À procura da mulher...

À ´PROCURA DA MULHER, BELA, PRENDADA E DO LAR

Num sebo da Rua da Praia encontro um velho livro de poesias de Pablo Neruda, Vinte Poemas de Amor e uma Canção Desesperada. Abro e começo a ler o primeiro deles, ainda de pé, diante da estante de livros:

 

"Corpo de mulher, brancas colinas, brancas coxas,

Te parecem ao mundo em tua atitude de entrega.

O meu corpo de campônio selvagem te escava

e faz saltar o filho do fundo desta terra.

Fui só como um túnel. De mim foram-se os pássaros

E em mim a noite entrava com sua invasão poderosa

Para sobreviver, me forjei como uma arma,

Como uma flecha em meu arco, como uma pedra em minha funda

Porém chega a hora da vingança ...e te amo".

 

 Nisso, se despregam do meio do livro duas folhas de papel de carta, esmaecidas pelo tempo. As recolho do chão e antes de colocar novamente entre as páginas do Neruda, vejo que são cartas de amor Comprei o livro e ganhei como presente as cartas.

 

Uma delas é um pedido de aconselhamento sentimental e a outra a sua resposta.

 

Na primeira, alguém escreve para o conselheiro Júlio Louzada, contando suas mágoas de amor e na segunda, está o conselho.

 

Descubro no Google (as pessoas viviam cheias de dúvidas antes do Google) que na década de 50, o sabonete Eucalol fez uma promoção entre os compradores do produto e a Rádio Tamoio, do Rio de Janeiro. Em cada embalagem, havia um papel de carta e em envelope para que os interessados escrevessem para o conselheiro Júlio Louzada. As melhores cartas seriam lidas ao vivo na rádio e o missivista recebia uma resposta assinada pelo próprio Júlio.

 

O que estava escondido nas páginas do Neruda eram essas cartas.

Creio que não cometo uma inconfidência muito grande, revelando alguns trechos da carta do remetente, que assinava com o pseudônimo de Perdido de Amor (a promoção preservava os nomes dos participantes) e da resposta, porque afinal já fazem mais de 60 que as cartas foram escritas, e todos interessados devem estar mortos.

 

Diz a carta com o pedido de conselho:

"Isso é uma declaração de amor a uma mulher, que depois de anos de uma vida em comum, me mandou embora.

Devia odiá-la pela traição, mas não consigo. Em vez de saudar a libertação, choro a perda. Imaginá-la com outro, causa uma dor na alma.

Veja o ridículo a que me exponho. Um ateu falando em alma. É claro que é num sentido figurado. A alma está dentro da cabeça que não para de pensar nela".

 

Na sua resposta Júlio Louzada lamenta que ele se declare ateu e diz que a perda da fé em Deus pode ter sido a responsável pela separação e dá um conselho prático.

"Arrume urgentemente uma nova mulher, porque, como diz a Bíblia, homem nenhum pode viver sem uma mulher que cuide dele.

Só procure uma mulher que seja bela (aos seus olhos, pelo menos), prendada (que saiba lavar, passar e cozinhar) e do lar (não uma dessas que trocam o dia pela noite) e seja feliz".

 

Fiquei curioso em saber se o Perdido de Amor conseguiu essa mulher ideal e se viveu feliz mais alguns anos.

Isso, nem o Google respondeu.

 

Marino Boeira é jornalista, formado em História pela UFRGS

 

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Author`s name Timothy Bancroft-Hinchey