Reflexões sobre uma sociologia indígena
Adilson Roberto Gonçalves
Em 4 de dezembro houve uma mesa de discussão na versão virtual da Feira Literária Internacional de Paraty deste ano, com o tema "Florestas vivas". Participaram Jonathan Safran Foer e Márcia Kambeba. Atendo-me, nestas reflexões, apenas à resposta da poeta da etnia kambeba, afirmando primeiramente ser 'líndio' o trabalho dela, com o devido trocadilho.
Pedi um comentário para a questão de estabelecer uma política dos povos originários, não apenas para a proteção deles, mas para a proteção de todos nós e de toda nossa cultura. A pergunta foi transformada em "Márcia, você acredita que uma política para os povos originarios é também um jeito de salvar a todos?". A resposta dela foi afirmativa e de forma contundente, completando que lutamos por políticas que venham a contribuir com todos, com todas as nações no Brasil, não só com os povos da Amazônia. Márcia explicitou o direito a uma educação de qualidade, direito à saúde, direito a viver na cidade com toda estrutura, obedecendo, obviamente, ao modo de vida dos povos originários, obedecendo à ideia do que seja educação e até do que seja política. É um ledo engano pensar que os povos indígenas não faziam política, pois ela sempre foi praticada como estratégias de resistência desde antes do contato com os povos europeus. Com o contato, a política foi intensificada. Nas palavras dela, "é isso que a gente faz, nós temos organizações, associações que vêm lutando junto com todos os povos; a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) é uma delas que vem nessa constante luta em prol do coletivo bem maior, que não é só uma aldeia, que não é só um povo, mas é uma nação".
Dessa participação na Flip, com a resposta que a Márcia me deu - e que não era exatamente o que perguntara - iniciei a questão de refletir sobre uma nova forma de governo e/ou de gestão da sociedade no meu Blog dos Três Parágrafos (http://adilson3paragrafos.blogspot.com/2020/12/perder-e-aprender.html), mas poderia expandir usando a resposta da poeta kambeba comentada. Isso poderia resultar em algum artigo interessante sobre novas políticas de nossos indígenas e lembrar o escritor Daniel Munduruku, membro da Academia de Letras de Lorena, e resgatar outras coisas dele faladas em eventos ao longo do ano, que acabei por comentar alhures.
Com Daniel Munduruku houve uma live no dia 30 de maio de 2020, já em plena pandemia, e o tema "sociologia indígena" foi objeto de meus comentários às falas dele.
Ouso especular se não teria havido um erro de Marx ao manter o capital e os meios de produção no centro da discussão, quando deveria ser a vida em primeiro lugar, junto às particularidades de cada um entendê-la e desenvolver suas interrelações. Chegaríamo, então, a uma ditadura do índio? Talvez poderia ser uma solução em contraponto à ditadura do proletariado. No Google "proletário indígena" tem um número de entradas semelhante a "sociologia indígena" (cerca de 110-120 vezes).
A cultura indígena luta pela sobrevivência, mas é nela que estariam as respostas para todos os brasileiros, especialmente hoje. Tomo por base como paradoxos atuais que a cultura indígena e a ciência deveriam ser modelos para a sociedade em tudo o que traduzem de busca pelo conhecimento e importância da vida conjunta, mas lutam pela sobrevivência, cada uma a seu modo e de forma isolada e distinta.
Repetindo, especulo sobre um tipo de política de base no pensamento indígena. O título para tais reflexões poderia ser ainda "Sociologia indígena como modelo econômico - e de vida - para o Brasil pós-pandêmico". De qualquer forma, isso resulta ser mais uma ideia pandêmica de quarentena.
Adilson Roberto Gonçalves, pesquisador da Unesp, membro do Instituto Histórico, Geográfico e Genealógico de Campinas, da Academia Campineira de Letras e Artes e da Academia de Letras de Lorena.
Foto: Por Pedro Biondi/ABr - Agência Brasil [1], CC BY 3.0 br, https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=2523117
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