Em 25 de setembro, 92 por cento dos 8,4 mlhões de eleitores curdos iraquianos votaram "sim" à independência no referendo a fim de se separar do território iraquiano. Um passo simbólico para que o maior grupo étnico do mundo, composto por mais de 30 milhões de pessoas espalhadas por cinco países, forme seu próprio país no norte do Iraque onde o Curdistão Iraquiano é composto por três províncias, administradas por um governo regional autônomo, além de protegidas por seus próprios serviços de segurança.
O primeiro-ministro iraquiano, Haider al-Abadi, solicitou aos países estrangeiros que parem de cooperar no setor petrolífero com os curdos autónomos do Iraque, ricos em petróleo. Al-Abadi também exigiu que todos os postos fronteiriços com a Turquia, a Síria e o Irã fossem colocados sob a supervisão de Bagdá, fechando ainda os aeroportos. A Turquia também respondeu de forma agressiva, ameaçando ações militares e sanções para forçar os curdos a "desistir dessa aventura, que só pode ter um fim obscuro".
A grande mídia e até mesmo a mídia alternativa em larga escala em todo o mundo, têm apoiado com entusiasmo a secessão curda, geralmente não ouvindo a parte iraquiana na questão nem colocando os fatos em contexto. Uma "coincidência" estrondosa neste caso é que, enquanto a comunidade internacional e os vizinhos regionais se opuseram ao referendo, há apenas um governo em todo o mundo que o apoiou abertamente: o Estado de Israel, ano a ano condenado por várias organizações internacionais pelos crimes contra a humanidade na Cisjordânia e na Faixa de Gaza. Mas neste apoio sem sentido à questão curda, existem alguns fatos que se encaixam perfeitamente a fim de explicar a contraditóra postura do regme de Benjamin Netanyahu.
À medida que as "coincidências" em relação ao Estado sionista e à mídia internacional vão ainda mais longe neste caso, um alto funcionário do governo do Iraque falou recentemente, em condição de anonimato a esta reportagem, que "Tel Aviv só está interessado em enfraquecer o Iraque". Já o jornalista e comentarista libanês Osama al-Sharif, escreveu no Jordan Times, "Netanyahu e seus aliados de extrema direita sabem muito bem que uma decisão curda, unilateral de separar-se do Iraque na ausência de um acordo sobre uma série de contendas, com exceção do futuro da província de Kirkuk, rica em petróleo, desencadeará uma guerra civil que, provavelmente, se espalhará".
Em meados dos anos de 1960 e ao longo dos anos de 1970, o Mossad, serviço de inteligência israelense, planejou e financiou um exército curdo para que combatesse as tropas iraquianas no norte do Iraque, entre outros inimigos de Israel no Oriente Médio: Egito e Síria. Um dos parceiros sionistas então, foi o mulá Mustafa Barzani, pai do atual presidente do Curdistão Masoud Barzani, e avô de Nechirvan Idris Barzani, primeiro-ministro do Governo Regional do Curdistão (GRC), sobrinho de Masoud Barzani que governa a região sem nenhuma base legal desde 2015: em 2013 concluiu seu mandato de oito anos na Presidência curda, prorrogado por dois anos pelo Parlamento local mas, desde que o mandato expirou totalmente, Barzani impede os deputados de estabelecer novas eleições.
Como observa o sítio The Moon of Alabama, o poder corrupto de Barzani foi impulsionado também pelos interesses petrolíferos dos Estados Unidos na região. "Os curdos bombearam e venderam petróleo sem o consentimento de Bagdá. Corrupção é via de regra no Curdistão, e o governo regional teve que roubar bancos locais para fazer dinheiro, ainda insuficiente para pagar salários. A máfia da família Barzani roubou a região às escondidas. Para se manter, o governo local precisa anexar mais riquezas, e ampliar a base de negócios".
Em 24 de agosto de 2015, o Jerusalem Post publicou reportagem que trazia o título, "Maior Parte do Petróleo Israelense Importado do Curdistão". E contnuava assim a publicação: "Importação de petróleo bruto de Erbil [capital da região curdo-iraquiana] poderia ser geopolítica e economicamente favorável para Jerusalém. Israel importou até 77% do seu abastecimento de petróleo do Curdistão [GRC] nos últimos meses, trazendo cerca de 19 milhões de barris entre o início de maio e 11 de agosto. Durante esse período, mais de um terço de todas as exportações do norte do Iraque [GRC], transportadas pelo porto turco de Ceyhan, foi a Israel com transações no valor de quase 1 bilhão de dólares".
Conforme reportou Telesur English em 26 de setembro, "um funcionário do Conselho de Conveniência do Irã, Ali Akbar Velayati, declarou antes da votação que a existência de um Estado curdo secesionista no Iraque só beneficiaria os Estados Unidos e o regime sionista de Israel, amobos os que procuram colonizar e dominar o Oriente Médio".
Em entrevista exclusiva a Pravda Brasil, o embaixador iraquiano na Rússia, doutor Haidar Hadi, afirma que o referendo curdo é uma grave violação à Constituição de seu país, ratificada pelo próprio povo curdo. "A comunidade internacional reconheceu a ilegitimidade do referendo, rejeita seus resultados e expressou seu apoio à unidade do Iraque", afirma o embaixador Hadi.
O diplomata também lembra que os curdos são reais participantes do governo federal desde 2003, outro fato que não justifica uma secessão: "O povo curdo faz parte do povo iraquiano".
Abaixo, a íntegra da conversa com o embaixador Hadi: a versão iraquiana dos fatos, em grande parte esquecida pela imprensa internacional.
Edu Montesanti: Excelentíssimo Senhor Embaixador Haidar Hadi, antes de mais nada eu gostaria de lhe agradecer bastante por esta honrosa entrevista. O governo iraquiano se opôs ao referendo curdo, considerando a votação separatista uma "medida unilateral e equivocada". Por favor, explique a posição de Bagdá.
Embaixador Haidar Hadi: Obrigado, Edu, por esta importante entrevista que me dará a oportunidade de falar sobre o referendo curdo, do ponto de vista do governo iraquiano.
Até o último minuto, o governo federal iraquiano esperou que o governo regional [curdo] retrocedesse de suas medidas unilaterais e equivocadas, e o governo federal seguiu todos os passos a fim de convencer a região, mas não houve nenhum recurso possível.
A comunidade internacional reconheceu a ilegitimidade do referendo, rejeita seus resultados e expressou seu apoio à unidade do Iraque: a decisão da Liga Árabe e da Organização de Cooperação Islâmica, a declaração do Conselho de Segurança, declarações oficiais emitidas pelos Estados Unidos, Grã-Bretanha, França , Alemanha, Rússia e outros países, além de todos os países vizinhos.
Os curdos alegam o direito à autodeterminação garantido pela Declaração Universal dos Direitos Humanos. Como o governo iraquiano responde a isto?
A determinação da liderança curda para conduzir o referendo foi uma grave violação da Constituição iraquiana, que representa o contrato social entre todas as partes iraquianas, ratificado pelo povo curdo de uma maneira que ultrapassou as outras províncias iraquianas: Erbil 99,36%, Dohuk 99,13%, e Sulaimania 98,96% dos votos.
Existe uma pública e notória divisão entre as forças curdas em relação ao referendo, o que ficou claro através das declarações emitidas por aqueles movimentos políticos e populares receosas de que uma das partes dominassem o poder no Curdistão iraquiano; Isso foi claramente abordado nas reportagens das agências de notícias internacionais sobre o assunto.
Os curdos afirmam que o sufrágio reconhece sua colaboração no enfrentamento ao Estado Islamita, depois que este venceu o Exército iraquiano em 2014 e assumiu o controle de um terço do Iraque. Como Bagdá responde a isto, especialmente agora que o Estado Islamita está derrotado no Iraque?
O referendo curdo mina os esforços internacionais para combater o terrorismo, especialmente a luta contra o Estado Islamita. Portanto, é considerado um perigo para a segurança regional curda.
Não apenas o Curdistão lutou contra o Estado Islamita. Todos os iraquianos lutaram de mãos dadas, e sacrificaram suas vidas para ganhar a guerra contra o Estado Islamita.
O primeiro-ministro curdo, Nechirvan Barzani, disse antes da votação que os curdos não declararão independência, mas que negociarão seriamente com Bagdá". O senhor acredita que o primeiro-ministro Barzani fala sério mesmo, ou tenta distrair e ganhar tempo?
A liderança curda deixou muito claro, desde o início, que queria seu próprio Estado independente, de manira que eu discordo frontalmente do que o primeiro-ministro do Curdistão disse.
O referendo curdo foi o primeiro passo para realizar o sonho curdo.
O que Bagdá poderia negociar com os curdos, se é que pretende fazer isso?
Bagdá recusou-se a aceitar que o referendo continuasse, pois se trata de clara violação da Constituição iraquiana, da qual os próprios curdos são parte.
Portanto, o governo federal em Bagdá rejeita qualquer negociação com a liderança curda, a menos que esta admita que os resultados do referendo são nulos e que o referendo, em si, é uma violação da Constituição.
O senhor não não vê o referendo como um resultado da tragédia causada pela invasão liderada pelos Estados Unidos em 2003, enfraquecendo o Estado do Iraque?
A invasão liderada pelos Estados Unidos em 2003 foi resultado das ações do regime brutal do ditador Saddam Hussain, coordenada pelas oposições iraquianas no exílio.
Desde 2003, nossos irmãos curdos foram parte importante do processo político iraquiano pelo qual, juntos como iraquianos, trabalhamos intimamente para convencer as forças lideradas pelos Estados Unidos a deixar o Iraque, após a assinatura de um acordo estratégico com os Estados Unidos.
Os curdos são participantes genuínos do governo federal desde 2003 e ocupam posições de alto escalão representando o presidente, como membros do Parlamento, ministros incluindo o dos Negócios Estrangeiros de 2003 a 2014, vice-ministros, embaixadores e cargos particulares em proporção igual à população, de maneira que as reivindicações marginais são falsas.
A liderança curda alega que o governo de Bagdá está punindo o povo curdo fechando fronteiras e aeroportos, pela tentativa deste de expressar seus direitos. Como o governo iraquiano responde a isto, embaixador Haidar?
O povo curdo faz parte do povo iraquiano, e os procedimentos governamentais são basicamente dirigidos a dissuadir o governo curdo de fragmentar a unidade do Iraque, e preservar sua posição regional. O primeiro-ministro, doutor Haider Alabadi, deixou isso claro em sua declaração na mídia
O governo federal iraquiano tem todos os direitos de controlar os aeroportos da região do Curdistão no Iraque, sujeitar todas as fronteiras às autoridades federais, e fechar todos os portos não oficiais.
A exportação de petróleo, o comércio exterior, os investimentos, as transações bancárias e as representações diplomáticas e consultivas, estão sujeitas à autoridade do governo federal..
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