No Brasil, procurador da República diz que Itália não pode questionar ato que negou extradição de Battisti
Por ANTONIO CARLOS LACERDA
BRASILIA/BRASIL - No Brasil, o procurador-geral da República, Roberto Gurgel, enviou parecer ao Supremo Tribunal Federal (STF) pedindo o não-conhecimento e, se conhecida, pela improcedência da reclamação proposta pela República Italiana contra ato do presidente da República do Brasil, por ter supostamente descumprido decisão proferida pelo STF que concedeu a extradição de Cesare Battisti.
O procurador-geral da República, Roberto Gurgel, defendeu a permanência do italiano Cesare Battisti no Brasil. Em parecer da PGR (Procuradoria-Geral da República) ao STF (Supremo Tribunal Federal), Gurgel alegou que a Itália não pode contestar a decisão do governo brasileiro de não extraditar o ex-ativista para seu país.
Battisti está preso na Penitenciária da Papuda, no Distrito Federal. O ex-ativista italiano aguarda decisão do STF sobre seu processo de extradição. Na Itália, ele foi condenado à prisão perpétua por quatro homicídios ocorridos no fim dos anos 70, quando integrava a organização de esquerda PAC (Proletários Armados pelo Comunismo).
Battisti foi preso no Rio de Janeiro, Sudeste do Brasil, o que levou a Itália a formalizar pedido de extradição executória, com fundamento no Tratado de Extradição firmado com o Brasil. O STF, ao apreciar o pedido, anulou decisão do ministro da Justiça que concedeu ao extraditando a condição de refugiado político e, em seguida, deferiu sua extradição.
Em 31/12/10, o então presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, negou o pedido de extradição, com base em parecer da Advocacia-Geral da União.
O caso Cesare Battisti estava havia meses sob análise no órgão, e o STF (Supremo Tribunal Federal) aguardava um parecer para dar sequência ao trâmite do caso. No STF, o relator do Caso Cesare Battisti é o ministro Gilmar Mendes.
Preliminarmente, o procurador-geral da República afirma, no parecer, que não parece ser possível ao STF decidir se o presidente da República descumpriu o Tratado específico firmado entre o Brasil e a Itália ou se praticou algum ilícito internacional ao não extraditar Battisti.
"Se o Brasil não pode interferir nos motivos que ensejaram o pedido de extradição, ao Estado requerente também não é possível interferir no processo de extradição dentro do Estado brasileiro. Tal tentativa de interferência no processo de extradição, de ambas as partes, é violadora do princípio da não-intervenção em negócios internos de outros Estados, regra basilar do Direito Internacional Público", explica o procurador.
Roberto Gurgel acrescenta que, apesar da seriedade das acusações apresentadas contra o ato praticado pelo Brasil, considerado pela reclamante como ilícito interno e internacional, a República da Itália não pode submetê-lo ao crivo do STF por se tratar de infração aos princípios internacionais da soberania, autodeterminação dos povos e não-intervenção de um Estado em assuntos internos de outro.
"A República Italiana não é parte no processo extradicional de direito interno atinente a Cesare Battisti. E, não sendo parte, não pode reclamar o cumprimento da decisão dada no processo de extradição", complementa.
Para o procurador, são os órgãos de soberania da República Federativa do Brasil que têm a incumbência de atuar para dar curso, pela parte brasileira, à relação jurídica de Direito Internacional Público corporificada no Tratado de Extradição entre o Brasil e a Itália.
Caso as questões preliminares sejam afastadas, o procurador-geral aborda, no parecer, a discussão ocorrida durante o julgamento do feito, pelo plenário do STF, acerca dos papéis da Suprema Corte e do Poder Executivo no processo de extradição.
Roberto Gurgel lembra que, ao apreciar questão de ordem levantada pelo relator, o STF reconheceu que a decisão de deferimento da extradição não vincula o presidente da República.
"Considerando a solução dada à questão de ordem, parece evidente que em momento algum o STF determinou ao Presidente da República que efetivasse a extradição de Cesare Battisti", ressalta.
Ele afirma ainda que "o STF, ao deferir a extradição, o fez tão-somente para afirmar que as condenações impostas a Cesare Battisti na Itália são hígidas, pois respeitaram o devido processo legal e demais garantias asseguradas ao extraditando perante o Poder Judiciário italiano e brasileiro, e que o pedido seguiu os ditames do tratado específico de extradição firmado entre o Brasil e a Itália".
Segundo o procurador-geral, o requisito primordial para que seja proposta a reclamação é o descumprimento de decisão do STF. "Se, como visto, a decisão da Corte não vinculou o presidente da República, nada havia para ser afrontado", conclui.
Gilmar Mendes já afirmou que o Supremo não retomará a análise de todo o processo de extradição. Segundo ele, os ministros apenas vão verificar se a decisão do então presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que negou a extradição, está de acordo com o entendimento do próprio STF, que havia recomendado o envio de Battisti para a Itália, mas deixou a palavra com Lula.
Itália e Brasil mantêm um acordo bilateral de extradição, o que também será levado em conta. Em fevereiro, o ministro afirmou que ele e seus colegas irão analisar a questão dentro dos parâmetros estabelecidos pelo próprio acórdão do julgamento do STF, que reconheceu a competência do presidente da República para definir sobre a extradição nos termos do tratado. Esses são os limites que podemos discutir.
ANTONIO CARLOS LACERDA é Correspondente Internacional do PRAVDA.RU
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