Um surdo e milhões de mudos

 “A arma mais potente em mãos do opressor é a mente do oprimido” (Steve Biko, grande lutador sul-africano).

A excelente exposição de Yuri Pimentel, vice-presidente da Telesur (http://www.telesurtv.net/), nas Jornadas Internacionais “O direito cidadão a informar e estar informado”, realizadas em Caracas, de 18 a 20 de maio de 2007 ( leia aqui o texto original completo ), proporciona importantes dados de análise sobre a crescente oligopolização da comunicação e da informação no mundo. Ele parte da aquisição da Reuters, neste mês de maio, pela editorial canadense Thompson Corp., por cerca de 17 bilhões de dólares, resultando no maior grupo de notícias e dados financeiros do mundo. Dados da publicação especializada Inside Market Data revelam que a Thompson-Reuters superará a Blooberg LP. E que a soma destas duas representa mais de dois terços do mercado mundial de informação financeira.

É apenas o mais recente passo no processo de monopolização dos meios de comunicação e informação, que tem sido quase sempre invisível aos olhos do público. Oito corporações transnacionais regem os meios de comunicação desde o ano 2000, resultado de progressivas fusões. Cada uma dessas mega-corporações tem ações ou acordos com pelo menos seis das outras, constituindo-se todo um cartel pelo qual, ganhe quem ganhar, todos ganham. Eis um rico exemplo de controle oligopólico: a Time Warner e AOL controlam 28 editoras de livros, 38 canais de TV, 15 empresas de produção e distribuição de televisão, 79 revistas. Além de numerosos sítios de Internet, 170 lojas de produtos Warner em 30 países, parques recreativos, 2 produtoras de cinema e serviços telefônicos e de segurança por monitoração.

Esquemas similares cobrem a América Latina, onde uns poucos grupos transnacionais menores dominam quase totalmente o setor. São: Clarín, Cisneros, Globo e Televisa, respectivamente, da Argentina, Venezuela, Brasil e México. De que democracia, de que diversidade de pensamento se pode falar diante de semelhante panorama? Pergunta Yuri Pimentel. “O que hoje impera no mundo é uma feroz ditadura midiática, a principal e mais contundente ferramenta para o controle e domínio de nossas mentes, nossos desejos e nossos valores”, conclui. Todas essas corporações mundiais ambicionam controlar cada passo do processo informativo, desde a criação das notícias, da informação, das idéias, do entretenimento e da cultura popular até os diferentes meios tecnológicos de fazer chegar mensagens ao mundo inteiro.

Já em 1980, o Informe McBride desmontou a falácia da liberdade de expressão e mostrou como a institucionalização do controle da ditadura midiática nas corporações ficou mais grave e mais ampla. Hoje, 85% dos conteúdos acessados estão nas mãos do complexo financeiro dos EUA e a maioria dos produtos nacionais repete as mesmas fórmulas, amplificam os valores capitalistas e consumistas e repercutem seus fundamentos ideológicos. Emblematicamente os 8 maiores estúdios cinematográficos de Holywood repartem 85% do mercado mundial de cinema e ocupam 98% das exibições na América Latina; quatro corporações estadunidenses dividem 85% do mercado mundial de discos. São de língua inglesa 9 dos 10 escritores mais traduzidos no mundo.

Por outro lado, os EUA mantêm sofisticado sistema de proteção cultural e importam neste setor apenas 2% do seu consumo total. Esses fatos espelham tese do sociólogo Emir Sader, citada por Pimentel: “A ordem capitalista requer o silêncio dos discursos alternativos, requer que todos que se manifestem o façam dentro do universo dos seus discursos, em seus termos e suas alternativas, ou seja, dentro do sistema de poder que dirigem”. Essas corporações não são independentes: operam politicamente a serviço dos interesses dos grandes grupos econômicos que as controlam. Não se pode, pois, falar em liberdade de expressão da sociedade, mas de liberdade de manipulação no interesse da corporação controladora da mídia.

Assim hegemônicos, os meios desinformam e desativam a capacidade de interpretação crítica da realidade. Decompõem culturas e identidades porque promovem valores alheios às culturas próprias, reproduzem valores e modelos de paises hegemônicos e buscam converter o espectador em mero consumidor. Desarticulam interesses dos trabalhadores, dos povos e dos movimentos sociais. Há mais de 20 anos, diversos estudiosos, como Noam Chomsky e Howard Zinn, vêm denunciando que a estratégia estadunidense de agressão aos países que ousam praticar sua soberania tem por base o controle da opinião de seus cidadãos.

Diz Ernesto Carmona – no ARGENPRESS.info (http://www.argenpress.info/), reproduzido em Rebelión (http://www.rebelion.org/), em 28 de maio de 2007 (o leitor poderá acessar AQUI o texto original completo) – que aqueles que manejam os meios de comunicação adquirem uma importante quota de poder que não emana da soberania popular, e sim do dinheiro. Que responde a uma intricada meada de relações entre os meios de informação e de comunicação e as maiores corporações transnacionais estadunidenses. Como a controvertida petroleira Halliburton Company, do vice-presidente Dean Cheney. Como o Carlyle Group, que controla negócios da família Bush. Como Lockheed Martin Corporation, a provedora do Pentágono. Mais: Ford Motor Company, Morgan Guaranty Trust Company of New York, Echelon Corporation y Boeing Company, para citar poucos.

Paradoxalmente, estes impérios midiáticos tentamvender, aos incautos, os EUA ungidos por uma democracia exemplar, do “sonho de liberdade e oportunidades”. O certo é que a arrasadora concentração da propriedade desmontou o sonho da liberdade de expressão. Deixou de existir o direito à informação que é “garantida” pela 1ª Emenda da Constituição. Resulta o d iscurso dominante: da propaganda política matizada para modelar mentes e “lavar” cérebros; para criar uma “opinião pública” persuadida em favor da ideologia conservadora; para justificar atitudes de expansionismo imperial, a exemplo da invasão do Iraque. Descartada a possibilidade de que a informação ao cidadão lhe permita uma salutar e desejada visão crítica ou que lhe beneficie culturalmente.

Existe esperança? No citado evento de Caracas, centenas de jornalistas e acadêmicos discutiram o papel do estado e da participação cidadã e o direito de se interferir na propriedade social dos meios da comunicação e da informação, como legítimo direito de defesa da verdade, contra a manipulação midiática. Já se respira, mundo afora, em relevantes coletivos intelectuais e sociais, uma coincidente indignação com um modelo comunicacional globalizado e controlado por uma elite econômica. Esta elite que se apropria para seu próprio proveito dos nobres conceitos de liberdade de imprensa e liberdade de expressão.

Sidnei Liberal

Brasília, 1º de junho de 2007

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