WikiLeaks, o tsunami que implodiu a diplomacia mundial e mostrou a verdadeira alma política da maior potência do planeta
Por ANTONIO CARLOS LACERDA
Correspondente Internacional
Nem mesmo Julian Assange e seus parceiros podiam imaginar o estrago que o site iria fazer na diplomacia e na política do planeta e a projeção internacional que iriam conquistar, por violar e publicar segredos considerados até então invioláveis.
O WikiLeaks é considerado um novo ícone do jornalismo investigativo internacional e vem sendo duramente condenado por governos de todo o mundo como risco à segurança do planeta. A publicação dos documentos secretos é considerada pelo site como "vazamento com princípios".
O WikiLeaks ganhou destaque internacional este ano, com três vazamentos. No primeiro, publicou um vídeo confidencial, feito por um helicóptero americano, que parece mostrar um ataque contra dois funcionários da agência de notícias Reuters e outros civis. O segundo tornou públicos 77 mil arquivos de inteligência dos EUA sobre a guerra do Afeganistão. O terceiro divulgou mais 400 mil arquivos expondo ataques, detenções e interrogatórios no Iraque.
Pouco se sabe sobre Julian Assange, que diz apenas ter nascido em Magnetic Island, na Austrália, em 1971, e não diz de onde vem nem para onde vai, viaja de capital em capital, se hospeda em casa de simpatizantes ou de conhecidos e não fornece o numero do seu telefone celular a ninguém.
Julian Assange adora revelar segredos dos governos e das pessoas, mas mantém sua vida como um verdadeiro mistério que intriga os serviços de segurança e inteligência dos Estados Unidos. Dele nada ou quase nada se sabe, a não ser que é uma permanente ameaça à segurança do sistema política internacional.
Na adolescência, Julian Assange teria sido um hacker habilidoso e atualmente controla uma das organizações mais influentes da política internacional, capaz de irritar governos ao redor do planeta, mostrar a alma secreta da política internacional e tornar público os verdadeiros interesses e manobras de bastidores do país que manda no mundo.
O WikiLeaks recebe as informações de suas fontes e garante que não busca nem solicita documentos.
O material recebido é encaminhado para uma equipe de jornalista, que analisa os documentos, checa a sua veracidade e resume as histórias antes de compilá-las. A partir desse estágio, o WikiLeaks divulga as análises e o material bruto em seu próprio site e em parceria com veículos de comunicação de vários países.
O WikiLeaks diz que as suas fontes de informações e envio de documentos secretos têm total segurança e proteção. As mensagens que recebe são blindadas com tecnologia de criptografia de ponta, garantindo a preservação das fontes. O WikiLeaks afirma que não grava informações que possam levar às fontes que forneceram os documentos.
O WikiLeaks diz que é financiado por doações anônimas, com os doadores mantidos em segredo absoluto. Segundo o site, as doações são utilizadas para pagar programadores e comprar servidores para manter o site em funcionamento.
O site depende de donativos, mas pouco se sabe sobre a origem e as dimensões de seu financiamento. Julian Assange diz que vive como nômade, carregando um computador em uma mochila e suas roupas em outra. Após manter-se discreto por vários anos, suas aparições públicas vêm se tornando mais frequentes.
Os documentos secretos publicados pelo WikiLeaks dizem respeito a guerras, prisões, casos de torturas, diplomacia, espionagem, corrupção, abusos e violações, censuras e assuntos relacionados a finanças, ecologia e meio ambiente.
O site já abrigou mais de 1 milhão de documentos, desde o manual da prisão de Guantánamo até a lista de filiados do Partido Nacional britânico, de extrema-direita.
Seu vazamento de mais alto impacto havia sido em abril deste ano, com um vídeo de 2007 que aparentemente mostra um helicóptero dos EUA disparando contra um grupo em Bagdá, matando dois funcionários da agência de notícias Reuters. Desde então, Julian Assange não viaja aos EUA por receio de ser preso.
O WikiLeaks ganhou as principais manchetes da imprensa de todo o mundo com vazamentos de milhares de documentos das guerras do Afeganistão e do Iraque e, em seu mais recente "lançamento", 250 mil documentos secretos diplomáticos dos Estados Unidos.
Cerca de 250 mil documentos diplomáticos confidenciais do Departamento de Estado dos Estados Unidos vieram à tona neste domingo, 05/11/2010, divulgados pelo site. Os chamados "cables" revelam detalhes secretos - alguns bastante curiosos - da política externa americana entre dezembro de 1966 e fevereiro deste ano, em um caso que começa a ficar conhecido como "Cablegate".
O WikiLeaks mostrou, por exemplo, o que os Estados Unidos pensam dos líderes mundiais, e o Pentágono suspeita que quem está por trás dos vazamentos é o analista de inteligência Bradley Manning.
Segundo o WikiLeaks, são 251.288 documentos enviados por 274 embaixadas. Destes, 145.451 tratam de política externa, 122.896, de assuntos internos dos governos, 55.211, de direitos humanos, 49.044, de condições econômicas, 28.801, de terrorismo e 6.532, do Conselho de Segurança da ONU.
A maioria dos documentos (15.365) fala sobre o Iraque. Os telegramas foram divulgados por meio de um grupo de publicações internacionais: "The New York Times" (EUA), "Guardian" (Reino Unido), "El País" (Espanha), "Le Monde" (França) e "Der Spiegel" (Alemanha).
Segundo o WikiLeaks, o Politburo, importante organismo do governo da China, comandou a invasão dos sistemas de computador do Google no país, como parte de uma campanha de sabotagem a computadores, realizada por funcionários do governo, especialistas particulares e criminosos da internet contratados pelo governo chinês. Eles também invadiram computadores do governo americano e de aliados ocidentais, do Dalai Lama e de empresas americanas desde 2002.
O rei Abdullah, da Arábia Saudita, repetidamente pediu aos Estados Unidos para atacar o Irã e destruir seu programa nuclear, além de, segundo registros, ter aconselhado Washington a 'cortar a cabeça da cobra' enquanto ainda havia tempo.
Doadores sauditas continuam sendo os principais financiadores de grupos militantes sunitas, como a Al Qaeda; e o pequeno Estado do Qatar, generoso anfitrião do Exército americano no golfo Pérsico por anos, era 'o pior da região' em esforços de combate ao terrorismo, segundo um telegrama ao Departamento de Estado em dezembro do ano passado.
Representantes dos Estados Unidos e da Coréia do Sul discutiram a possibilidade de uma Coréia unificada se os problemas econômicos da Coréia do Norte e a transição político no país levassem o Estado a implodir. Os sul-coreanos chegaram a considerar incentivos econômicos à China para 'ajudar a aliviar' as preocupações de Pequim sobre o convívio com uma Coréia reunificada em 'aliança benigna' com Washington, segundo o embaixador americano em Seul.
Desde 2007, os Estados Unidos montaram um esforço secreto e, até agora, mal sucedido para remover urânio altamente enriquecido do reator de pesquisa do Paquistão, com medo de que pudesse ser desviado para uso em um reator nuclear ilícito.
O Irã obteve mísseis sofisticados da Coréia do Norte, capazes de atingir o leste europeu, e os Estados Unidos estavam preocupados de que o Irã estaria usando esses foguetes como 'peças de montagem' para construir mísseis de mais longo alcance. Os mísseis avançados são muito mais poderosos do que qualquer equipamento que os Estados Unidos publicamente reconheceram existir no arsenal iraniano.
Quando o vice-presidente afegão, Ahmed Zia Massou, visitou os Emirados Árabes Unidos no ano passado, autoridades locais trabalhando para a Agência de Controle às Drogas descobriram que ele carregava US$ 52 milhões em dinheiro vivo. Segundo o telegrama da embaixada americana em Cabul, ele pode manter o dinheiro sem revelar a origem ou destino do montante.
Diplomatas americanos barganharam com outros países para ajudar a esvaziar a prisão da baía de Guantánamo, realocando detentos. Por exemplo, foi pedido que a Eslovênia aceitasse um prisioneiro se quisesse agendar um encontro com o presidente Barack Obama.
A República de Kiribati recebeu oferta de incentivos valendo milhões de dólares para aceitar detentos muçulmanos chineses. Em outro caso, aceitar mais presos foi descrito como 'uma forma de baixo custo para a Bélgica alcançar proeminência na Europa'.
Os Estados Unidos não conseguiram evitar que a Síria fornecesse armas ao Hizbollah no Líbano, que acumulou um grande arsenal desde a guerra de 2006 com Israel. Uma semana após o presidente sírio, Bashar al Assad, prometer a um alto representante americano que não mandaria 'novas' armas ao Hizbollah, os Estados Unidos reclamaram que tinham informações de que a Síria estava dando ao grupo armas cada vez mais sofisticadas.
Os americanos estariam preocupados com o uso da informática e ataques pela internet na China. Diplomatas dos Estados Unidos dizem que os chineses, após 2002, estão recrutando técnicos que acessam redes no mundo inteiro, principalmente do governo, empresas e aliados americanos.
Chefes de governos são citados em várias passagens. O presidente francês Nicolas Sarkozy, por exemplo, foi descrito como "delicado" e "autoritário", de acordo com o jornal 'Le Monde', um dos cinco periódicos que tiveram acesso à publicação antecipadamente. O presidente da Venezuela, Hugo Chávez, estaria 'louco' e transformando o seu país em 'outro Zimbábue', segundo um diplomata francês.
Os Estados Unidos pediram em março de 2008, um mês antes da última eleição presidencial paraguaia, informações detalhadas sobre os candidatos que incluíam "dados biométricos, incluindo impressões digitais, imagens faciais e dados para reconhecimento da íris, e DNA".
Uma mensagem da secretaria de Estado dos Estados Unidos à embaixada americana em Assunção relata a preocupação do governo americano com a suposta presença de grupos como Al Qaeda, Hizbollah e Hamas na tríplice fronteira, entre Brasil, Paraguai e Argentina.
O departamento de Estado americano pediu no ano passado aos funcionários de 38 embaixadas e missões diplomáticas uma relação detalhada de dados pessoais e de outra natureza sobre as Nações Unidas, inclusive sobre o secretário-geral, Ban Ki-moon, e especialmente sobre os funcionários e representantes ligados ao Sudão, Afeganistão, Somália, Irã e Coréia do Norte, segundo o jornal 'El País'.
Pairam dúvidas americanas sobre a confiança nas forças da Turquia, aliada da Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte), retratada como fraca e permeada por islâmicos.
Um tributo pago em viagens áreas que entrou em vigor no último mês deixou os americanos irritados. A revolta de Washington com uma nova tarifa alfandegária para passageiros, acordos britânicos de extradição com os Estados Unidos e inspeções mais frouxas com paquistaneses aparecem em memorandos publicados.
Autoridades americanas advertiram a Alemanha em 2007 para não prenderem agentes da CIA envolvidos em uma fracassada operação em que um alemão inocente com o mesmo nome de um suspeito foi erroneamente sequestrado por meses no Afeganistão.
Um alto diplomata americano disse que "a intenção é que o governo alemão pese cuidadosamente cada passo com as implicações no relacionamento com os Estados Unidos".
Na lista de procurados da Interpol, a polícia internacional, desde o dia 20 do mês passado, novembro, Julian Assange esteve de fato escondido em algum lugar perto de Londres, mas acabou se entregando a polícia e preso nesta terça-feira, 07/12/2010.
A Justiça da Suécia quer ouvi-lo no inquérito em que o acusam de estupro, mas Julian Assange nega a acusação e diz que isso é fruto de perseguição e de uma campanha orquestrada pelos Estados Unidos para difamá-lo.
O suposto estupro teria acontecido em agosto, em Estocolmo. As vítimas, duas voluntárias que trabalhavam para o WikiLeaks.
Na sexta-feira, 03/12/2010, o jornal "The Guardian" abriu um canal para que os leitores pudessem fazer perguntas a Julian Assange, mas teve de suspendê-lo quando passavam de 900 o número de leitores interessados em falar com o ex-racker australiano. Alguns ofereciam dinheiro e até um quarto caso ele precisasse se acomodar.
Alguns de seus antigos colaboradores abandonaram o site e acusaram Julian Assange de ser autoritário e ególatra, por transformar um projeto coletivo em algo personificado e com um alvo fixo, os Estados Unidos. Em entrevistas, Assange diz que esses antigos colaboradores são "idiotas" que "devem ir para o inferno".
Antes de ser preso, nesta terça-feira, 07/12/2010, Assange parecia amedrontado e respondia rispidamente a muitas perguntas. Principalmente quando questionado sobre a possibilidade de colocar a vida de pessoas em risco com suas revelações. Mas assumia uma postura messiânica e dizia que essa era sua missão para transformar o mundo em algo melhor.
Agora, ele acredita que é sua própria vida que está em risco. Aponta o dedo para os Estados Unidos. Se alguém de fato está tramando contra sua vida, com certeza está tomando cuidados extras para não deixar rastros que possam aparecer no WikiLeaks ou em algum dos seus filhotes.
A prisão do fundador do site WikiLeaks, Julian Assange, 39 anos, aconteceu em Londres, na Inglaterra, nesta terça-feira, 06/12/2010, por força de um mandado de prisão internacional emitido pela Suécia, onde ele é alvo de um inquérito sobre crimes sexuais cometidos supostamente em agosto, durante uma visita a Estocolmo.
Em um dos processos, Assange é acusado de estupro e assédio sexual. Em outro, é acusado de assédio sexual e coerção. Assange nega as acusações e afirma que o mandado de prisão faz parte de uma campanha internacional para desmoralizá-lo. Desde a semana passada, o WikiLeaks divulga um pacote de mais de 250 mil comunicações diplomáticas secretas dos Estados Unidos.
De acordo com a imprensa britânica, as autoridades britânicas já sabiam onde Assange estava escondido desde a semana passada, mas não puderam prendê-lo antes por causa de um erro processual no mandado sueco.
O primeiro pedido de prisão não estipulava a pena máxima à qual ele poderia ser condenado na Suécia pelos crimes de que é acusado, uma exigência legal britânica. A Justiça sueca, então, emitiu um novo mandado.
Na segunda-feira, 06/12/2010, o advogado de WikiLeaks afirmou que estava em negociações com a polícia britânica. Segundo disse o advogado Mark Stephens, a polícia britânica o chamou para dizer que tinham recebido o mandado de prisão emitido pela Suécia contra Assange, que estava escondido no Reino Unido.
Para enviar Assange para a Suécia, a Scotland Yard teria também de buscar um mandado de prisão na corte de Westminster and City, que lida com extradições no Reino Unido. A Austrália, terra natal de Assange, disse que daria assistência consular caso ele fosse preso no exterior.
O procurador-geral da Austrália, Robert McClelland, no entanto, condenou o vazamento de documentos diplomáticos, alegando que ameaçam a segurança internacional. Ele defende também que a Austrália ajude na investigação criminal sobre as atividades de Assange.
Também na segunda-feira, 06/12/2010, o banco suíço Post Finance anunciou o fechamento da conta aberta por Julian Assange. Segundo o WikiLeaks, o banco congelou seu "fundo de defesa" e bens pessoais avaliados em 31 mil euros (R$ 69.386,00).
O Post Finance (braço financeiro dos Correios da Suíça) afirmou ter encontrado dados errados no cadastro do criador do WikiLeaks. "Assange tinha dado informações falsas sobre seu domicílio", afirmou a instituição. Segundo o Post Finance, não há como comprovar que Assange mora em Genebra, na Suíça, conforme indicado na ficha cadastral. Por isso, ele fica impedido de ter conta no banco.
No sábado, 04/12/2010, a empresa americana Pay Pal, que oferece um serviço de pagamento pela internet, também anunciou o fim da conta do WikiLeaks, pela qual o site recebia doações de usuários. O WikiLeaks acusou a empresa de ceder à pressão do governo dos Estados Unidos.
Em comunicado, o Pay Pal afirmou que a medida foi tomada porque o WikiLeaks violou a "política" do site. Um dos requisitos exigidos é que o Pay Pal "não seja utilizado para atividades que encorajem, promovam, facilitem ou instruam pessoas a realizarem atividades ilegais".
Na sexta-feira, 03/12/2010, o WikiLeaks foi obrigado a mudar de endereço após seu domínio original (wikileaks.org) ser retirado do ar pelo provedor americano EveryDNS, segundo quem, ataques de hackers ao WikiLeaks estavam ameaçando toda a sua rede.
O site passou a funcionar no endereço wikileaks.ch, com base na Suíça, e um rastreamento mostrou que o WikiLeaks também está hospedado em um servidor francês, o OVH, baseado em Roubaix.
Mas o ministro de Economia Digital da França, Eric Besson, iniciou o procedimento para que site deixe de ser hospedado no servidor francês por considerá-lo "criminoso". Besson escreveu ao Conselho Geral da Indústria, Energia e Tecnologias (CGIET) para que acabe com a presença no OVH.
Na quarta-feira, 01/12/2010, o WikiLeaks anunciou que a Amazon.com o expulsou de seus servidores, forçando o site a voltar para um provedor sueco.
ANTONIO CARLOS LACERDA é Correspondente Internacional do PRAVDA.RU no Brasil.
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