, tenente-coronel
Viriato Soromenho Marques, professor universitário
Subscrever Pravda Telegram channel, Facebook, Twitter