O novo velho continente e suas contradições: A resistência das esquerdas
Por Celso Japiassu
Ao fim da Segunda Guerra Mundial os partidos comunistas tiveram um importante papel na política de quase todo os países europeus. Eles vinham do combate ao nazismo liderando as ações clandestinas de resistência, perseguidos como terroristas pelos governos colaboracionistas ou ocupados pelos gauleiter nazistas. Os movimentos de esquerda hoje existentes na Europa tiveram sua matriz naqueles partidos e numa tradição que vem desde a Revolução Russa e suas dissidências.
Em "Inquérito a um cidadão acima de qualquer suspeita" (Indagine su un cittadino al di sopra di ogni sospetto), filme italiano de Elio Petri de 1970, um inspetor de polícia interpretado por Gian Maria Volonté diz a um colega sobre alguns manifestantes de esquerda que acabavam de entrar na prisão : "espera que dentro em pouco eles estarão brigando entre si". Trata-se de uma ironia do diretor quanto às inevitáveis dissidências nos movimentos de esquerda. A direita preserva sempre uma só estratégia de ação, enquanto as esquerdas, em permanente debate, discutem e querem implementar propostas diversas.
A Europa de hoje continua sendo palco da luta entre a esquerda e a direita políticas. Marc Lazar, historiador francês, diz que ambas têm sofrido derrotas eleitorais pois a opinião pública tem mais se preocupado com temas como separatismo, autonomismo, migração e populismo. Na França, 62 por cento da população declara que considera a imigração como algo negativo e 68 por cento vêem o Islã com grande inquietação.
O populismo de direita explora as inquietações mas há também um populismo regionalista que se manifesta, por exemplo, no caso dos catalães; da Liga Norte italiana e do movimento flamengo, na região de Flandres, na Bélgica, independentista e também de direita.
A resistência de esquerda posiciona-se principalmente como oposição ao fortalecimento da direita e da extrema direita diante dos problemas enfrentados pela social democracia. Critica a falta de empregos, a ausência de políticas que combatam a pobreza de 25 por cento da população da Europa e a falta de combate efetivo às ameaças que representam as alterações climáticas. Crescem também as preocupações diante da aparente desagregação da União Europeia.
Pretendo dar breve notícia neste e nos próximos textos sobre a resistência das esquerdas nestes tempos sombrios da Europa e do mundo. Hoje, falo sobre Portugal, Itália e Espanha.
Portugal
Uma frente de esquerda liderada pelo Partido Socialista resgatou Portugal da política de austeridade que lhe vinha sendo imposta pela União Europeia. Chamou-se este acordo de "Geringonça", nome pejorativo atribuído pela oposição de direita e que acabou adotado pelo próprio governo. Os socialistas acabam de ser reeleitos, fortalecidos pelo sucesso obtido no primeiro mandato porém a mais combativa das forças de esquerda que têm apoiado o governo é o Bloco de Esquerda, formado pela União Democrática Popular, Partido Socialista Revolucionário e Política XXI e que foi fundado em março de 1999. Sua jovem líder e porta-voz chama-se Catarina Martins, de 46 anos, nascida no Porto. O BE representa hoje a terceira força política de Portugal. Suas prioridades programáticas imediatas são recuperação de salários e pensões, fortalecimento dos serviços públicos, investimento público para responder à crise da habitação e à emergência climática.
O histórico Partido Comunista Português liga-se ao Partido Ecologista Os Verdes na CDU-Coligação Democrática Unitária e é um dos partidos mais antigos e ideologicamente estáveis do país. Conta com dez deputados no parlamento, o que faz dele a quarta força política de Portugal. Defende de imediato um programa que luta por aumento geral de salários, aumento geral de pensões e aposentadorias e creche gratuita para todas as crianças até três anos de idade.
Itália
Depois da guerra o Partido Comunista Italiano emergiu como uma grande força política e dividiu a arena política nacional com os democratas cristãos. Teve o filósofo Antonio Gramsci como um dos seus fundadores, em 1921. Deu grande contribuição à luta antifascista italiana. Em 1948 renunciou à tomada violenta do poder e em 1956 passou a adotar a via parlamentar.
Nos anos 1970 afastou-se da influência soviética e, sob a liderança de Enrico Berlinguer, ensaiou uma coalisão com a democracia cristã que não se realizou diante do trauma nacional que foi o assassinato de Aldo Moro pelas Brigadas Vermelhas. O PCI dissolveu-se em 1991, transformou-se no PDS, depois DS, Democratas de Esquerda. Deu-se a cisão e a ala mais à esquerda dividiu-se em Partido da Refundação Comunista (PRC) e no Partido dos Comunistas Italianos (PdCI).
Em 2000, um relatório do parlamento italiano assegura que a morte de Moro teve a participação dos Estados Unidos, via infiltrados da CIA nas Brigadas Vermelhas. O objetivo era impedir que o PCI chegasse ao poder pela coligação com a democracia cristã de Aldo Moro.
Espanha
Com uma tradição de resistência que vem desde a Guerra Civil e das perseguições do regime franquista, a esquerda espanhola encontra-se hoje reunida no movimento Izquierda Unida. Constituído por seis diferentes partidos, o IU tem se apresentado em coligação com o Podemos, formando o Unidos Podemos. Tem contado com 10 por cento dos votos de um eleitorado dividido e muitas vezes indeciso.
Na Catalunha, a Esquerra Unida i Alternativa foi fundada em 1998 e se declara um movimento político e social nacional, catalão e republicano, anticapitalista e solidário. Está na luta contra o crescimento da extrema direita cuja face mais visível é o Vox.
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