Os alienados
Você está vendo um jogo do Internacional no Acre pela televisão e eles aparecem,mesmo que seja num grupo pequeno, com suas camisas vermelhas, torcendo por um time cuja sede fica a mais de mil quilômetros do estádio.
Em menor proporção, isso acontece também com o grêmio.
Em alguns jogos maiores, esses grupos podem ser de torcidas organizadas que viajam com o time, mas eles estão presentes também em jogos de pouca expressão.
Se os juniores do Inter, ou seu time feminino vai jogar em Pindamonhangaba , no interior paulista, lá estão eles, os vermelhos.
Isso, em menor escala, ocorre também quando o Inter joga no Exterior, mesmo que seja na Ásia ou na África
Claro que podem ser gaúchos perdidos no mundo e seus familiares, mas é também uma certa forma de alienação.
As pessoas teimam em introjetar valores, que não são seus ou que já não são mais seus.
Vamos pensar além do futebol para nos dar conta da extensão desse fenômeno.
Quando fui ao Rio de Janeiro pela primeira vez, tinha 17 anos e uma das visitas que me cobrei a fazer, além dos tradicionais Pão de Açúcar, Corcovado, Praia de Copacabana e Maracanã, foi aos estúdios da Rádio Nacional, no edifício do jornal A Noite, na Praça Mauá.
Fui assistir ao vivo, numa sexta-feira, o programa humorístico Edifício Balança Mas Não Cai, com o primo rico, Paulo Gracindo e o primo pobre, Brandão Filho, que já ouvia quando ainda morava em Farroupilha.
A Rádio Nacional, uma emissora pública, com seus programas de humor (antes o PRK 30 e depois, o Balança); de auditório (programas Manuel Barcelos , às quintas e Cesar de Alencar, aos sábados, com suas estrelas Marlene e Emilinha Borba);, seus musicais (aos domingos ao meio dia com Francisco Alves, o Rei da Voz); os noticiários (O Repórter Esso, com Heron Domingues) e as transmissões esportivas (com Antônio Cordeiro e Jorge Cury) faziam o papel que a Rede Globo viria a desempenhar depois na conquista dos corações e mentes das pessoas.
No início da década de 50, quando se acirrou a guerra fria entre os Estados Unidos e a União Soviética, os americanos, que vinham vendendo para o mundo há muito tempo, o chamado "american way of life" decidiram que o cinema, mais do que nunca, seria sua principal arma de conquista .
Claro que continuaram fazendo algumas guerras - a da Coréia foi a maior de todas - mas Hollywood passou a ser o grande divulgador do que era apresentado ao mundo como a "democracia americana" em oposição ao "comunismo ateu e destruidor das famílias"
A famosa Comissão de Atividades Antiamericanas do senador McCarthy já havia depurado Hollywood de qualquer pensamento de esquerda, pondo na lista negra de Hollywood alguns dos seus mais importantes diretores e roteiristas principalmente, além de atores e escritores de alguma forma ligados ao cinema.
A imensa lista de suspeitos tinha nomes como Charles Chaplin, Orson Welles, Dashel Hemmet, Joseph Losey, Edward Dimytrick, Lillian Hellmann, José Ferrer, John Garfield, Willian Shirer, Zero Mostel, Leonard Berstein, Paul Robertson, Dalton Trumbo e Jules Dassin. O grande diretor Elia Kaza (Um Bonde Chamado Desejo, Vidas amargas, Sindicato de Ladrões e Viva Zapata, entre outros filmes),indiciado como suspeito, inicialmente, se safou denunciando os companheiros.
Foi inicialmente através do cinema que os Estados Unidos construíram no mundo inteiro um sentimento, que ainda perdura, de defesa do sistema capitalista, ainda que ele exista apenas para beneficiar uma minoria poderosa e que exclui de suas vantagens, a maioria da população.
Para a grande maioria de homens e mulheres no mundo inteiro, o desfrute dos bens que a sociedade produz ( casas com piscina, carros, roupas caras, bebidas finas e viagens a lugares exóticos) se faz apenas virtualmente, antes pelo cinema, hoje principalmente pela televisão e pelas redes sociais.
Mesmo assim, essa maioria de despossuídos, é a primeira a defender a continuidade desse sistema e de até morrer por ele.
Isso apenas confirma o que Marx disse há muito tempo, de que as massas têm a ideologia da classe dominante.
Numa escala menor, bem menor, se você mora em Rio Branco, no Acre e torce pelo Flamengo, Corinthians e grêmio, você é um alienado.
Se torcer pelo Inter, talvez seja apenas pelo vermelho da sua camisa, que lembra a Revolução.
Marino Boeira é jornalista, formado em História pela UFRGS
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