Torturas no PIC de Brasília

Pedro Albuquerque

23/08/2008

Advogado e Sociólogo. Doutorando em Criminologia na Universidade de Ottawa


No Ceará, o jornalista Themístocles de Castro e Silva é a única personalidade civil de resistência obstinada e corajosa em defesa da ditadura militar. De tão apaixonada, ela lhe turva a observação, conduzindo-o a equívocos, como o de afirmar ("Origem das Torturas", O POVO (16/8/08), que as denúncias de torturas concentram-se em São Paulo, e o único denunciado tem sido o capitão Carlos Alberto Brilhante Ustra.


Mário Albuquerque, presidente da Comissão de Anistia Wanda Sidou, elencou as torturas no Ceará ("Torturas no Ceará", O POVO, 19/8/2008). Relato, então, as ocorridas onde estive preso em 1972, no PIC (Pelotão de Investigações Criminais do Exército), em Brasília.


No trajeto da cela até sua apresentação ao oficial superior, o (a) preso (a), de capuz, sofria pancadarias nas pernas, órgãos genitais e cabeça. O oficial superior o (a) recebia para interrogatório com vários cachorros adestrados que lhe tocavam no corpo para destruir sua resistência psicológica. A etapa seguinte ocorria fora do PIC, em algum prédio localizado nos arredores de Brasília. Era a etapa da tortura física com o(a) prisioneiro(a) de capuz. Comandava-a um oficial superior, inclusive coronéis e generais. Torturados (as) identificavam pela voz a presença do Gen. Antônio Bandeira, então comandante do PIC.


Todos os tipos de torturas eram aplicados no (a) prisioneiro (a) despido (a): eletro-choque na cabeça, nos órgãos genitais, no ânus, nas pontas dos dedos de pés e mãos, nas sobrancelhas, na língua e seios, assim como "pau-de-arara", "afogamento", "corredor polonês" e outras criatividades de mentes doentias.


E as torturas psicológicas, as que mais doíam na alma e no corpo? Ameaças de prisão de familiares, simulação de tortura em esposas, mães e filhos de prisioneiros (as), alisamento com cabo de bengala nos órgãos íntimos, simulação de "corte de cabelo" com navalha que deslizava pelas orelhas e pescoço, causando a sensação de incisão.


Prezado jornalista, se nos Estados citados teve disso, como se pode dizer que em outro qualquer não teve disso não? Se não se quer o olhar fixo no retrovisor da história, que miremos um futuro de reconciliação. Isso implica - como eu postulo - a não aplicação, aos atores dessas ações delituosas, das dominantes (e ilusórias) teorias criminológicas da retribuição (a pena como castigo, compensação, retribuição) e da dissuasão (a pena como meio de inibir, evitar a prática delituosa). Mas, esse caminho exige a explicitação da verdade, ou seja, quem assuma a prática dessas sevícias e a voz definitiva das Forças Armadas (FFAA) brasileiras condenando-as de forma cabal, a exemplo do que já fizeram as chilenas. Uma minoria, então organizada institucionalmente no seio das FFAAs, mentora e autora dessas bestialidades, não deve, agora do lado externo dos muros dos quartéis, continuar se beneficiando desse abrigo institucional para inibir a total transparência dessa tragédia, como há muito se reivindica neste País.


Pedro Albuquerque - Advogado e sociólogo. Doutorando em Criminologia na Universidade de Ottawa-Canadá

http://www.opovo.com.br/opovo/opiniao/814272.html

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