Bunker mato-grossense

HELDER CALDEIRA*

Conhecer Mato Grosso é um desafio que ultrapassa o gigantismo continental de seus mais de 900 mil km² - área territorial superior à maioria dos países sul-americanos; maior que Paraguai, Uruguai e Guiana juntos; dimensões equivalentes às vizinhas Venezuela e Bolívia. Se você sobreviver à mazelar infraestrutura, deparar-se-á com um conglomerado político que mais parece um ninho de serpentes, atulhando os poderes mato-grossenses numa espécie de bunker ordinário que administra um estado maneta.

Enquanto os oficiais de colarinho-branco desfilam sua iniquidade por uma Cuiabá em obras tortas e pouco transparentes - absolutamente despreparada para receber a magnitude excrescente de uma Copa do Mundo há menos de um ano do evento -, o restante do Estado perece ante ao esquecimento imposto por grupos políticos que transformaram a arte da roubalheira institucional num expediente corriqueiro. Pouco falta - ou quase nada! - para que a insígnia da fraude e do anacrônico clientelismo seja hasteada e tremule diante dos gabinetes palacianos. Corrupção e assalto aos cofres públicos mato-grossenses são atos de ofício, ritos que parecem integrar, de forma indelével, as atribuições das funções eletivas e dos cargos de confiança - confiança de quem, cara pálida?!

Aos que não integram o contingente de pouco mais de três milhões de habitantes residentes em Mato Grosso, restará a questão: diante de tal barbaridade política, como o Estado caminha e permanece líder nacional na produção de grãos e um dos maiores vertedouros de alimentos da América Latina? A resposta é bem simples: Iniciativa Privada. É ela quem investe, administra e chega a construir estradas para conseguir escoar sua produção. Cumpre ressaltar que o Brasil talvez seja o único país do mundo que permite tamanho achincalhe com sua principal região produtora de alimentos, deixando abutres refestelarem sobre o sustentáculo da combalida economia brasileira.

A propósito, a presidente Dilma Rousseff e seu mandatário interino Lula da Silva precisam assumir seu quinhão de responsabilidade pelo derretimento político-administrativo de Mato Grosso. É bastante provável que desprezem os eleitores mato-grossenses não apenas pelo baixo coeficiente que representam no cenário nacional, mas por terem sido derrotados consecutivamente pelos tucanos: por aqui, Geraldo Alckmin (54,8%) venceu Lula (38,6%) em 2006; e José Serra (51,1%) bateu Dilma (48,8%) em 2010. O governo federal petista observa à distância a inexpressividade do aliado governador peemedebista Silval Barbosa que, para além das fronteiras estaduais, aparece nas fotografias como um retumbante desconhecido.

Na semana passada, tive a oportunidade de realizar uma entrevista exclusiva com o senador mato-grossense Pedro Taques. Cuiabano oriundo do Ministério Público Federal e depois de uma "rebelde" candidatura à presidência do Senado Federal contra o "artilheiro sarneysista" Renan Calheiros, Taques surge como portentoso pré-candidato ao cargo de governador de Mato Grosso, ainda que saia pela tangente sempre que questionado. "A situação financeira do Estado é frágil. Muito frágil. Além disso, há gargalos expressivos para o desenvolvimento das atividades econômicas estaduais", ressaltou o senador, completando: "Com tantas mazelas, eu não faria o VLT [Veículo Leve sobre Trilhos] em Cuiabá", fazendo referência direta à principal obra de mobilidade urbana para a Copa de 2014 e que vai consumir a bagatela de R$ 1,5 bilhão.

Para que o leitor consiga compreender melhor a fala do senador pedetista, basta observar o levantamento feito pelo Tribunal de Contas do Estado de Mato Grosso. O TCE/MT aponta que, entre março de 2014 e abril de 2020, o pagamento das parcelas dos empréstimos feitos para obras da Copa corresponderá a 79% do valor total de investimentos do Estado em 2012. Em outras palavras, para que a famigerada Arena Pantanal possa receber uma ilustríssima partida ao estilo Albânia versus Costa do Marfim, o governo estadual promove um aniquilamento de áreas fundamentais - como Saúde, Educação, Infraestrutura e afins - e deixa para o próximo titular do Palácio Paiaguás um dos maiores déficits da história mato-grossense. Sem qualquer viés dramático, a fatura da desgraça administrativa alcançará nossos filhos, quiçá netos!

A quem duvidar possa, dois recentes movimentos do governo estadual servem bem à ilustração do labéu mato-grossense. No último domingo, 11 de agosto, em entrevista ao jornal Folha do Estado e sem qualquer constrangimento, o secretário-chefe da Casa Civil afirmou que metade dos cargos comissionados na administração estadual não exigiu qualquer critério técnico e são meramente indicações políticas. "Isso contando com os partidos nas secretarias e as cotas que os deputados estaduais têm na gestão", revelou Pedro Nadaf em entrevista ao jornalista Pablo Rodrigo. Desde quando esculhambação virou sinônimo de gestão?!

Noutro flanco, com a rede estadual de ensino à véspera de uma greve por melhores salários e mais investimentos na Educação, o secretário da pasta, Ságuas Moraes - do PT -, abriu um polêmico processo licitatório no valor de R$ 7,7 milhões para contratação de buffet. Diante do escândalo, foi obrigado a cancelar o pregão. Seria demasiado ridículo - pra dizer o mínimo! - permitir que o governo pagasse por uma única refeição o equivalente a merendas escolares suficientes para alimentar 93 alunos, como calculou a reportagem do jornalista Alecy Alves, no Diário de Cuiabá.

Como o "malfeito" afinou a vidraça, a correligionária presidente Dilma Rousseff tratou de agendar seu primeiro "pulinho" a Mato Grosso desde que foi eleita. Em setembro irá inaugurar, no pior do modus operandi lulista, a "pedra fundamental" de uma ferrovia com 220 km que, como tantas outras, pode nunca ficar pronta e ter seus recursos drenados para os cofres dos larápios.

É triste demais concluir que um Estado, outrora pujante e promissor, não consiga emergir do lamaçal. Faltando mais de um ano para as eleições que determinarão o futuro de Mato Grosso e do país, parece pouco apelar à consciência dos eleitores ou à legislação vigente. Nenhum colarinho-branco é marciano, deixado aqui por uma espaçonave. O bunker mato-grossense foi eleito pelo povo e a Lei, a despeito de qualquer sanidade, parece não o atingir.

Escritor e Jornalista Político

www.heldercaldeira.com.br - [email protected]

*Diretor de Jornalismo da TV Mutum SBT e Editor-Chefe da Revista Capa. Autor dos livros 'ÁGUAS TURVAS' e 'A 1ª PRESIDENTA'.

 

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Author`s name Timothy Bancroft-Hinchey