Oposição a Maduro faz campanha para uma intervenção estrangeira na Venezuela

Políticos e ativistas opositores têm se reunido frequentemente com governos de potências estrangeiras para exigir medidas econômicas e até mesmo militares contra o governo venezuelano

Eduardo Vasco, Pravda.Ru

"É necessário obrigar o governo a negociar, não para ficar no poder, mas para que haja uma transição democrática", disse Julio Borges, presidente da Assembleia Nacional (AN) - o Parlamento venezuelano -, antes de se reunir com o chefe do governo espanhol, Mariano Rajoy, em sua passagem pela Espanha na semana passada.

O deputado do partido Primeiro Justiça, que faz parte da coligação opositora Mesa de Unidade Democrática (MUD), afirmou ainda que a Venezuela não pode se transformar em "uma franquia cubana, sem democracia, sem direitos humanos".

Declarações como essas, em encontros frequentes com altas autoridades de potências estrangeiras, têm sido denunciadas pelo governo do presidente Nicolás Maduro como um claro chamado à intervenção direta na Venezuela, violando assim a soberania do país.

O governo também não reconhece a autoridade dos deputados da Assembleia Nacional, porque ela se encontra legalmente anulada após fraudes nas eleições legislativas de 2015, quando parlamentares opositores se elegeram de forma irregular e foram impugnados pelo Poder Eleitoral. Porém, eles se recusaram a abandonar suas funções e iniciaram uma campanha de boicote a todas as ações do Executivo, buscando causar uma situação de ingovernabilidade que aumentou a crise política na Venezuela.

Desde que conseguiu maioria na AN, a MUD vem empreendendo também uma campanha internacional para pressionar Maduro a renunciar do cargo. Já foram realizadas dezenas de reuniões com políticos e presidentes de países como EUA, Argentina, Colômbia, Brasil, Peru e da União Europeia. Encontros com o presidente da Organização dos Estados Americanos (OEA), Luis Almagro, um feroz adversário de Maduro, para expulsar a Venezuela da organização, motivaram o país a iniciar um processo de desligamento do organismo continental.

Ainda na semana passada, Borges e o vice-presidente da AN, Freddy Guevara (Vontade Popular), visitaram Reino Unido, Alemanha e França. Em Paris, declararam que o presidente francês, Emmanuel Macron, apoia "totalmente" a Assembleia Nacional, que, após a formação da Assembleia Nacional Constituinte (ANC) - mecanismo do "Poder Originário", com maior controle popular -, perdeu espaço nas decisões legislativas. Na Alemanha, os dois se reuniram com a chanceler Angela Merkel, que chamou o governo de Maduro de "arbitrário".

Guevara, um férreo opositor ao governo, participou ativamente dos protestos violentos no primeiro semestre, que deixaram um saldo de aproximadamente 150 mortos. Ele chegou a ser flagrado marchando ao lado de manifestantes armados.

O deputado Juan Requesens (Primeiro Justiça) foi outro opositor que viajou ao exterior para convocar uma intervenção estrangeira na Venezuela. Ele participou de um fórum na Universidade Internacional da Flórida (EUA) em julho. Essa instituição, localizada no principal reduto de opositores venezuelanos

fora de seu país, sedia o Centro de Estudos de Cultura Estratégica, ligado ao Comando Sul dos EUA, onde o órgão realiza estudos para a aplicação de projetos militares na América Latina.

Em uma exposição ao público durante o evento, Requesens chegou a cogitar uma ação direta de outros países na Venezuela, que seria gerada a partir do aprofundamento da desestabilização do país com a chamada "Hora Zero", abortada pela vitória do governo na eleição para a ANC no início de agosto. "Para chegar a uma intervenção estrangeira, temos que passar [por] essa etapa", ressaltou o opositor naquela ocasião.

Para Elaine Tavares, pesquisadora do Instituto de Estudos Latino-americanos da Universidade Federal de Santa Catarina (IELA), a oposição a Maduro (que este ano também pediu um boicote de bancos estrangeiros à economia do país) não se preocupa com a soberania de sua nação, apenas com os privilégios da classe dominante venezuelana.

"A oposição venezuelana não tem pátria, seu norte é o capital. Por isso eles não se importam em provocar banho de sangue nas guarimbas - protestos violentos com barricadas - ou numa invasão externa. Essa gente governou a Venezuela por séculos e não quer saber do povo mandando. Quer o poder de volta a qualquer custo. São chacais e estão se lixando para a população", declara à Pravda.Ru.

Uma das mais conhecidas opositoras do governo venezuelano é Lilian Tintori. Ela é esposa do líder de extrema-direita Leopoldo López (Vontade Popular), que foi condenado a quase 14 anos de prisão por organizar a onda de violência que ocorreu no início de 2014, apelidada de "A Saída", que tentou derrubar Maduro através das guarimbas, ocasionando a morte de 43 pessoas.

Menos de um mês após Donald Trump tomar posse como presidente dos Estados Unidos, Tintori foi visitá-lo na Casa Branca, o que revela a proximidade da ativista com o governo estadunidense. Ela pediu ajuda do mandatário para a libertação de López, ideia que foi bem recebida por Trump. O presidente norte-americano, desde então, só aumentou as hostilidades de seu governo contra a Venezuela e no final de agosto implementou sanções ao Estado venezuelano e à estatal petroleira PDVSA, restringindo operações financeiras com o país caribenho e sancionando qualquer um que mantiver esse tipo de relações com Caracas.

Trump também declarou, no mesmo mês, após a eleição para a ANC (a qual seu governo, assim como outros da Europa e da América do Sul, considerou ilegal), que poderia intervir militarmente no país sul-americano. "Temos muitas opções para a Venezuela, incluindo uma possível opção militar se for necessário", disse o magnata, na mais clara posição intervencionista.

Durante a onda de violência opositora no primeiro semestre, Tintori também realizou uma série de viagens ao exterior para se reunir com líderes estrangeiros e pedir uma pressão internacional contra o governo venezuelano.

Em maio, por exemplo, ela foi ao Canadá se encontrar com o primeiro-ministro Justin Trudeau e outros políticos canadenses, onde denunciou a alegada inconstitucionalidade do governo de Nicolás Maduro. Na ocasião, a então chanceler venezuelana, Delcy Rodríguez, questionou publicamente a atitude da opositora.

"Senhora Lilian Tintori, agente da intervenção na Venezuela, por que não lhes diz a verdade sobre o fascismo e os assassinatos que vocês promovem?", perguntou Rodríguez. "Sua falsa postura de vítima e sua doença pela mentira só promovem a intervenção na Venezuela, você trabalha para isso", completou.

Logo em seguida, Tintori foi ao Brasil para se reunir com o presidente Michel Temer e com os senadores Aécio Neves, Cássio Cunha Lima e Ronaldo Caiado. Após a reunião com Temer, o governo brasileiro divulgou nota pedindo o fim das "prisões políticas", a garantia das liberdades individuais e o respeito à independência dos poderes no país vizinho. O governo venezuelano enxergou essa posição do Brasil como uma afronta à soberania nacional de seu país.

"A Venezuela é certamente o único país do mundo onde personalidades públicas com cargos importantes, como deputados, governadores e líderes de partidos políticos com presença relevante na cena institucional, podem se dirigir a autoridades estrangeiras para pedir a adoção de medidas hostis contra seu próprio país, entre elas as sanções econômicas e até mesmo a intervenção militar, sem sofrer qualquer tipo de punição", explica à Pravda.Ru o professor de Relações Internacionais da Universidade Federal do ABC, Igor Fuser.

"Em qualquer outro lugar, quem fizesse isso seria preso por traição à pátria, perderia seus cargos e seria submetido a todo o tipo de humilhação pública. Na Venezuela, nada disso acontece. As pessoas que fazem isso cruzam as fronteiras, embarcam e desembarcam no aeroporto de Maiquetia, em Caracas, sem serem incomodadas, e chegam a pedir o uso da força militar contra seu próprio país a partir da tribuna da Assembleia Nacional. O mais irônico é que essas figuras políticas são as mesmas que justificam sua atitude alegando que o país onde vivem se tornou uma ditadura", completa.

Apesar de o governo venezuelano permitir tais ações opositoras, parte da população entende que elas deveriam sofrer punições justamente por "traição à pátria". Na última segunda-feira (11), uma grande manifestação em Caracas exigiu que os opositores que incitaram uma intervenção estrangeira no país fossem punidos. Entre as figuras que apareciam nos cartazes com a inscrição "Vende pátria" ou "Traidor(a) da pátria", estavam justamente personalidades como Julio Borges e Lilian Tintori.

"A comunidade internacional e os povos do mundo são testemunhas de um fato político, notório e comunicacional, dos reiterados chamados, viagens ao exterior e declarações à imprensa estrangeira por parte dos dirigentes políticos da direita nacional, solicitando aos governos de países estrangeiros que intervenham nos nossos assuntos internos, vulnerando assim nossa soberania", reza o documento entregue à Procuradoria-Geral da República, que pede uma investigação e punição a opositores que implementaram essas ações.

O próprio presidente Nicolás Maduro instou o Judiciário a adotar medidas contra Julio Borges. "Traidor da pátria. Deveria ser julgado como traidor da pátria pelos danos que está provocando, pelos danos que está pretendendo [causar]", declarou o líder do Executivo no último dia 7.

A Agência Venezuelana de Notícias recorda que o Código Penal venezuelano estabelece como crime de traição à pátria a conspiração contra suas instituições republicanas. O mesmo instrumento legal, em seu artigo 132, também considera crime da mesma natureza o chamado à "intervenção estrangeira nos assuntos da política interna da Venezuela".

 

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Author`s name Timothy Bancroft-Hinchey