EUA recusam-se a limpar os resíduos cancerígenos deixados na Base das Lajes
por RT
Depois de a base aérea norte-americana das Lajes, na ilha Terceira, a segunda mais populosa dos Açores, ter sido utilizada durante 75 anos, os EUA abandonam-na. Os habitantes locais pretendem que os EUA limpem a zona da poluição tóxica que cientistas afirmam ser cancerígena – mas Washington não concorda.
Madaíl Ávila, uma dos 55 mil residentes da ilha Terceira, afirma: “Ambos os meus pais morreram de cancro. Minha mãe de cancro de mama e o meu pai com um tipo diferente de cancro. Quando eu tinha 33 anos fui diagnosticada com cancro de mama”. “É uma coincidência muito grande que haja tantos casos de cancro no seio da mesma família, bem como todos estes casos estarem geograficamente localizados na mesma área”.
Os testemunhos de Ávila e outros moradores vizinhos da base aérea das Lajes que falaram com Ruptly durante a visita da equipa de filmagem na pitoresca ilha rochosa poderiam ser descritos como anedotas anti-científicas de moradores ressentidos. Infelizmente são apoiados por estudos conduzidos pelos próprios norte-americanos e investigadores portugueses.
“O que temos é um conjunto de locais com níveis extremamente elevados de poluição provocada por metais pesados, hidrocarbonetos e PCB “, diz Félix Rodrigues, professor de física da Universidade dos Açores e político local. “Em determinadas concentrações podem causar esterilidade, cancro, arritmia. Estes materiais entram na cadeia alimentar e acumulam-se nos corpos. Estamos diante de venenos que estão a ser escondidos debaixo do tapete”.
Apenas um exemplo: Félix Rodrigues salienta que 88 mil litros de derrame de combustível foram registados na década passada e diz que o solo é 50 vezes mais contaminado do que o permitido pelas directrizes ambientais nos principais países ocidentais.
Norberto Messias, professor de saúde da Universidade dos Açores, diz que os moradores do município adjacente à base sofrem incidência de certos tipos de cancros várias vezes maiores, como por exemplo quatro vezes mais tumores dos olhos, do que a restante população dos Açores.
“Não temos material genético diferente, não temos uma cultura diferente, não temos hábitos alimentares diferentes, nós somos como qualquer outra pessoa portuguesa. A única coisa que nos diferencia é a poluição da base das Lajes. A minha convicção é que há uma relação”, diz Messias, que conduz um estudo entre a população local.
Hotéis em vez de compensação
Distando 4 000 km a leste de Nova Iorque e 1 500 km a oeste de Lisboa, a ilha Terceira foi o ponto de reabastecimento perfeito para a aviação aliada que atravessava o Atlântico, durante a segunda guerra mundial. A base aérea das Lajes foi oficialmente inaugurada em 1943 e usada pelas forças britânicas e americanas.
Após a formação da NATO, em 1949, as Lajes tornaram-se uma posição chave e um centro de comando dos EUA para as suas unidades aéreas e navais, desempenhando um papel importante em vários conflitos, incluindo a guerra de Yom Kippur entre Israel e os Estados Árabes em 1973 e a primeira Guerra do Golfo.
O fim da guerra fria e o desenvolvimento de reabastecimento no ar, tornaram as Lajes dispensáveis e, em Janeiro de 2015, o Pentágono anunciou que o número de pessoal estrangeiro na base seria reduzido para 165, muito abaixo do pico de 3.000 atingido em décadas anteriores. Economistas estimam que a mudança teria reduzido o PIB da Ilha Terceira em 6%, levando à emigração de 10 mil pessoas da mesma. A própria base apresenta agora um estado de abandono crescente, suas pistas desertas, zonas residenciais vedadas mas vazias no seu interior.
Orlando Lima, um trabalhador português de apoio à base, diz que o pessoal dos EUA também estava preocupado com o impacto da base na sua saúde e que, pelo menos uma vez, testemunhou uma Comissão a chegar às Lajes para investigar uma queixa de saúde feita por um dos seus ex-agentes, que disse ter contraído cancro terminal, em resultado de serviço ali prestado.
Na sequência do anúncio de 2015, os Açores produziram um plano de revitalização para a Terceira, pelo qual os EUA pagariam 167 milhões de euros (US$205 milhões) anualmente durante 15 anos, para facilitar a transição da sua partida. Desse dinheiro, 100 milhões de euros seria gasto anualmente para combater o legado ambiental.
Até agora, Washington nada concretizou.
Quando perguntado pela RT sobre a situação na Ilha Terceira, funcionários dos EUA recusaram-se a comentar directamente e remeteram-nos para os resultados de uma reunião da Comissão Bilateral Permanente (SBC), em Dezembro, do ano passado.
“A SBC foi informada sobre a situação actual das questões ambientais na ilha Terceira, no que diz respeito às actividades dos EUA na base das Lajes, incluindo o que diz respeito a dois locais prioritários (Portão Principal e área Tanque do Sul). Os Estados Unidos e Portugal pretendem acompanhar as questões e incentivar os técnicos especialistas a chegarem a uma conclusão sobre a melhor forma de proceder ( leia o resumo dos resultados da reunião).
Em vez de compensação, os funcionários norte-americanos propõem agora aumentar os voos civis dos EUA e “discutiram formas de incrementar o turismo através do Atlântico e criar condições de mercado para atrair hotéis dos EUA para entrarem no mercado de Açores.”
“Posso garantir aos meus filhos uma vida boa aqui?”
Sentindo-se traídos pelos norte-americanos e abandonados pelo próprio governo, meio oceano afastados de Lisboa, os terceirenses começaram a sua própria campanha pública para encorajar o governo português a colocar mais pressão sobre seus aliados da NATO ou ele próprio assumir os custos.
“O problema existe, não há dúvida que isso foi causado pela força aérea americana, e também sobre quem são os responsáveis e quem têm de pagar por isso,” diz Marcos Fagundes, membro activo da campanha.
Felix Rodrigues, professor de física na Universidade do Açores tem pouca esperança de que Washington – particularmente sob Presidência do Donald Trump – pague e diz que a Terceira pode ser equiparada a dezenas de outros pontos do globo, onde bases americanas abandonadas continuam a contaminar a terra.
“Isto é um inferno que se repete em várias ilhas ocupadas pelos norte-americanos. É quase uma política de terra queimada, onde os problemas se acumulam, o governo local não reage e a população não tem capacidade para assumir uma posição,” afirma F. Rodrigues.
Entretanto para Ávila, cujo cancro de mama agora está em remissão, qualquer decisão não é uma questão de política, mas de sobrevivência – para si e sua família.
“Quero criar os meus filhos num lugar onde tenha a garantia de que serei capaz de lhes dar uma boa qualidade de vida. E esta é uma dúvida que eu tenho: Estarei a fazer a coisa certa para a geração futura?”
22/Fevereiro/2018
Fonte: Resistir.info
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